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terça-feira, 20 de outubro de 2015

2961 - poema da bicha desolada


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5211                                  Data:  15  de outubro  de 2015

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SABADOIDO

 

-Carlão, lembra quando você foi multado por excesso de velocidade no Túnel Rebouças?

-Claro que me lembro; havia vários carros ladeando o meu, de repente, um flash. Notei que todos os carros foram ficando para trás.

-A notificação da multa veio com a fotografia, bem nítida, do seu FIAT com o número da chapa. Lembra isso, Carlão?

-Lembro; você aproveitou e fez uma montagem no computador: eu recebendo a bandeirada e a Ferrari do Schumacher atrás de mim.

-Eu não poderia perder a deixa, Carlão.

-Você zombava muito dos seus conhecidos pelo computador, agora, então, com o Facebook para divulgar...

-Eu tenho que zoar, Carlão. O que eu sofri quando o Fluminense caiu para a 2ª divisão e, depois para a 3ª... A minha vingança é maligna.

-Eu me lembro de um jogo em que o Flamengo perdeu de 4 para o Palmeiras e você colocou uma gargalhada estridente de um porco, que é o símbolo palmeirense.

-Eu vou lhe explicar, Carlão. - Daniel e, agora, atuava como professor de  uma comédia.

-No campeonato brasileiro de 2004, o Palmeiras meteu 4 a 0 no Corinthians. Os torcedores colocaram no e-mail a figura de um porco soltando uma tremenda gargalhada com a camisa do Corinthians. O que fiz eu? Arquivei esse vídeo, faço uma montagem, mudando a camisa para Flamengo, Vasco e Botafogo, e, quando eles levam de 4, solto no Facebook.

-Derrota do Fluminense, nem pensar, não é Daniel?...

-Mas não é só isso: eu tenho um saco de gozações arquivadas no computador e posto no Facebook no momento certo; e não é só sobre futebol, não.

-Eu sei Daniel, eu sei... já comprovei várias vezes que o seu repertório de maldades sobre os mais diversos assuntos é inesgotável.

-Maldades, Carlão?... - fingiu perplexidade.

-E gozações com versos, Daniel?

-Ninguém mais é poeta, Carlão, todos, agora, são internautas.

-Eu sei. Se alguém for caçoar de outro com versos, passa de atiradeira à vidraça.

-É verdade. - citou um dos seus bordões.

 

-Mas, Daniel, no futebol, se gracejava com rimas. “É canja, é canja/ É canja de galinha?/Arranja outro time / Pra jogar na nossa linha”.

 -Há muitos anos que os torcedores não cantam isso. Eles fazem rimas com palavrões, quanto mais cabeludos melhor.

-Mas isso não é gracejo entre torcedores, é grosseria. - assinalei.

De repente, os olhos do meu sobrinho faiscaram.

-Recordo-me agora, Carlão, de versinhos de torcedores sem palavrões. Lembra quando o Flamengo tinha o ataque com Sávio, Romário e Edmundo, que os rubro-negros  afirmavam que era o maior ataque do mundo?

-Claro, década de 90, eles jogaram contra o Vasco e perderam, e não foi de pouco. “Maior ataque do mundo/maior ataque do mundo/ para um pouquinho, descansa um pouquinho/ Sávio Romário, Edmundo.” - cantaram dezenas de milhares de vascaínos no velho Maracanã.

-Carlão, essa é a versão oficial; os torcedores do Vasco cantaram assim: “Maior ataque do mundo/maior ataque do mundo/ joga um pouquinho, cheira um pouquinho/ Sávio Romário, Edmundo.”

-Seja como for, Daniel, foi, talvez, o último momento de inspiração dos torcedores de futebol.

-Se você fala de inspiração poética, talvez.

-Antigamente, faziam-se muitas gaiatices em versos, mesmo quando o assunto era sério, quase trágico. Exemplo: O jornalista e romancista Pardal Mallet se desentendeu com o Olavo Bilac e os dois duelaram.

-Alguém morreu?

-Pardal Mallet saiu ferido na barriga pelo florete do poeta. Fizeram, então, uns versinhos.

-Recita aí?

-Daniel, eu nunca mais vi esses versos; sei que terminava com um trocadilho infame. Era mais ou menos assim: “Mallet, como águia/ Quis voar/ Voar; pois é... / Pardal mal é.”

-Eu mostraria no Facebook um pardal espetado servido numa bandeja... sei lá, talvez eu bolasse outra imagem.

-Nessa questão, sempre fui antiquado, se assim querem me rotular. Eu fazia as gozações em versos, geralmente, redondilhas maiores. Você estudou isso no ensino médio, não foi?

-Sei; redondilhas maiores são versos com métrica de sete sílabas; e as redondilhas menores, cinco sílabas.

-Na faculdade, eu escrevi versinhos que retratavam vários professores. Na nossa festa de formatura, pediram-me que fossem lidos.

-E você leu?

-Não, porque eu não tinha bebido o suficiente. Não consigo ser o centro das atenções, sóbrio, ainda mais numa festa.

-Com todo o mundo bêbado, é fácil, Carlão.

-Daqueles versos todos, só me lembro, hoje, da quadrinha que fiz sobre o Armênio, nosso professor de Econometria, que falava e ninguém entendia nada. Não havia fonoaudióloga que desse jeito nele. Aqui, vai a quadrinha:

“Na Armênia, foi esfolado

O santo Bartolomeu.

Eu também sou santo: o Armênio

Esfolou co' o nervo meu.”

 

-Não está ruim, Carlão.

-Havia um colega de serviço, na Marinha Mercante, que era homossexual...

-Homossexual, Carlão?

-Contam que ele, no carnaval, saiu de pareô calçando sandálias Karina. A turma gritou bicha e ele contra-atacou: “Isto é para quem tem dinheiro”. Prosseguindo: ele contava feliz da vida, para nós, um seu caso com o filho de um médico, ortopedista muito famoso nos anos 50, 60, creio que nos anos 40 também. Quando eles romperam, esse nosso colega dava pena.

-Entrou numa depressão profunda?

-Isso, Daniel. Depois de muito sofrimento, ele se enamorou de um engenheiro do DNER, hoje DNIT.

-Ele, então, deu uma repaginada no visual.

-Eu, assistindo ao drama dele, escrevi uns versos que guardei de cor apesar de tantos anos terem se passado. Aqui vão eles:

“Com alegria de menina,

Calçou sandália Karina

E gritou todo faceiro:

“Isto é pra quem tem dinheiro”.

 

Querendo corpo de atleta,

Recorreu a uma dieta:

Vivia comendo aqui

Rodelas de abacaxi.

 

Mas não se sabe o porquê

Entrou em fase deprê;

Não estava mais risonho,

Tudo lhe era enfadonho.

 

Cabisbaixo e abatido,

Vivia o que tinha sido.

Tomado pela apatia,

Não vivia o novo dia.

 

Sua expressão era amarga,

Parecia que uma carga

Grande, de causar assombros,

Carregasse nos seus ombros.

 

Mas, então, tudo mudou,

Um novo amor encontrou.

Agora, saltita em festa,

Como Bambi na floresta.”

 

-Carlão, são precisamente vinte e quatro versos.

-O número exato, Daniel, o número exato.

-É isto aí.

 

 

 

 

 

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