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segunda-feira, 25 de maio de 2015

2859 - Decepcionado Dicionário Biográfico, em hora errada


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5109                                 Data:  19 de maio de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO XXXVI

 

DECEPÇÃO - De vez em quando, aparecia para reuniões, aqui no meu trabalho, Roberto Galli; um senhor alto, empertigado, sempre trajado de terno. Houve um tempo em que suas visitas foram mais constantes e eu me perguntava: será que ele se lembra de mim?...

Não vinha tratar de assuntos do meu campo de atuação, por isso, não nos encontrávamos nessas reuniões, eu o via apenas passando, com alguns acompanhantes, pela minha baia, rumo a uma das salas onde era aguardado.

-Veio tratar de afretamento? - indagava dos colegas.

-Não sei, pois ele é do Syndarma – Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima. - era a resposta que invariavelmente me davam.

Um dia, aguardando o elevador para ir almoçar, ele surgiu sozinho no saguão. Era a minha oportunidade de lhe dirigir a palavra.

-O senhor não foi um dos professores do curso de afretamento na Fundação do Estudo do Mar em 1981?

Seus olhos faiscaram.

-Você se recorda? - surpreendeu-se positivamente.

-É evidente; os representantes da Petrobras e da Docenave, que tinham uma vivência incrível na área de afretamentos, nos proporcionaram aulas antológicas e o senhor foi um deles.

-O Comandante Parga Nina também foi extraordinário na sua aula. - assinalou.

-Ele era o meu chefe no Bureau de Fretes na SUNAMAM. - disse-lhe isso já dentro do elevador que descia.

-Naquele tempo, havia SUNAMAM, Lloyd Brasileiro, Conferências de Fretes... - relembrou.

E uma indústria naval com crescimento que não era autossustentável e logo se desfaria como um castelo de cartas, igualzinho a hoje. - pensei, mas sem me manifestar.

Quando chegamos ao térreo e cada um seguiu o seu caminho, a sua expressão era radiante, estava orgulhoso da minha lembrança transcorridos 30 anos.

Se eu fosse escoteiro, fiz a minha boa ação do dia. - imaginava enquanto comia.

Então, fui designado, com uma companheira de serviço, a comparecer num simpósio sobre Marinha Mercante, em Botafogo.  Muitos gostariam de estar no nosso lugar, pois nos intervalos - americanizados para break coffee - era servida uma fartura de guloseimas.

Na sala, onde ocorriam as conferências, nos deparávamos com palestrantes que pretendiam atrair a máxima atenção para o tema de que tratavam e com aqueles aqueles que, ao contrário, usavam a sua matéria como escada para o seu ego sobressair. Constatava-se, entre os assistentes, a mesma coisa: aqueles que aparteavam para salientar a importância de um fato, e aqueles que interferem apenas para aparecer; nessa hora, eu ia ao banheiro.

Roberto Galli estava lá, divisei-o quando girei o pescoço em busca de pessoas conhecidas na plateia. Ele interrompeu uma vez, apenas, um palestrador para realçar um ponto e disse que desenvolveria mais esse ponto no momento da sua fala.

-Será de tarde; não percam de jeito nenhum. - informou descontraidamente, arrancando risadas de todos.

Chegou a hora do almoço, esse gasto não era coberto pelo simpósio, nós tínhamos uma hora e meia para procurar um restaurante, nas cercanias, restaurar as forças e voltar para a segunda sessão.

A minha colega que tinha algum traquejo em transitar por Botafogo me levou, sem perda de tempo a um lugar onde comemos bem.

Na parte da tarde, não houve a mesma vivacidade da manhã, mais por culpa da digestão do que dos falantes.

Então, foi anunciado o Roberto Galli como o próximo palestrante. Ele deu início à sua oratória e eu me ajeitei na cadeira. Ele falava e as minhas pálpebras pesavam. Percebi que toscanejava; arregalei, então, os olhos em luta contra o sono, mas não por muito tempo, a modorra me dominava.

-Fui sacudido quando o Roberto Galli saiu do texto para, decepcionado, fazer uma observação que me despertou:

-Tem gente que está dormindo...

-Será que ele me viu?... - perguntei à minha colega.

-Outras pessoas estavam também cochilando. - intentou tranquilizar-me.

Semanas depois, quando ele retornou para mais uma reunião no local onde trabalho, viu-me e desviou o olhar. Não havia mais dúvidas, ele me surpreendeu na minha sesta. Eu o decepcionara. (*)

Bem, aquelas aulas de 1981, na Fundação do Estudo do Mar – FEMAR – iam das 20 às 22 horas; eu as assistia depois de um expediente das 8 até 17 horas e de um deslocamento de ônibus da Avenida Rio Branco até a Rua Marquês de Olinda. Se o Roberto Galli tivesse visto os meus cochilos, naquele tempo, também durante as suas aulas, não se decepcionaria tanto 30 anos depois.

 

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO pode afirmar, categoricamente, que esta impressão foi causada pela pesadíssima consciência do redator. Se Roberto Galli desviou o olhar foi porque era o caso e não porque mais um assistente de suas palestras havia roncado. É um palestrante traquejado.

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