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terça-feira, 5 de maio de 2015

2845 - desalentos ao longo dos trilhos


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5095                                    Data:  28  de abril de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

PARTE XXXIII

 

Metrô – Quando eu li “Cartas ao Pai” de Franz Kafka e me deparei com uma viagem pelo metrô, senti-me frustrado: “Kafka morreu há 50 anos, e nada de metrô aqui no Brasil!” Certamente, se eu me deparasse com alguma cena de metrô num romance de Charles Dickens, a minha frustração seria bem maior, pois o transporte metroviário de Londres começou a ser construído em 1854.

Nas páginas dos livros do escritor inglês que compulsei, não me recordo de qualquer cena ocorrida no “The Tube” e, precavendo-me das traições da minha memória, não garanto que a referência ao metrô constava mesmo do “Cartas ao Pai”. O que juro com a mão sobre a Bíblia da Mongúcia – aqui vai uma citação da filha do Agripino Grieco – é que li uma alusão ao metrô num livro autobiográfico de um grande escritor da virada do século XIX ao século XX.

Finalmente, nos estertores dos anos 70, deram início às obras do metrô nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Num domingo de 1979, meu cunhado me convidou para ir no seu carro ao Centro, com a minha irmã e a filha deles, a Luciana, então, pequerrucha de dois anos de idade; como eu estava à toa, aceitei. Lá, estacionou o seu carro numa daquelas ruelas e me veio à surpresa: viajar de metrô. A princípio, estranhei, pois o sistema metroviário ainda não tinha sido inaugurado, mas ele e minha irmã afirmaram que fora permitido pelas autoridades realizar viagens experimentais, inteiramente gratuitas, nas manhãs dominicais. E lá fomos nós quatro.

Eram cinco estações apenas, que, para mim, tomaram proporções do metrô londrino: Praça Onze, Central, Presidente Vargas, Cinelândia e Carioca. Nós três tínhamos tanta experiência de passageiros quanto à Luciana.

O sistema ficou limitado durante um tempo a pouco mais de 4 quilômetros de extensão, nem a Estação Uruguaiana havia ainda – só foi inaugurada  no ano seguinte, depois da primeiro prolongamento da malha com a Estação do Estácio.

No início da década de 80, o circuito metroviário ainda era muito limitado e uma colega minha, que trouxe o filho de uns oito anos de idade para o trabalho – aqui na Avenida Rio Branco – me pediu para mostrar o metrô ao garoto. O menino vivia no Leblon, estava tão longe daqueles trilhos energizados quanto eu, morador do Cachambi. E lá fomos nós, da Uruguaiana à Cinelândia e daí ao Estácio, como se estivéssemos num parque de diversão, embora a minha primeira viagem, aludida acima, parecesse mais com um trem fantasma. Nos anos 80, não; a média diária de passageiros era de centena de milhares.

Bem, a malha metroviária foi se alargando, com o passar dos anos e das autoridades e eu pude usar o metrô como meio de transporte para o trabalho ou para os cinemas, mas tendo ainda de pegar um ônibus, Méier-Maria da Graça, para chegar à estação mais próxima da minha casa.

Quando o governador do Rio de Janeiro Marcelo Alencar levou o sistema metroviário até Pavuna, ocorreu um comentário extremamente insólito de um colega meu de serviço:

-Agora, o metrô vai escurecer e as vozes ficarão bem mais altas.

Extremamente insólito porque ele era mulato e morava na Pavuna, onde adquirira um apartamento pelo sistema BNH.  Diferentemente de mim, que usava diariamente esse transporte, esse colega permaneceu fiel aos trens da linha auxiliar, que chamava de matassapos. Será que esses passageiros eram arianos, de Hitler nenhum colocar defeito e educados como as alunas do Colégio Sion?

É verdade que o meu deslumbramento pelo metrô vinha arrefecendo cada vez mais com o passar do tempo. O estado é um mau empreendedor, e o serviço do metrô se tornava cada vez mais deficiente. Houve uma ilusória melhora com a concessão ao Consórcio Opportrans para explorar o serviço, mas com o descompasso advindo da abertura de novas estações e o aumento de passageiros, a ineficiência permaneceu.

Passei a deslocar-me para a cidade de Van, cujo motorista, marido de uma cabelereira, tinha de estar conectado com outros motoristas para saber quais os locais a serem evitados por causa da vigilância. Na Van, viajava uma patota (geralmente mulheres, educadas e espirituosas, clientes da sua esposa), mas eu me sentia deslocado por causa do meu temperamento de ouvir muito e de não falar quase nada. Voltei a viajar de metrô e a ficar espremido naquela lotação de nove passageiros por metro quadrado.

-Se a gente consegue entrar no trem do metrô, fica colado na vidraça como se fosse lagartixa. - dizia uma das passageiras dessa Van.

Há um filme sueco com o título “Minha Vida de Cachorro” e eu posso falar da “Minha Vida de Lagartixa”.

Quando houve a mudança de endereço no meu trabalho e fui para a Avenida Presidente Vargas com a Rua Miguel Couto, voltei às origens, ou seja, ao ônibus. Saía do prédio, percorria alguns metros e, no ponto de ônibus, aguardava o 298 – Castelo-Coelho Neto ou o 294 – Castelo-Irajá. Mas era um suplício viajar de pé naquelas latarias sacolejantes por quase uma hora. Tendo que escolher entre o metrô e o ônibus, eu me sentia, guardadas as devidas proporções, como um eleitor de Brasília que tem de optar entre Joaquim Roriz, Agnelo Queiroz e José Arruda Câmara. Era desanimador.

Com a inauguração da Estação Cidade Nova, houve um alento: os passageiros da zona norte não sofreriam mais o incômodo de fazer baldeação no Estácio. Essas baldeações eram hediondas, mal as portas das composições se abriam, nessa estação, uma turba tresloucada disparava em direção do trem parado para conseguir um lugar no banco vazio. Para se chegar até o trem, tinha-se, antes, de descer uma escadaria. Houve quedas – uma senhora, sem reflexo para se apoiar, bateu com os dois seios no chão – e brigas.

Com a Estação Cidade Nova, esse circo dos horrores acabava além de a viagem encurtar em preciosos minutos. Porém, outros desconfortos continuavam encruados, mas valia a pena, agora, aturá-los.

Hoje, sou um convicto passageiro de metrô que não quer saber de outro transporte coletivo, mas, para não sofrer como antes, viajo normalmente às 5h 30min da manhã e às 15h 40min.  Foi o jeito que encontrei.

 

 

 

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