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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5052 Data: 21 de
fevereiro de 2015
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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO
PARTE XIII
DISTRAÇÃO – Sim, às vezes, meu cérebro tira, sem me avisar, uma
folga e eu perco a concentração.
Com os livros, não havia problemas,
quando eu não estava entendendo o que lia, voltava duas, cinco, dez páginas,
dependendo do meu desligamento cerebral e relia as mesmas.
Com os filmes, não havia remédio, se eu
me perdesse em pensamentos alheios à história da tela, ficava irremediavelmente
perdido para reaver o fio da meada rompido da história. A invenção do
videocassete e do DVD foram a minha salvação. Se não entendo o porquê de tal
cena, não há problemas, recuo ou rebobino a fita, como a página de um livro e a
revejo.
Esses débitos de atenção são discretos,
mas já cometi distrações mais visíveis.
Certa vez, sem querer rivalizar com
Carlitos e Jerry Lewis em comicidade, apareci, no trabalho, com os sapatos
trocados nos meus pés. Riram, riram muito e como eu não me senti
ridicularizado, contei-lhes o que acontecera comigo nas madrugadas em que eu me
exercitava pelas ruas. Acordei por volta das 4 horas da manhã, pus-me sentado
na cama e apalpei, no quarto escuro, o que parecia o meu par de tênis preto.
Calcei-o com as meias de igual cor, vesti a camiseta regata e saí à rua. Mal
iniciei a minha caminhada, estranhei o barulho que vinha do choque do meu tênis
com o asfalto. Curvei o corpo e constatei que eu corria calçado com os sapatos.
Parar o meu exercício aeróbico por causa dessa distração?... Cogitei isso, mas,
em poucos segundos, rememorei que Emil Zatopek, meu ídolo, treinou muitas vezes
corridas quilométricas com a botina do exército tcheco.
Mais recentemente, um colega, no
serviço, me chamou a atenção: eu vestira a camisa pelo lado do avesso.
-Por isso, estranhei não encontrar o
bolso para pôr o cartão do metrô. - disse-lhe, enquanto me desnudava da cintura
para cima para concertar a camisa no corpo.
Eram 7 horas da manhã, por isso, essa
minha distração não repercutiu muito.
PIZZA- O apelido dele era Pelanca, mas nós o chamávamos nas
ruas São Gabriel e Americana de Lanca, o que, indubitavelmente, era muito melhor
para ele. Quem, forasteiro, ouvindo Lanca imaginaria que se tratava – vamos
usar uma expressão cara aos gramáticos – da forma apocopada de Pelanca? ...
Ele era dois anos mais velhos do que
eu, se estivesse com 15 anos, na época, Lanca teria 17.
Como não estudasse e se sentia
entediado com a vadiagem, arrumou um emprego no aviário perto do ponto do bonde
na Rua Cachambi.
Como não tinha namorada – não lhe
puseram o cognome Pelanca à toa - só lhe restava convocar os amigos para gastar
o salário que recebia.
Certa vez, fui com ele, com o meu irmão
Claudio e não lembro mais quem, à Confeitaria Méier. Lá, pediu refrigerantes e
pizzas de mozarela. Eu nunca havia provado uma e, na primeira garfada, fiquei
maravilhado, era o manjar dos deuses; desconhecia, até então, algo mais
gostoso.
O meu atrapalhamento em cortar com a
faca o queijo derretido, que formavam fios que cresciam elasticamente à
proporção que eu os puxava, não diminuiu em nada aquele momento supremo para
mim. Porém, em dado momento, o meu desmantelo foi tal que a pizza saltou do
prato para o meu colo. Não tive dúvidas, peguei aquela preciosidade gustativa
com a mão e a coloquei de volta no prato sem me importar com as pessoas ao
redor. Aquele regalo ao paladar valia qualquer gozação de que eu viesse a ser
vítima posteriormente.
Muitos anos passaram, conheci algumas
iguarias, mas nunca recuso uma pizza de mozarela se a tenho à mão. Mantenho-me
fiel a ela até hoje.
RÃ – Alardearam, no meu trabalho, que um determinado
restaurante com serviço de comida a quilo, era tão superior aos seus
concorrentes que tinha até carne de rã. “O que há de extraordinário nisso?” -
indagavam os mais céticos; “A carne de rã é tão nutritiva que levanta até
moribundo” - era o argumento.
Para mim, o atrativo se achava no meu
tempo de garoto. A chuva, em vez de ser
um incômodo para nós, era a esperança de que muitas rãs sairiam dos seus
esconderijos no brejo.
Com a bonança, vinham os caçadores de
rãs - uma molecada de rua - entre eles, meus irmãos. Não sabendo diferenciar uma rã de um sapo, eu
não me envolvia.
O animal era pego com a mão ou com vara
de pescar.
Salta da minha memória um fato: na
inauguração do Colégio Jean Mermoz, na Rua São Gabriel, em 1965, quando o
governador da Guanabara, Carlos Lacerda, lutava para eleger Flexa Ribeiro seu
sucessor, meu irmão Claudio apareceu no noticiário da noite, na então
incipiente TV Globo, nu da cintura para cima, com uma vara de pescar rã.
Apreendido o anfíbio, nós tínhamos de
nos virar – eu me incluía nessa missão, pois a minha mãe se recusava a matar o
bicho, já bastava o tempo em que se via obrigada a degolar galinhas de aviários
ou galinheiros de quintal e, depois, depená-las.
Faziam-se necessários sangue-frio e
crueldade para levarmos o bicho para a panela. A cabeça da rã era cortada e, em
seguida, enfiava-se um fio de piaçava de vassoura no corte para furar o seu
coração. Ao contrário dos nobres e dos cidadãos guilhotinados na Revolução
Francesa, esses anfíbios custavam a morrer.
Depois?... Bem, eu me recordo que as
rãs eram fritas e iam para os pratos com farofa. Quando me ofereciam, eu não
recusava.
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