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quinta-feira, 15 de outubro de 2015

2957 - orlandices fraternas


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5207                                      Data:  10  de outubro  de 2015

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SABADOIDO

 

Claudio me viu no portão, para mais uma sessão do Sabadoido, e gritou para dentro de casa:

-Daniel, traz a chave, que o Carlinhos já chegou.

Minutos depois, surgiu meu sobrinho, meio revoltado, com o aro do molhe de chaves pendurado em um dos seus dedos.

-Ô velho, você mesmo não poderia fazer isso?

-Agora, não posso; estou fazendo um trabalho urgente.

-Qual?... Está estocando vento para a Dilma?

-Foi bom lembrar, Daniel. Você me traz, depois, caixas de papelão que eu vou colocar o vento dentro delas e enviar para o Palácio do Planalto. – aproveitou a deixa.

-Se não houver vento, dê uma abanada. – sugeri, quando guinei portão adentro.

-Como ela diz uma coisa dessas, Carlão? – perguntou meu sobrinho quando rumávamos para a cozinha.

-Porque ela tem muito vento estocado na cabeça. - foi a explicação que encontrei.

-Imagina, Carlão, essa asneira traduzida para dezenas de idiomas, pois isso foi dito na ONU.

Depois de uma breve pausa, completou:

-Coitados dos tradutores estrangeiros, pois o dilmês já é difícil vertido para o português. Já pensou em quem faz a tradução do dilmês para o mandarim?

-Daniel, vai se vestir. Daqui a pouco a Roberta aparece. - soou a voz da Gina do interior da casa.

-Carlão, eu vou me vestir, mas, antes, passo pelo banheiro, pois tenho vento estocado nos intestinos.

-Se eles moverem as hélices da energia eólica, o problema da nossa presidente está resolvido. - vali-me da sua piada.

Como no teatro, mal saiu um personagem, veio outro, no caso, a Gina, que apareceu meio emperiquitada.

-A Roberta (sua sobrinha), quando não passa o fim de semana fora, inventa uns passeios e me carrega, com o Daniel, junto.

-Sábado passado, vocês foram ao Parque da Cidade.

-Hoje, eu nem sei aonde vamos.

-O marido dela topa tudo o que ela decide?

-O Valtencir adora dirigir, então, desde que ele rode alguns quilômetros com o carro, está ótimo; e, para as crianças, a Mariana e o Luquinha, tudo é festa.

-Tem sabido da Rosa, Carlinhos?

-Eu sei dela através do Luca. A notícia mais recente que o Luca me comunicou sobre ela foi sobre um presente para mim...

-Já sei: um livro.

-Um livro é pouco, Gina; ela pretendia me dar três volumes em que estão catalogados os mais de 40 mil livros da biblioteca do pai dela, o Agripino Grieco, doados para uma instituição de Brasília.

-Ela me deu um livro que só de notas bibliográficas eram mais de 200 páginas. O Claudio até dizia que as notas bibliográficas formavam outro livro.- lembrou.

-No meu caso, Gina, eu não tenho mais espaço para livros e revistas, não se esqueça de que sou assinante da VEJA. Um dia, resolvi colocar no lixo alguns livros que estão com camadas de poeira e que não pretendo mais manusear. Aproximei-me da estante para ensacá-los, mas não consegui me desfazer de nenhum.

-Depois de muita briga, consegui que o Claudio jogasse fora alguns livros. Afinal, quem arruma a casa, sou eu; e eles, quando são muitos, deixam tudo bagunçado.

Parou para atender o celular.

-É a Roberta.

Alteando a voz:

-Vamos, Daniel; eles já chegaram.

-Carlão, depois a gente continua a nossa conversa. – disse-me, enquanto saía acompanhado pela mãe.

Aproveitei o isolamento momentâneo para adiantar a leitura do Globo, que costumo ler em casa a tarde.

Não fiquei muito tempo sozinho, meu irmão adentrou a cozinha com a expressão de cansaço.

-Fazer bicicleta às 4 horas da manhã e, agora, cortar galhos cansam.

-Ainda não parou a poda?

-Estou aparando as arestas.

-O que me diz do centenário do Orlando Silva? – perguntei.

-Não passou em brancas nuvens, mas o Globo...

-Foi uma decepção o Globo. Ancelmo Gois, entrevistando o Jonas Vieira e o José Serra, foi a honrosa exceção. - manifestei-me.

-O papai dizia que as mulheres tentavam o suicídio, apaixonadas que estavam pela voz do Orlando Silva.

-Lembro-me, Claudio, de que o papai falou disso quando roubaram o busto dele na Praça Orlando Silva.

-Eu acho que levaram só a cabeça dele.

-Naquele pornô sofisticado do Walter Hugo Khouri, “Amor Estranho Amor”...

-O filme que a Xuxa proibiu porque ela transa com um garoto, o filho da prostituta mais importante, que era a Vera Fisher?

-Você deve se lembrar também, Claudio, que, naquele bordel da época do Estado Novo, as músicas de fundo eram cantadas pelo Orlando Silva.

-Foi o auge dele – não é? – de 1935 a 1942. 

-Eu já contei isso tempos atrás – retomei a palavra – eu vinha de um cinema da Tijuca para casa quando, na parte traseira do ônibus, uma pessoa, visivelmente embriagada, falava do Orlando Silva, anunciando-se como irmão dele. Virei-me e não tive dúvidas que falava a verdade. Como era parecido!

-Quando foi isso?

-1980... 1981... eu era cinéfilo nos anos 80, continuo, mas não vou mais  ao cinema.

Com pruridos detetivescos, meu irmão se pôs a raciocinar:

-O Orlando Silva era de 1915... digamos que o irmão dele fosse de 1917. Em 1980, teria 63 anos de idade... É possível.

-Devia ser a idade da pessoa de que falei, Claudio.

-Pena que também não resistiu ao vício. - lastimou.

-Eu descobri, no Youtube, Claudio, um depoimento do Orlando Silva bastante significativo. Deduz-se pelas suas palavras, que tomou como referência vocal o Tito Schipa.

-O tenor?

-Isso. Ele conta que, ainda garoto, cantou para o grande Tito Schipa  que, encantado, o aconselhou a não estudar canto, porque perderia a naturalidade, o dom que a natureza lhe dera. “Mas você estudou canto”. “Estudei por cauda dei mio padre, que queria que io cantasse ópera.” O Orlando Silva tentou reproduzir o italiano do tenor.

-Só tentou, Carlinhos.

-Quando se ouve Tito Schipa, não se sabe o momento em que ele respira, tem-se a impressão que é tudo num só fôlego e o mesmo acontece com o Orlando Silva. Eu penso, por isso, que ele tinha o tenor como modelo vocal.

-Afinal, ele estudou ou não canto?

-O Orlando Silva afirma que não, mas muitos afirmam que sim. Tal diamante não surgiu assim, teve de ser lapidado – argumentam os especialistas.

-Há gravações dele em que a voz não é lá essas coisas.

-O vício das drogas, Claudio, esculhambou com tudo.

 

 

 

 

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