Total de visualizações de página

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

2960 - Custódio Mesquita


----------------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5210                               Data:  14  de outubro  de 2015

--------------------------------------------------

 

124ª VISITA À MINHA CASA

 

-Custódio Mesquita, você deveria ter me visitado em 2010, ano do seu centenário.

-Mas vim para o centenário do Orlando Silva.

-Ele gravou muitas criações suas.

-Sim; Eu vou lhe narrar uma história, que foi muito contada pelo Mário Lago na sua vida bem mais longa do que a minha. Nas nossas peças, nós reservávamos, gratuitamente, um camarote para a Dona Balbina. Quem era a Dona Balbina?... A mãe do Orlando Silva, que sempre levava com ela o filho, que escolhia as músicas que mais o deleitavam para gravar.

-O Orlando Silva dizia que, depois da morte da mãe, nunca conseguiu cantar mais “Rosa”, de Pixinguinha, porque era a música de que ela mais gostava.

-A letra do Otávio de Souza, naquele estilo barroco, não é grandes coisas, mas a música do Pixinguinha... Que beleza! Mas Dona Balbina gostava muito das minhas composições com o Mário Lago.

-Custódio Mesquita, você pertenceu a uma família rica.

-Apesar de meu pai, que era comerciante, ter morrido jovem – eu tinha 4 anos de idade – deixou a minha mãe bem financeiramente falando.

-Ela o queria um pianista de músicas eruditas e um estudante de boas notas na escola.

-Esses grilhões que represavam a minha energia... Eram muitos, e lutei contra eles.

-Para conter a sua indisciplina, ele o tornou escoteiro do Fluminense Futebol Clube. Não deu certo, eu sei, você devaneava muito para ficar sempre alerta.

-Mas não foi de todo mal, pois, no corpo de escoteiros, aprendi a tocar tambor, o que, mais tarde, me levaria a instrumentista de bateria. Fui um ótimo baterista. Um dia, minha mãe me surpreendeu, com um conjunto que se apresentava no Cinema Central, tocando bateria.

-Você estava matando aula?

-Cabulando, gazeteando, enforcando... era tudo isso.

-A sua mãe investiu, mais ainda, no seu talento para a música?

-Sim, mas como você disse, antes, ela me queria como concertista de piano e eu não tinha paciência para treinar, durante horas, escalas. Você conhece a peça para dois pianos e orquestra “O Carnaval dos Animais”, de Saint Saens?

-Claro.

-Entre os animais carnavalescos, ele colocou os alunos de pianos, que são representados por escalas, cada um terminando com um estrondo na repercussão, a coda, que devia ser a fúria dos professores.

-Então, você desprezou as partituras?

-Desprezei, tocava de ouvido.

-Ainda assim, não havia quem negasse o seu extraordinário talento musical.

-Houve um músico que se recusou a atuar numa orquestra dirigida por um pianista que tocasse “de ouvido”, mas isso não impediu que eu obtivesse meu diploma de regente.

-Você já compunha?

-A minha composição é de 1930, eu estava, portanto, com 20 anos de idade. Era um samba-canção, mas só se tornou disco dois anos após, quando o Sílvio Caldas gravou. Ele também fez gravações de dois foxtrotes meus, o gênero musical em que eu transitava com mais facilidade.

-Fizeram sucesso?

-Sucesso mesmo, eu obtive em 1933, na voz da Aurora Miranda, com a marchinha “Se a Lua Contasse”. Não só fiquei conhecido em todo o Brasil, como até no exterior. Fiz até uma temporada, em 1936, pela Argentina, e eles, lá, me pediam para tocar “Se a Lua Contasse”.

-Como foram os seus primeiros anos como profissional da música?

-Eu toquei na Rádio Clube do Brasil, na Rádio Philips, na Rádio Mayrink Veiga e em escolas de danças. Eu era um pianista de respeito.

-E a sua mãe?

-Eu não tocava Chopin, mas toquei muito Ernesto Nazareth, por quem eu nutria uma admiração extrema. Gravei, com orquestra, inúmeros choros e valsas dele.

E prosseguiu:

-É sabido que Ernesto Nazareth, quando se avistou com o legendário concertista, Arthur Rubinstein, sentou-se ao piano e se pôs a tocar Chopin. Era como rezar o Pai Nosso para o Papa, Arthur Rubinstein queria ouvir as músicas de Ernesto Nazareth.

-É claro; a sensibilidade artística do concertista queria músicas novas para os seus ouvidos, como foram as de Villa Lobos, que ele gravaria. - assinalei.

-Quando eu precisava relaxar os nervos, sentava ao piano e tocava Nazareth.

-Custódio, como você entrou no ambiente do teatro?

-Meu parceiro e amigo, Mário Lago, me levou. No teatro, escrevi e musiquei, sozinho ou com parceiros, umas trinta peças.

-Você também foi ator?

-Não foi só o Mário Lago que atuou, eu também atuei. Fui ator de teatro e de cinema.

-Você também contracenou com o Grande Otelo, não foi isso?

-Em 1943, no filme “Moleque Tião”, em que fiz o papel de galã, a trilha sonora era minha. Estreei no cinema em 1935, com “Alô, Alô, Brasil”, e, em 1938, atuei em “Mesquitinha”.

-E o seu maior sucesso no teatro como ator?

-Creio que foi no papel de Dom Pedro I na peça “Carlota Joaquina”.

-Essas incursões não prejudicavam a sua carreira musical?

-Não; não impediu que eu compusesse, com libreto do Sadi Cabral, a opereta “A Bandeirante”, que foi encenada em 1938.

-Você era bonito, tinha 1,80cm de estatura...

-Mas o que diziam de mim, eu sei, era eu ser esquisito, até mesmo vaidoso.

-Contam que o Orestes Barbosa, ao vê-lo passar com o Mário Lago, comentou com amigos: “Lá vai o Narciso com o seu lago.”

Ignorou o chiste espirituoso e disse:

-Consideravam-me esquisito porque eu não frequentava os locais dos meus pares: Lapa, Praça Tiradentes, Café Papagaio, Café Nice. Eu gostava era de passeios pela madrugada, conversar, nessas caminhadas, tanto com intelectuais como com mendigos. Mesmo casado e com filho, não abri mão de chegar de madrugada à minha casa.

-Você foi casada com a atriz Alda Garrido?

-Não deu certo. Casei, depois, em 1942, com Helene Moukhine.

-Sobre a sua vaidade, falam que o secretário do Francisco Alves, o Rei da Voz, o procurou com um recado do seu patrão, na Galeria Cruzeiro...

Interrompeu-me, requentando a sua indignação:

-O Francisco Alves queria que eu fosse até a casa dele e lhe mostrasse composições, pois iria lançar um disco novo. Disse ao seu secretário que o Francisco Alves é que viesse à minha casa, Rua Ipiranga, 32. A distância era a mesma.

-A sua saúde não era boa, por isso você se foi tão cedo, aos 35 anos de idade.

-Eu era epiléptico, mas ninguém me viu tendo convulsões; sofria de tuberculose; mas os males hepáticos acabaram de vez comigo.

-Ficou sem os passeios pela madrugada.

-No hospital, os médicos queriam tanto que eu repousasse, que não me deram papel para escrever; ainda assim, compus melodias escrevendo nos espaços vazios dos jornais.

Não lhe disse que essas melodias se perderam para não entristecê-lo no momento em que deixava à minha casa.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário