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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5108 Data: 18 de
maio de 2015
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DOIS PERDIDOS NO DIA DAS MÃES
Ao almoço do Dia das Mães na casa da
minha sobrinha Luciana, a minha mãe não poderia ir, mas eu não poderia faltar.
Ela tinha justificativas convincentes para a sua ausência: dificuldade em se
locomover, com quase 90 anos de idade, e a impaciência com a barulheira de
crianças pequenas – haveria duas lá, sem contar um bebê. Quanto a mim, que
desculpa eu apresentaria para faltar? A transmissão pelas Rádios Cultura e MEC
do Metropolitan Opera House de Nova York
do Baile de Máscaras”, de Verdi?... Isso não seria desculpa pois, mais
cedo ou mais tarde, tudo é colocado no You Tube para ser visto e ouvido.
Eu tinha a obrigação de marcar
presença, mas pegar um táxi no Dia das Mães na hora em que todos os filhos do
Rio de Janeiro vão almoçar com elas em restaurantes ou na casa de parentes,
como era o meu caso, seria uma batalha. Haveria muita demanda e pouca oferta,
porque os taxistas não são, como costumava dizer o comentarista João Saldanha,
filhos de chocadeira; almoçariam muitos deles com suas mammas. Telefonar
para uma cooperativa de táxis e requisitar um estava fora de cogitação; nesses
momentos de muita procura, como me informaram os profissionais da área, eles
preferem pegar os passageiros “na maçaneta”, que são aqueles que estendem os
braços para os táxis nas ruas.
Prometi à minha mãe que traria o almoço
da casa da sua neta até ela numa substanciosa quentinha e fui à luta.
A Praça Manet, aos domingos, nessa
hora, está tomada de peladeiros quarentões no campo Sangue e Areia, que perdeu
esse nome depois que um político, em época de eleição, o cobriu de carpetes.
Havia táxis estacionados por lá, mas era a hora de lazer dos seus donos; eu
teria de descer a Rua Renoir e tentar a sorte na Avenida Suburbana. Desci essa
rua atento a todo ruído de motor e nada, era tudo carro particular.
A uns 15 metros da Avenida Suburbana,
constato que a velocidade média dos veículos era por volta de 5 quilômetros por
hora. Já pisando a calçada da Suburbana, o sinal fechou e vários táxis pararam
naquele trânsito encruado. Caminhei com o braço estendido, mas nenhum deles
estava livre. Então – que beleza! - um taxista de cabelos brancos me fez sinal
com a mão para entrar. Estou com sorte, pensei. Que ilusão!...
Eu ainda colocava o cinto de segurança,
quando ele me disse:
-Como eu saio daqui?... Esta confusão
toda é por causa da igreja do Bispo Macedo?...
Respondi à segunda pergunta e o velhote
prosseguiu;
-Acostumei-me a dirigir pela zona sul
somente.
Nesse instante, o sinal abriu.
-Vou para a Rua Camarista Méier.
-Eu posso sair daqui por Maria da
Graça?
-Sim, o senhor entra numa dessas ruas à
direita, pega a Ferreira de Andrade e, daí, a Aristides Caire.
-Eu peguei uma passageira na Gávea que
deixei no Méier; agora, eu estou enrolado. - explicou-se.
Meu cunhado é também taxista; sai antes
das 4 horas da manhã de casa com o objetivo de rodar só na zona sul. Às 11
horas da manhã, ele larga. - disse-lhe.
-Eu trabalho por diária. Uma senhora é
dona deste carro; eu lhe dou 65 reais e outro diarista lhe dá o mesmo valor.
-Meu cunhado também tem um motorista,
que trabalha no seu carro de tarde.
-Meu filho tem táxi, inclusive com
ponto no aeroporto do Galeão, e insiste que eu trabalhe para ele.
Não bastou o tempo em que seu filho era
criança? ...- pensei sem me manifestar.
-Eu trabalho segundas, quartas e sextas
e já está bom para a minha idade.
-E no Galeão, o tráfego anda pesado. -
lembrei.
-Nem fale. Vou continuar como estou.
-O senhor vai, depois, entrar na Rua
Dias da Cruz.- disse-lhe quando nos aproximávamos do Viaduto Castro Alves.
-Aos domingos, não há uma área de lazer
num trecho da Dias da Cruz?...
-Sim. - respondi animado de ele não ser
tão ignorante, como propalava, dos logradouros da Zona Norte.
-Vou na direção da rua do canal, lá,
entro na Dias da Cruz.
-E sai em frente do Mackenzie. -
entusiasmei-me ainda mais.
-Há muitos anos, eu fui motorista do
ônibus 679 que tem ponto final lá.
-Ponto que fica próximo de uma escola
pública?... Foi lá que a minha sobrinha fez parte do primeiro grau. Para casa
dela que estou indo. - expressei o meu contentamento.
No outro lado do Méier, ele alterou o
seu itinerário e entrou na Rua Magalhães Couto.
-Daqui, nós saímos, com toda certeza,
na Dias da Cruz, depois, eu não sei mais como se chega à Rua Camarista Méier.
Com essa revelação, saquei o celular e
liguei para o meu cunhado, que já se achava na casa da filha.
-Júlio, estou na esquina da Magalhães
Couto com a Dias da Cruz. O taxista não sabe chegar aí.
-Ele tem GPS?
-Não.
-Manda comprar um.
Depois dessa estocada, passou às
instruções: seguir pela Dias da Cruz rumo ao Engenho de Dentro e, onde houver
um pardal, dobrar a esquerda na Rua Doutor Bulhões. Como me pareceu confuso o
caminho a seguir daí, disse-lhe que telefonaria depois.
Sem maiores dificuldades, o taxista
encontrou a Doutor Bulhões, e, lá, calçou salto alto, como se diz na gíria
futebolística.
-Agora, eu sei. Deixa comigo.
Então, ele titubeou.
-Acho que deveria ter dobrado à
esquerda.
Eu deveria ter dobrado à esquerda em
Albuquerque – dizia o coelho Pernalonga quando se perdia nas suas escavações.
Lembro-me disso agora, em que escrevo, pois, naquela hora, eu não estava com
cabeça para pensar em desenho animado.
-Há uma referência – disse-lhe – o Hospital
Marcílio Dias.
-Lá, eu sei chegar. - reanimou-se.
Acercamo-nos do hospital e nada.
Veio-me, então, à mente, que esse hospital ficava próximo do antigo endereço da
minha sobrinha.
Ele parou o carro na calçada de um
posto de gasolina, e eu, que havia religado para o meu cunhado, lhe passei o
celular.
-Temos de ir para a Dias da Cruz de
novo, entrar na Doutor Bulhões e procurar a Rua Maria Paula à esquerda; assim,
chegaremos à Camarista Méier. - disse ao devolver-me o celular.
Que agonia o trânsito com duas fileiras
de veículos transformados em tartarugas de motores à explosão pelos semáforos!
Quando, depois de muito tempo, voltamos
a Doutor Bulhões, fiquei mais alerta do que marinheiro das naus
portuguesas naquilo que os estudiosos do
idioma garantem se chamar “casa do caralho”.
Foi quando vi um cartaz pregado num poste com três letras: UPP.
-Entre nesta rua. - ordenei
praticamente.
Entramos, e, mais adiante, outro cartaz
igual.
-Pode seguir o cartaz que não tem erro.
- garanti.
Chegamos, finalmente, à Rua Camarista
Méier e vi a minha irmã com uma das suas netas na calçada.
Pedi ao taxista para parar, paguei a
corrida, despedi-me, enquanto a minha irmã me abordava:
-Quanto ele cobrou?
-42 reais.
-Ele te roubou. O problema era dele de
não saber o caminho. Você não deveria ter pagado isso tudo.
-Suzete, acabou o estresse. Vamos
almoçar e, depois, assistir ao jogo São Paulo e Flamengo.
Espero que o juiz apite muito bem esse
jogo, pois a mãe dele não merece ser lembrada, logo hoje, pelos torcedores. -
pensei enquanto caminhava para o prédio da minha sobrinha.
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