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terça-feira, 3 de março de 2015

2802 - Comestível Dicionário Biográfico


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5052                  Data:  21 de fevereiro de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

PARTE XIII

 

DISTRAÇÃO – Sim, às vezes, meu cérebro tira, sem me avisar, uma folga e eu perco a concentração.

Com os livros, não havia problemas, quando eu não estava entendendo o que lia, voltava duas, cinco, dez páginas, dependendo do meu desligamento cerebral e relia as mesmas.

Com os filmes, não havia remédio, se eu me perdesse em pensamentos alheios à história da tela, ficava irremediavelmente perdido para reaver o fio da meada rompido da história. A invenção do videocassete e do DVD foram a minha salvação. Se não entendo o porquê de tal cena, não há problemas, recuo ou rebobino a fita, como a página de um livro e a revejo.

Esses débitos de atenção são discretos, mas já cometi distrações mais visíveis.

Certa vez, sem querer rivalizar com Carlitos e Jerry Lewis em comicidade, apareci, no trabalho, com os sapatos trocados nos meus pés. Riram, riram muito e como eu não me senti ridicularizado, contei-lhes o que acontecera comigo nas madrugadas em que eu me exercitava pelas ruas. Acordei por volta das 4 horas da manhã, pus-me sentado na cama e apalpei, no quarto escuro, o que parecia o meu par de tênis preto. Calcei-o com as meias de igual cor, vesti a camiseta regata e saí à rua. Mal iniciei a minha caminhada, estranhei o barulho que vinha do choque do meu tênis com o asfalto. Curvei o corpo e constatei que eu corria calçado com os sapatos. Parar o meu exercício aeróbico por causa dessa distração?... Cogitei isso, mas, em poucos segundos, rememorei que Emil Zatopek, meu ídolo, treinou muitas vezes corridas quilométricas com a botina do exército tcheco.

Mais recentemente, um colega, no serviço, me chamou a atenção: eu vestira a camisa pelo lado do avesso.

-Por isso, estranhei não encontrar o bolso para pôr o cartão do metrô. - disse-lhe, enquanto me desnudava da cintura para cima para concertar a camisa no corpo.

Eram 7 horas da manhã, por isso, essa minha distração não repercutiu muito.

 

PIZZA- O apelido dele era Pelanca, mas nós o chamávamos nas ruas São Gabriel e Americana de Lanca, o que, indubitavelmente, era muito melhor para ele. Quem, forasteiro, ouvindo Lanca imaginaria que se tratava – vamos usar uma expressão cara aos gramáticos – da forma apocopada de Pelanca?  ...

Ele era dois anos mais velhos do que eu, se estivesse com 15 anos, na época, Lanca teria 17.

Como não estudasse e se sentia entediado com a vadiagem, arrumou um emprego no aviário perto do ponto do bonde na Rua Cachambi.

Como não tinha namorada – não lhe puseram o cognome Pelanca à toa - só lhe restava convocar os amigos para gastar o salário que recebia.

Certa vez, fui com ele, com o meu irmão Claudio e não lembro mais quem, à Confeitaria Méier. Lá, pediu refrigerantes e pizzas de mozarela. Eu nunca havia provado uma e, na primeira garfada, fiquei maravilhado, era o manjar dos deuses; desconhecia, até então, algo mais gostoso.

O meu atrapalhamento em cortar com a faca o queijo derretido, que formavam fios que cresciam elasticamente à proporção que eu os puxava, não diminuiu em nada aquele momento supremo para mim. Porém, em dado momento, o meu desmantelo foi tal que a pizza saltou do prato para o meu colo. Não tive dúvidas, peguei aquela preciosidade gustativa com a mão e a coloquei de volta no prato sem me importar com as pessoas ao redor. Aquele regalo ao paladar valia qualquer gozação de que eu viesse a ser vítima posteriormente.

Muitos anos passaram, conheci algumas iguarias, mas nunca recuso uma pizza de mozarela se a tenho à mão. Mantenho-me fiel a ela até hoje.

 

RÃ – Alardearam, no meu trabalho, que um determinado restaurante com serviço de comida a quilo, era tão superior aos seus concorrentes que tinha até carne de rã. “O que há de extraordinário nisso?” - indagavam os mais céticos; “A carne de rã é tão nutritiva que levanta até moribundo” - era o argumento.

Para mim, o atrativo se achava no meu tempo de garoto.  A chuva, em vez de ser um incômodo para nós, era a esperança de que muitas rãs sairiam dos seus esconderijos no brejo.

Com a bonança, vinham os caçadores de rãs - uma molecada de rua - entre eles, meus irmãos.  Não sabendo diferenciar uma rã de um sapo, eu não me envolvia.

O animal era pego com a mão ou com vara de pescar.

Salta da minha memória um fato: na inauguração do Colégio Jean Mermoz, na Rua São Gabriel, em 1965, quando o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, lutava para eleger Flexa Ribeiro seu sucessor, meu irmão Claudio apareceu no noticiário da noite, na então incipiente TV Globo, nu da cintura para cima, com uma vara de pescar rã.

Apreendido o anfíbio, nós tínhamos de nos virar – eu me incluía nessa missão, pois a minha mãe se recusava a matar o bicho, já bastava o tempo em que se via obrigada a degolar galinhas de aviários ou galinheiros de quintal e, depois, depená-las.

Faziam-se necessários sangue-frio e crueldade para levarmos o bicho para a panela. A cabeça da rã era cortada e, em seguida, enfiava-se um fio de piaçava de vassoura no corte para furar o seu coração. Ao contrário dos nobres e dos cidadãos guilhotinados na Revolução Francesa, esses anfíbios custavam a morrer.

Depois?... Bem, eu me recordo que as rãs eram fritas e iam para os pratos com farofa. Quando me ofereciam, eu não recusava.

 

 

 

 

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