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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

2053 - de táxi pelo mundo

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3873 Data: 29 de novembro de 2011

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DEPOIS DO METRÔ, O TÁXI

Há quem não goste dos taxistas porque eles recolhem os seus táxis quando chove (*) e há aqueles, mais empedernidos, que chova, ou faça sol, os rejeitam. Por quê?... Na Primeira Guerra Mundial, com o exército alemão às portas de Paris, os taxistas, conduzindo os seus veículos da marca Renault, levaram milhares de soldados para a linha de frente e contribuíram para a vitória dos aliados (**). Fato histórico que já aludimos em algum Biscoito Molhado de antanho.

Como são trabalhadores e, às vezes, heroicos, não devem passar despercebidos pelos observadores da alma humana, tento, por isso, lê-los, seguindo o ensinamento de Darcy Ribeiro que dizia que devemos ler pessoas.

Depois de descer a última rampa da estação do metrô de Del Castilho, não tive dúvida: a corrida se daria no carro do Botafoguense. Ele já me aguardava com a porta do carro aberta. Olhei-o de relance e percebi que guardava semelhanças com Paquito de Rivera, um destacado músico de Jazz; a mesma cara rechonchuda, o cabelo com fios curtos e um corpo que faz o ponteiro ir de 0 a mais de 95 em menos de 5 segundos (o ponteiro da balança e não do carro, evidentemente, pois o veículo do Botafoguense sobe a ladeira da rua São Gabriel com alguma dificuldade).

Mal encaixei o cinto de segurança na cintura, ele expressou todo o seu desgosto pelo time do Botafogo no campeonato brasileiro.

-É para não ter essas decepções que não assisto a mais jogos de futebol, na televisão. - menti.

-Eu tenho ido até ao Engenhão. - arrependeu-se.

-Vejo até pesca, mas nada de futebol.

-Eu já pesquei muito, mas não havia, naquela época, a poluição que há hoje. - manifestou-se.

-Um amigo do Tom Jobim contou que, ao vê-lo de vara de pescar na mão, lançou mil elogios aos sabores dos peixes; surpreendeu-se com a reação do compositor, que disse que não suportava o gosto de peixe.

-Por que ele pescava, então?- indagou o Botafoguense.

-Foi a mesma pergunta que esse amigo do Tom Jobim fez antes de descobrir que há pessoas que pescam, não para comer, mas para relaxar. Pescar é ótimo para o estresse.

-Haja paciência para esperar o momento em que o peixe vai decidir morder a isca. - disse ele.

-Estive no início do mês no porto de Itaguaí e lá se encontra uma fábrica mineira, falida, que tinha, na sua produção, metais pesados, como cádmio, chumbo, mercúrio, entre outros. Quando vêm as enxurradas de verão, esses metais vão para o mar, a Baía de Sepetiba e alguns entram goela adentro dos peixes.

-E nós comemos esses peixes.

-Esse passivo ambiental no porto foi, agora, encapsulado, mas ainda persistem os riscos. Um fiscal de Itaguaí, disse-me que só come dourado e peixes de alto mar e falou que o nosso organismo absorve o cádmio como se fosse cálcio, trazendo essa toxidade para os nossos ossos.

-E a sardinha?- estremeceu o Botafoguense.

-Ele disse que apareceram peixes-espadas na Baía de Sepetiba, e como a sardinha está na sua cadeia alimentar...

-Nem posso mais tomar a minha cerveja com sardinha! - queixou-se, enquanto parava o táxi na Rua Modigliani.

Na terça-feira, a corrida foi com o 081. Fez um estardalhaço, no seu inconfundível sotaque lusitano, quando me viu. Ao percebê-lo, veio-me à mente um comentário, feito particularmente para mim pelo Flamenguista, sobre ele: “Vá viver, vá viver com esse dinheiro todo...”

Mas 081 foi trabalhar. Quando pisou a embreagem para passar a primeira marcha, notei que calçava sandália; perdeu um dedo do pé, por causa da diabetes, e o sapato passou a incomodá-lo. No horizonte, surgiram as nuvens negras.

-Você acha que chove?

-Vai chover, porém mais tarde. - respondi.

-O chato é quando vai chover e um passageiro pede para ir aonde Judas perdeu as botas.

Com essas palavras, entendi a razão da alegria quando percebeu que eu seria o seu passageiro.

-Já imaginou pegar um temporal longe de casa?

Não respondi, ao notar que passaríamos pela igreja, e antecipei-me:

-A igreja do Padre Rolim.

-Você sabia que o falecido Padre Rolinha era cachaceiro?

-O senhor me disse numa dessas corridas no seu táxi.

-Ele bebia muita Pitu. - bradou.

-Padre Rolim frequentava a casa do meu tio...

-Valtinho?!...

-Valtinho, não, meu tio, que morou aqui no fim da década de 60.

-Pensei que você tinha falado no Valtinho, que era o garoto que levava a garrafa de Pitu do armazém para o Padre Rolinha.

Pode dizer, 081, que esse armazém era uma das suas propriedades. - pensei, mas sem me manifestar.

-Modigliani. - gritou.

Na quarta-feira, entrei no carro do 017.

-Choveu bastante esta noite. - comentou.

-Esta manhã também, pois eu estava no porto do Rio de Janeiro, e tive de percorrer aquilo, com uns colegas de serviço, abrigados num carro, tanta era a chuva.

-E o porto? - mostrou curiosidade.

-Está melhorando; alguns armazéns foram reformados e existe limpeza no cais, o que não se via antes.

-Eu ouvi no rádio que morreu uma americana num cruzeiro marítimo. - manifestou-se um tanto timidamente.

-O gerente das Docas do Rio de Janeiro, que nos recebeu, disse que é comum o porto receber dois ou três cadáveres desses cruzeiros, pois a média de idade dos passageiros é por volta de 65 anos. No caso de hoje, porém, a mídia estava lá, aguardando...

-Por quê?

-Porque houve mais de setenta casos de problemas de gastrenterite na embarcação e não avisaram às autoridades sanitárias.

-Então, não foi só a morte da americana?...

-Esse cruzeiro, segundo o gerente das Docas, saiu de Nova York no início de outubro, passou pelo Chile, pela Patagônia, foi ao Caribe, desceu de novo pela América do Sul. Há alterações climáticas, repercussões na alimentação, o ambiente fica doentio. Esse gerente citou uma médica sanitarista da ANVISA que afirmou que uma viagem dessa não deveria durar mais de quatro dias.

Tagarela, prossegui:

-Também foi interessante que, na sede administrativa das Docas do Rio de Janeiro, tivemos de subir quatro lances de escada. Deparamo-nos com um corredor de uns oito metros de largura com uns sessenta de comprimento. Daria para jogar uma pelada lá. Ao descer as escadas, fomos informados que desistiram da instalação de um elevador, porque ficou constatado, nos exames médicos, que todos estavam ótimos de saúde de tanto circularem por aquelas escadas.

-Modigliani. - anunciou.

No dia seguinte, xinguei os taxistas, pois do alto da rampa da estação, não vi um carro sequer, nem mesmo o do Machado. Depois de caminhar pela calçada da rua, avistei um táxi bem recuado, fiz um sinal de positivo com o dedo para o motorista e ele balançou afirmativamente a cabeça. Como pertencia à outra cooperativa, não avançou na fatia alheia.

-Rua Modigliani.

-Onde fica?

-Perto da Praça Manet.

-A Praça Manet eu conheço. Tenho, aliás, alguns parentes que moram por lá.

E, para grande surpresa minha, ele citou o nome de várias ruas, Gauguin, Renoir, Rodin, Rouault, Corot num francês impecável. Coisa de deixar a Rosa Grieco reconciliada com os taxistas.

(*) neste período inicial do Estaleiro, a empresa contratante do Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO, manda um taxi às 8 da manhã para o leva e traz ao trabalho. Embora o agendamento seja semanal, só aparece táxi em Santa Teresa depois de 9 horas. Taxista no Rio é assim.

(**) A Batalha do Marne ocorreu em setembro de 1914 e este episódio marcou o patriotismo dos taxistas parisienses e a qualidade de seus carros Renault. Envolveu seis grupos de exército franceses e um inglês e o termo Aliados ainda não estava consolidado – embora a Inglaterra já estivesse aliada à França contra a Alemanha – pois a Guerra ainda não era Mundial (começou em julho de 1914).

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