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terça-feira, 12 de maio de 2015

2850 - Adnetadas na Rádio Memória


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5100                                Data:  6 de maio de 2015

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O QUARTETO MÁGICO NO RÁDIO MEMÓRIA

 

Jonas Vieira abriu os trabalhos anunciando um convidado ilustre, Mário Adnet, o músico de talento multifacetado e, como contrapeso – maldade do Sérgio Fortes – Simon Khoury. Este, aliás, deixou de ser o “Noturno” da década de 70, agora, é o “Matutino”.

Simon Khoury, mal se iniciava o Rádio Memória, teve um momento de Chacrinha, aquele que não vinha para explicar e sim, para confundir, pois disse que faria uma pergunta ao convidado e, em seguida, narrou um caso com o Tom Jobim. Tratava-se do filme de 1970, O Mundo dos Aventureiros (The Adventurers), cuja trilha sonora foi composta por Tom Jobim. Simon Khoury citou, primeiramente, alguns astros dessa fita: Candice Bergen, Charles Aznavour, Ernest Borgnine, Olivia de Havilland e contou que, num coquetel de apresentação, chamaram a atenção do compositor porque a Candice Bergen não tirava os olhos de cima dele e insistiram que fosse “pegar a mulher”. Ele foi e passou a noite com ela.

E prosseguiu o Simon Khory:

-No dia seguinte, os amigos mortos de curiosidade: “Como foi, Tom?... Como foi?...”.

-E o Tom respondeu: “Dei duas broxadas espetaculares.”

Antes de deixar o convidado à vontade com sua irreverência, Simon Khoury anunciou que tinha duas notícias, uma boa e outra má, sobre o Mário Adnet. A má, que ele vai nos deixar; a boa, que foi convidado pelo Winton Marsalis, um dos maiores jazzistas e promotor cultural dos Estados Unidos, a dar palestras sobre música nesse país.

-Não é para qualquer um. - acentuou o Jonas Vieira.

Finalmente, a pergunta anunciada pelo Simon Khoury, minutos antes, saiu:

-Quando você gravou a trilha sonora do Tom Jobim, você quis mostrar que poderia fazer uma leitura melhor, fazer um arranjo como se a música fosse sua, ou não sabe explicar esse tipo de pergunta?

Mario Adnet respondeu que sempre foi um admirador do Tom Jobim, da sua obra, dos seus conceitos musicais e, que, a peça em questão, descobriu no baú do compositor quando selecionava, com o filho dele, Paulinho, partituras para o “Jobim sinfônico”. Depois de assinalar que o filme é muito ruim, mas a música é boa, o convidado do Rádio Memória aludiu aos encontros do Tom Jobim com o maestro Moacyr Silva, na casa do pianista Bené Nunes, que chegavam a atravessar a madrugada.

-A peça do Tom Jobim é muito boa para improvisos jazzísticos; o tema é apresentado para as feras improvisarem.

Depois dessas palavras do Mário Adnet, a música reinou absoluta.

-O que é a música para você?- indagou o Jonas Vieira do convidado.

Depois de dizer que a pergunta era muito difícil e brincar com o anfitrião - “Acho que você perguntou porque não sabe” - deu a sua resposta. Em rápidas pinceladas, afirmou que a música é uma linguagem que se comunica com qualquer pessoa do mundo que entende essa linguagem.

-É uma coisa que consome, no bom sentido, aquele que trabalha com ela. É delicioso de fazer, mexe com todas as emoções. Quem se dedica a ela, depois de alguns anos, não consegue mais largar.

-Você fez grandes amizades com a música? A música uniu o homem e o talento?- quis saber o Simon Khoury.

-Mário Adnet confirmou, frisando que, com a música, encontrou semelhantes e que tudo foi um somatório virtuoso.

-Esse negócio de olhar só para o umbigo, não leva muito longe, não. - concluiu.

-De todas as artes, a música, para mim, é a arte maior. - declarou o Jonas Vieira.

Sem música, a vida seria um erro. - repetiria o filósofo Nietzsche, se lá estivesse.

Mário Adnet salientou que a arte da música pode ser visual além de auditiva.

-Eu costumo dizer que a maior invenção do homem é a orquestra. - disse o Jonas Vieira que, talvez, naquele momento, se lembrasse do Andre Kostelanetz.

O convidado comentou que as coisas boas se perdem, mas se mostrou esperançoso dizendo que tudo é cíclico, que tudo se renova e que o lixo de hoje se transformará em outro lixo.

-Mário, você estava falando em Coisa nº 1, Coisa nº 2... - manifestou-se o Sérgio Fortes.

Ele explicou que o maestro Moacyr Silva chamava de “Coisa”, o que seria “Opus” e que, para o seu primeiro grande aluno, o violonista Baden Powell, mostrou as “Coisas” e ele foi o primeiro a gravá-las.

Simon Khoury interveio para aludir ao sucesso que Moacyr Silva alcançou com o pseudônimo Bob Fleming e Mário Adnet, em seguida, explicou as peripécias para elaborar o arranjo de uma obra dele, que foi aprovada pelo autor.

Depois de essa música ser ouvida, Jonas Vieira indagou do seu convidado se era verdade a sua paixonite pelo George Gershwin.

-A minha paixão por esses compositores, Gershwin, Debussy, também Ravel... Fauré, que foi professor dos dois últimos... Eu conhecia a obra do Tom Jobim e ele foi me levando para tudo isso. Você vai conhecendo a árvore genealógica de um e de outro e, daí, chega a outras árvores genealógicas que se encontram. Você vai vendo as raízes da música brasileira, de onde veio para onde vai. Você vê como é esse movimento. Gershwin é um deles, naturalmente.

-Dos quatro maiores compositores americanos, Gershwin é o seu preferido? - foi mais objetivo o Jonas Vieira.

A resposta não foi tão incisiva, reconheceu a excelência do compositor da ópera Porgy and Bess, que foi da música popular à erudita, ampliando os horizontes, mas não o colocou acima ou abaixo de outros grandes compositores americanos.

-Todos são maravilhosos, mas o meu favorito é Cole Porter.

Depois do parecer do Jonas Vieira, Simon Khoury citou o seu, que não era Cole Porter, Gershwin, Irving Berlin, Duke Ellington ou Jerome Kern, este lembrado pelo Sérgio Fortes.

 Depois de afirmar que Villa Lobos e Debussy sempre serão importantes, respondendo a uma declaração do Simon Khoury, discorreu sobre a dificuldade na comercialização da sua obra:

-A minha música autoral é difícil de digerir. Já ouvi coisas fantásticas de diretores de gravadora que não posso contar aqui. É difícil acertar a mão nessa coisa comercial; vários colegas conseguiram isso, mas eu não consigo.

Comparou-se, então, a um ratinho de brinquedo que bate a cabeça na parede à procura de um caminho.

-Eu ouvi dois conselhos importantes; um do Egberto Gismonti, quando o conheci, em 1979, que me disse para eu fazer o meu caminho, o meu público, a minha história; o outro, do João Gilberto, ao telefone, que me disse para eu nunca deixar de fazer arranjos para a música dos outros compositores. Eu acatei sem questionar; o fato de eu olhar a música dos outros me engrandeceu muito mais do que eu me restringir só à minha música.

Ouvimos, pouco depois, com o seu arranjo, I've Got Rhythm de George Gershwin.

 Simon Khoury lhe perguntou se preferia lidar com um músico extraordinário, mas mau caráter, ou um músico mais ou menos e ótimo caráter, Mário Adnet replicou com outra pergunta: se existia algum excelente músico que fosse mau caráter. Jonas Vieira lembrou o Luiz Americano, que era excelente saxofonista e clarinetista, mas era mal visto na classe artística. Bem, Otto Maria Carpeaux, depois de reconhecer a genialidade de Wagner, no seu livro, “Uma Nova História da Música”, tachou-o de canalha.

Simon Khoury aproveitou para falar do pão-durismo do Altamiro Carrilho e o Jonas Vieira se reportou aos sonhos que teve em que escutava sinfonias, cantores que nunca ouvira antes.

-Mário, já aconteceu com você esses sonhos?  

Ele confirmou, disse que, então, se levanta de madrugada para anotar no computador e, depois, trabalha uns 2 ou 3 meses para desenvolver as segunda e terceira partes.

-Eu, infelizmente, não tenho esse poder; sou apenas ouvinte. - lamentou o Jonas Vieira.

-Jonas, nesses seus sonhos, você recolhe ECAD? - aproveitou o Sérgio Fortes o momento para uma piada.

Simon Khoury queria saber, agora, se a música do cinema americano influenciou o Mário Adnet. Ressalvando que é da geração de 60, mas que assistia a filmes bem antes dessa época, revelou que via Fred Astaire e gostava.

-Já sei por que você me fez esta pergunta, porque eu compus com meu irmão “Fred Astaire no Samba”, um samba-galhofa que o Nélson Motta batizou de falso-antigo.

Tinha razão, pois se ouviu o agradável samba logo em seguida.

Jonas Vieira comentou sobre a ligação do Mário Adnet com a música americana, ao fato de ele estar impregnado de bossa-nova, para concluir questionando-o sobre a sua visão da música tradicional brasileira.

-Ele quer lhe provocar para você falar bem do Orlando Silva. - fuxicou o Simon Khoury.

-Eu considero de extrema importância todas as fases da música; nada acontece por combustão espontânea.

Mario Adnet alongou-se um pouco nas suas considerações para lembrar que escreveu um arranjo para “Canta Maria”, de Ary Barroso e garantir que conhece a música de todos os grandes compositores da música tradicional brasileira.

-Você identifica as fases do seu repertório? - indagou-lhe o Sérgio Fortes.

-Bem, tem a fase oral...

-A fase anal.- interrompeu o Simon Khoury, que não poderia deixar passar essa oportunidade.

Quando o clima de seriedade retornou, Mario Adnet reiniciou a sua fala para se deter na sua fase mais marcante, a bossa-nova. (*)

-João Gilberto nunca deixou de fazer o Brasil na sua música; ele interpreta todos esses sambistas. A bossa-nova é a maneira minimalista de ele tocar um gênero dentro do samba.

 Simon Khoury interveio, agora com seriedade, para dizer que, antes da bossa-nova, ouvia Johnny Alf, que fazia coisas tão bonitas, mas que ele não sabia o que era.

-Eu adoro Johnny Alf, até gravei uma música dele. Johnny Alf é muito esquecido. Dele gosto muito de “Céu e Mar”. Ele merece uma grande luz. - assinalou o Mário Adnet.

Reinou, então, absoluta a gravação de “Céu e Mar”.

Após a música, Simon Khoury contou uma anedota para descontrair ainda mais o programa e aludiu a Villa Lobos que, apesar de grande, também sofreu influências.

-Villa Lobos bebeu em várias fontes até se tornar uma fonte onde vários músicos beberam. Eu fiz com o Yamandu Costa o mazurca-choro de Villa Lobos, que é só para o violão, mas eu coloquei uma orquestra para acompanhá-lo. Enquanto falava, soaram as primeiras notas dessa belíssima composição.

No final, esqueceram que o Mario Adnet foi requisitado pelo Winton Marsalis para trabalhar nos Estados Unidos e convidaram para retornar ao Rádio Memória.

(*) Mário Adnet deslumbrou a renomada Triumpho 30 Produções, que, repetidamente, usa suas gravações de Tom Jobim para dar cor às pálidas realizações. O CD foi presente de leitora assídua deste seu O BISCOITO MOLHADO. Aliás, logo saberemos quão assídua essa leitora é...

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