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quarta-feira, 18 de março de 2015

2813 - Excursionando com o Dicionário Biográfico


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5063                                Data:  10 de março de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO XVII

 

BRINQUEDOS – O primeiro brinquedo de que me lembro foram os soldadinhos. Mas a minha memória afetiva, neste caso, é tão vaga que mesmo que eu degustasse toda a quantidade de bolo madeleine de uma padaria francesa, ela não melhoraria. Na verdade, eu nem me recordo dos soldadinhos propriamente dito e sim da queixa que fizeram de mim: “Carlinhos, está jogando os soldadinhos pela janela.” somente a acusação me marcou, não o fato de eu defenestrar os bonequinhos.

A minha única lembrança, além dessa, é que eu os arremessei do segundo andar do nosso apartamento da Rua Cachambi, ou seja, não morávamos ainda no 103, onde até quintal havia, como já foi narrado anteriormente.

Consultada, a minha mãe me informou que, antes, residimos por um curto período no apartamento 201, depois, nos mudamos para o 103, onde residiu o meu avô paterno. Ou seja, eu teria uns 4 anos de idade quando brinquei, de maneira desastrada, de soldadinho.

Depois, ou antes, não sei precisar, ganhei um caminhãozinho. Também não me recordo do presente e sim de a minha mãe incumbir um dos seus primos da Paraíba, que vivia no Rio de Janeiro, de construir um caminhão para o Carlinhos. Seria um mimo de aniversário de Natal?... Eu sei lá.

Agora sim, eu já estava mais crescidinho, morava no 103 e retive bem na minha mente as espadas que o meu pai deu a mim e ao Claudio – o meu irmão Lopo era ainda pequerrucho para brincar de mosqueteiro.

A lâmina da espada era de plástico emborrachado ou de outro material semelhante, só sei que eu e meu irmão saíamos com o corpo lanhado depois dos nossos duelos. Porthos, Athos, Aramis e D´Artagnan fariam mais estragos nas hostes inimigas com essas espadas. Foi um brinquedo marcante, e como.

Outro brinquedo da minha meninice foi o jogo de corrida de cavalos – Tirolesa, Mossoró, Six Avril, Gualicho, Sargento, Albatroz e Adil – a de que já tratamos no verbete turfe.

O mais representativo de todos os brinquedos da minha infância foi o revólver de espoleta. Armado, eu podia agora me sentir o Buck Jones, o Tom Mix, o Roy Rogers, o Cavaleiro Negro, ou outro herói de gibi. Não só eu como muitos garotos, pois era numeroso o bando de mocinhos e de bandidos trocando tiros.

Com as espoletas que espocavam a cada disparo, nós sentíamos, literalmente, o cheiro da pólvora.

O nosso quintal se tornara pequeno demais para o combate aos assaltantes de trem e, assim, expandimos a nossa ação para o terreno baldio, que se tornou o nosso Monument Valley dos filmes de John Ford. Ele ficava separado da nossa casa por um muro. Em luta contra os criminosos nesse terreno baldio, quebrei a cabeça, mas isso eu contarei em outra oportunidade.

 

 EXCURSÃO – Ficarei restrito às excursões escolares. No meu curso primário, não houve excursão para lugar algum. Íamos da casa para o colégio e deste para casa e, caso algum aluno se desviasse dessa rota, certamente, não estava sendo conduzido por uma professora. Por pouco não nos enquadrávamos naquela inspirada quadrinha do Carlos Drummond de Andrade: “Vida, vidinha/ de cabotagem/ roda no quarto/foi a viagem.”

No ginásio, vieram as excursões, poucas, é verdade, mas que não caíram no esquecimento.

A primeira delas ocorreu em 1961, na fábrica da Coca-Cola, que, por um decreto de 1951, publicado no Diário Oficial da União, recebeu a autorização para se localizar na Rua Menezes Vieira. Esta era a terceira rua paralela à Cachambi, onde eu morava. A proximidade tiraria a graça do passeio, não fossem os 40 colegas da escola para quebrar a rotina.

Em primeiro lugar, não peguei o bonde Cachambi, a professora determinou que fôssemos do Visconde de Cairu à Coca-Cola no bonde Pilares, que nos deixaria mais perto do nosso destino. O bonde, evidentemente, lotou, como se uma greve de ônibus e lotações tivesse sido deflagrada pela CGT.

Lá, um funcionário da empresa foi destacado para ladear a nossa professora (ou seria professor?) e servir de guia.

Eu nada ouvia o que eles falavam, pois uns vinte alunos, pelo menos, também falavam. Detive a minha atenção naquela maquinaria, nas garrafas transportadas por tentáculos de um polvo fordiano até serem vedadas por chapinhas. Ficavam, assim, prontas para serem engradadas.

Ganhamos todos de brinde miniaturas da garrafa confeccionada em material plástico que, hoje, têm algum valor para os colecionadores.

Encerrado o passeio, bastava-me caminhar pouco mais de meio quilômetro para chegar à minha casa, mas preferi voltar para o colégio no bonde Piedade com a turma. Quando se tem 13 anos de idade, bagunça não é coisa que se perca.

No ano seguinte, o professor de Geografia – este não se apaga da minha retentiva por razões já expostas neste minidicionário – levou toda a classe para o Observatório Nacional em São Cristóvão.

Confesso que me lembro bem mais do firmamento da cena do filme “Juventude Transviada”, do que daquele que vi com a minha turma de  escola.

Quando o professor falou da Constelação de Touro, ninguém mugiu como o James Dean; talvez, por isso, pelo fato de a turma ter sido muito disciplinada, ficou esse buraco na minha memória.

Quanto à nossa excursão à Exposição Norte Americana na Quinta da Boa Vista, em julho de 1963, não há como esquecê-la. Fomos do colégio até lá de trem; no vagão em que viajávamos, notei que uma conhecida da Rua Americana, uma morena muito bonitinha e simpática, mais ou menos da minha idade, estava nele. Naquele tempo, usávamos uma gíria horrorosa que, felizmente, sumiu: “amarrar uma garota”, ou seja, conquistá-la. Indiquei-a aos meus colegas e lhes disse que iria “amarrá-la”. Fui até ela, conversamos por alguns minutos e, depois, retornei. “Já está amarrada”. - garanti aos meus companheiros que se mordiam de inveja.

Na exposição, foi um deslumbramento, eu via, pela primeira vez uma televisão em cores e estaquei, diante dela, para assistir a um trecho de um desenho dos Flinstones. As cozinhas também grudaram a minha atenção; quando eu soube de jogadores campeões do mundo em 1994 que trouxeram, praticamente, todos os utensílios de uma cozinha, eu entendi o porquê reportando a essa excursão de décadas atrás.

Havia lá muita coisa que lembrava a era espacial, até mesmo a réplica da cápsula do astronauta John Glenn que, há pouco, realizara o primeiro voo orbital norte-americano.

Em cada stand havia moças, que não ultrapassavam os 20 anos de idade, explicando, em bom português, a praticidade daqueles objetos e respondendo às perguntas dos visitantes. Um garoto, não sei se do SENAI ou do Pedro II, resolveu bagunçar o trabalho de uma delas, que logo chamou um “mister” que colocou as coisas em ordem.

Eram muitos os estudantes na Quinta da Boa Vista numa época em que as brigas entre os colégios eram deflagradas a todo instante. Testemunhei um plano dos alunos do meu colégio, Visconde de Cairu, com os do Pedro II para atacarem os estudantes do SENAI, mas a presença ostensiva da polícia murchou o ímpeto bélico de todos.

Foram perto de 800 mil pessoas que visitaram essa exposição, na Quinta da Boa Vista, logo, amigos meus da Rua Americana, que há anos deixaram a escola, também foram lá. Um deles, com fumaça de comunista, afirmou que a Exposição Comercial e Industrial da União Soviética, no Pavilhão de São Cristóvão, que acontecera um ano antes, em 1962, fora bem melhor. Duvidei, mas ficou o desapontamento de não ter havido uma excursão da minha turma do Visconde de Cairu até lá. Quando eu soube que correu rumores de bomba  terrorista lá, o desapontamento se foi.

   

 

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