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sexta-feira, 9 de outubro de 2015

2954 - As viúvas do Orlando


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5204                                      Data:  06  de outubro  de 2015

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4 DE OUTUBRO NO RÁDIO MEMÓRIA

 

O dia era 4 de outubro, mas o Jonas Vieira estava inteiramente voltado para o dia anterior, 3 de outubro de 2015, quando Orlando Silva faria 100 anos de idade. Um ano antes, no Rádio Memória, depois de criticar duramente, mas com justiça, a mídia, por deixar em brancas nuvens os centenários de grandes artistas do passado, declarou, com veemência, que os 100 anos do Orlando Silva não seriam esquecidos. “Eu não vou deixar.” Nem esperou 2015 chegar, arregaçou as mangas e promoveu um evento, na ABI, se a memória não me trai, sobre o cantor da sua predileção e de todos aqueles que têm os ouvidos apurados para o canto.

Nada mais compreensível, agora, que ele transformasse o dia 4 em dia 3, o domingo em sábado, embora a sua apreensão, que citamos, não se confirmasse. José Serra, Ancelmo Góis, João Máximo, Ruy Castro, Ricardo Cravo Albim, José Ramos Tinhorão - este, como o Jonas Vieira, considera Orlando Silva o maior cantor do mundo de todos os tempos – foram alguns dos orlandófilos que trombetearam as façanhas do seu ídolo e impediram que a data passasse em brancas nuvens.

Mas houve um momento, nesse programa do último domingo, na segunda parte, que Jonas Vieira não pôs mais uma gravação do Orlando Silva para o deleite dos ouvintes porque atendeu o telefone. Era o Sérgio Fortes. Desaparecido desde que o titular do Rádio Memória anunciou a sua mudança, Sérgio Fortes tratou de se pronunciar para que dúvidas não pairassem no ar.

-Jonas, você disse aos ouvintes que estou de mudança... no mundo em que vivemos, eu fico preocupado. Quero deixar claro que não há nenhuma conotação sexual...

Depois dos risos, ele prosseguiu:

-O meu abraço a todos os ouvintes do Rádio Memória. Eu confirmo que continuo muito enrolado com a minha mudança. Eu acho que mudança tem limite de idade; deve ser feita até os 29 anos, depois de velho é terrível.

-Pior do que mudança, só uma mala. - observou o Jonas Vieira com sutileza.

-É mesmo. - concordou o Sérgio Fortes e, com ele, 90% dos brasileiros.

Sérgio expressou preocupação pela sua ausência física em dois programas seguidos e pediu para dar as coordenadas no calendário.

-O que você acha?

-Eu acho ótimo, Sérgio. Vamos lá.

Como se ouvisse um diapasão imaginário, Sérgio Fortes aprimorou a voz.

-Dia 4 de outubro.

Em seguida, baixou uma oitava:

-Em 1942, o Cruzeiro é instituído como a moeda oficial do Brasil por Getúlio Vargas.

-Exatamente, Sérgio.

-Depois disso, houve grandes transformações. Esse negócio de mudança de moeda... Eu, uma vez, fiz uma aplicação num plano de capitalização de 10 anos. Eu apliquei, na época, uma quantia em torno de 3 salários mínimos, quando fui resgatar, tinha direito a um Eskibon. Olha, eu cuspi maribondos...

Gargalhadas sádicas do Jonas Vieira foram captadas,

 -Em 1957, é lançado ao espaço o primeiro satélite artificial, o Sputnik 1.Foi uma comoção, Jonas. Muita gente pensou que íamos ser atacados a qualquer momento. Lembra isso?

-Eu lembro demais.

-Em 1970, uma overdose de heroína mata a cantora Janis Joplin aos 27 anos.

-Quantos artistas se envolveram com drogas?... Eu acho – comentário meu – que carregar o andor divino, que é a arte, é muito difícil.

-É mesmo, Jonas.

Jonas prosseguiu com o seu raciocínio.

-Vamos pegar o Orlando Silva, que também se envolveu com drogas, mas, felizmente a Lourdes (sua esposa) o salvou. O que acontece?... Você tem de cantar praticamente as mesmas coisas, enquanto é assediado por compositores, por fãs, etc. Mesmo dormindo mal, você tem de estar sorrindo.

-É verdade.

-E o peso da música que você carrega... Rapaz, tem de ser muito forte para isso.

Mais uma vez o Sérgio Fortes concordou com o seu parceiro.

-Ainda em 1970, Émerson Fittipaldi, correndo pela Lotus, vence sua primeira corrida como piloto de Fórmula 1, no circuito de Waltkins Glen, nos Estados Unidos. Foi a primeira vitória brasileira na categoria. Foi uma comoção.

-Certamente, Sérgio, para o Brasil.

Também para a Suécia, pois, com essa vitória, Jochen Rindt se tornaria campeão mundial póstumo da Fórmula 1 de 1970.

Dos eventos históricos, Sérgio Fortes passou para os nascimentos.

-Em 1841, nascia Prudente de Morais, que viria a ser o primeiro presidente civil do Brasil.

-Em 1959, Clóvis Beviláqua, autor do Código Civil Brasileiro de 1916.

-Em 1891, nascia uma figuraça: Assis Chateaubriand.

-Esse foi mesmo uma figura. Eu o conheci pessoalmente. - manifestou-se o Jonas Vieira.

-Jonas, ele fechava a gaveta e deixava a chave dentro. Dava nó em pingo d’ água.

Jonas Vieira retomou a palavra para contar uma história que ilustrava bem a “figura”, antes, porém, fez uma pequena introdução.

 -Ele dava presentes para muitas mulheres, dava presentes para reis, rainhas... pensando mais em se promover; enquanto isso, os salários das suas várias empresas estavam sempre em atraso. Na rádio Tupi, por exemplo, ele perguntava ao tesoureiro quanto dinheiro havia. “Tem tanto”. “Me dá”. Não ficava nada.

-Caramba! – abismou-se o Sérgio Fortes.

-Certa vez, na Rádio Tupi, ele chegou lá uma hora da manhã com vários convidados. Ele pretendia entrar e mostrar a rádio a todos. Foi barrado pelo porteiro. “Eu sou Assis Chateaubriand”. “Eu não conheço o senhor pessoalmente”. “Eu garanto que sou”. “Não, senhor, não pode entrar”. “A ordem é que só pode entrar quem se identificar”. Ele foi barrado e, no dia seguinte, o porteiro foi demitido.

-É claro. - disse o Sérgio pensando na ordem natural das coisas.

Mas a história não terminava aí.

-Pois o Assis Chateaubriand chamou o porteiro e lhe disse: “Parabéns”.

Era, agora, a vez do Sérgio Fortes.

-Também conheço umas histórias. Meu avô conviveu com ele, no Recife. Contou que o Assis Chateaubriand era um garoto, tinha acabado a faculdade de Direito, ainda inexperiente e se meteu a concorrer a uma cátedra da Faculdade de Direito de Recife com um luminar, um sujeito qualificadíssimo. Chance zero. Como esse garoto tem essa petulância?... Para se ter uma ideia, Jonas: ele ganhou.

E completou:

-Imagina, Jonas, o que ele fez por baixo dos panos. Mas ganhou.

O calendário seguiu adiante.

-Jonas, em 1895, nascia Buster Keaton, ator, realizador, roteirista e produtor do cinema americano.

-Grande ator! vibrou o Jonas.

-Em 1948, nasce uma atriz brasileira que eu coloquei aqui porque conheci o seu pai, um pintor muito competente, muito talentoso, Lúcia Alves. Ela anda sumida.

-Realmente.

-Eu não sei quais são os regulamentos, principalmente da Rede Globo... É um tal de determinarem quem some, quem aparece. Deve haver, Jonas, muita coisa que a nossa vã filosofia não alcança.

-Só o futuro dirá.

-Jonas, em 1956, nasceu um ator austríaco... não sei se você viu algum filme dele, o cara é inacreditável: Christoph Waltz. Ele fez os filmes “Bastardos Inglórios” e “Django Livre”. Guardem o seu nome, embora muitos já o conheçam: Christoph Waltz.  Que ator! (*)

Agora, o Homem-Calendário passava para os falecimentos.

-Em 1669, Rembrandt, pintor neerlandês.

-Em 1904, Frédéric Auguste Bartholdi, escultor francês. A importância dele é ter esculpido a Estátua da Liberdade.

-Nossa! – exclamou o Jonas Vieira.

-Em 1947, morria Max Planck, físico alemão, considerado o pai da Teoria Quântica. Eu imagino que ele sabia tudo sobre Teoria Quântica.

-Imagina, rapaz... moderníssimo.

-Jonas, em 1982, morre um pianista incrível, bem doido, mas, ainda assim, incrível: Glenn Gould.

-Esse era fantástico, Sérgio.

-Você sabe, Jonas, que era uma dificuldade louca fazer gravações com Glenn Gould?... Sabe por quê? Ele tinha o hábito irremovível de ir tocando e cantarolando. Estragava as gravações todas.

-Exatamente.

-Em 2009, morre Mercedes Sosa, cantora argentina.

-Em 2014, um ator brasileiro importante: Hugo Carvana, também cineasta.

E prosseguiu:

-Hoje é o Dia Mundial dos Animais; é o Dia da Natureza.

-Olha só.

-Nós falamos, Jonas, tanto de santos do segundo time, mas hoje é dia de um santo importante: São Francisco de Assis.

-Este é santo mesmo.

-Vale a pena se agarrar com ele.

-Sem dúvida, Sérgio.

-Nos dias atuais, Jonas, ele deve estar com a agenda carregada. Um assessor está distribuindo senhas de atendimento.

Assim, o Sérgio Fortes deu por encerrado o calendário e a voz do Orlando Silva voltou a imperar.

 

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO concorda e avisa: ele será o vilão Franz Oberhauser, chefe máximo da Spectre, que ameaçará o mundo tal como o conhecemos, no próximo James Bond. E, se não bastasse, continuará vilão no próximo Tarzan que virá por aí.

 

 

 

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