---------- -----------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 3875 05 de novembro de 2011
-----------------------------------------------------------------------------------------
NA GRÉCIA DE ONASSIS
-Carlos, eu gostaria de rever aquele Fla x Flu de 1969.
-Aquele Fla x Flu, Elio, em que a senhora genitora do Armando Marques foi lembrada injustamente por dezena de milhares de pessoas enfurecidas?
-Sim, porque o goleiro do Flamengo forçou aquela expulsão.
-E o Domingues defendeu o Real Madrid da fase áurea...
Em seguida, atentei para a frase inicial do Elio Fischberg.
-O vídeo-tape desse jogo não existe, não guardaram nem o filme do gol de placa do Pelé...
-Eu não me expressei bem, Carlos; eu queria reviver aquele Fla x Flu.
-Você fala em ir ao túnel do tempo da rua do Carmo?
-O problema é que nessas viagens pelo passado, erramos os anos e o lugar. - hesitou.
-Bem, o Dieckmann passou por lá, para assistir voos de aviões da época em que o Tio Frank era Priminho Frank, e ajustou botões, apertou parafusos...
-Você acredita, Carlos, na perícia do Dieckmann no manejo de máquinas?
-Não, mas essa partida que decidiu o campeonato carioca de 1969 merece o risco. - mostrei-me decidido.
-Vamos, então, fazer uma coisa: viajamos ao passado com o cachimbo de ópio, qualquer erro, fumamos e retornamos.
-É uma ideia de advogado, mas é boa, Elio.
Assim, nós dois, com os respectivos cachimbos de ópio, bem ocultos, rumamos para a máquina do tempo. Lá, no meio da penumbra, ouvi a voz do Causídico Verborrágico:
-Aperte Maracanã, 1969.
Quando acordamos, escutei palavras que meus ouvidos não reconheciam.
-Isto é grego para mim. - manifestei-me.
-Carlos, estamos na Grécia. Eu reconheço uma ilha grega até no Paraguai.
Olhando as ricas embarcações que coalhavam o mar, disse:
-Bem, não é a Grécia do Aristóteles.
-É sim, Carlos, a Grécia do Aristóteles Onassis.
-Em que ano estamos?
Mal acabei de falar, a página de um jornal que veio voando aterrissou na minha cara, cobrindo-a, arranquei o jornal da minha frente e vi a fotografia do Pelé vestido de soldado.
-Estamos em 1959, Elio.
-Olha o Cristina.- apontou para o iate do Onassis.
Em poucos minutos, estávamos a bordo. Lá, eu e Elio nos desencontramos. No momento do desembarque, ele me viu:
-Onde esteve, Carlos?
-Procurei o Winston Churchill, mas encontrei a Maria Callas.
-Falou com ela?
-Eu não perderia a oportunidade de conversar com a maior soprano do mundo?
-O que você disse para a Maria Callas?
-Disse que o Onassis não servia para ela, que a trairia por uma mulher que o fizesse mais famoso ainda, pois ele se inebriava com a própria imagem na mídia, apesar de baixinho e feioso.
-E ela?
-Maria Callas é grega, ou seja, é uma cabeça dura, a teimosia personificada.
E prossegui:
-Depois, vi Churchill. Tentei lhe dizer que Onassis o usa como um troféu, mas ele é uma sombra do estadista que conduziu a Grã-Bretanha contra Hitler e Stalin, e, mais do que isso, rebatia à altura as ironias de Bernard Shaw. Churchill se limitou a sorrir de modo bonachão aos meus conselhos.
-Churchill se submeteu ao Assis Chateaubriand, que o condecorou com a Ordem do Jagunço, uma maluquice que ele inventou.- lembrou o Elio.
-Sei, Elio, quando ele foi embaixador do Brasil na Inglaterra...
-Carlos, vamos fumar o nosso ópio, pois temos de voltar.- propôs.
Fumamos e, depois que a fumaça se desfez, nós nos vimos num teatro, no meio de uma ópera.
-Elio, estamos no teatro Covent Garden, de Londres, assistindo a legendária encenação da Tosca, de Puccini, com Callas, Renato Cioni e Tito Gobbi. - reconheci as cenas desse segundo ato de um filme que vira em DVD.
-Em que ano foi isso, Carlos?
-1964.
-Nesse ano, eu me preparava para cursar a turma de Corte e Costura do Colégio Militar. (*)
Depois dessa recordação, Elio foi enfático.
-Vamos embora.
-Tenho de ouvir a grande ária da Callas, “Vissi d' arte, vissi d' amore”.
Depois da citada ária, Elio voltou à carga.
-Vamos embora.
-Tenho de ver a Tosta matando o Barão de Scarpia. São dois grandes atores, pois Tito Gobbi representou bem em alguns filmes.
No intervalo do segundo para o terceiro ato, conversei com Franco Zeffirelli, que foi o encenador daquele espetáculo. Disse-me ele que, com Onassis, Callas esquecera a sua estupenda voz e passara a viver uma vida mundana e frívola de amante de milionário. Julgava o armador grego apaixonado por ela porque, em 1960, ele se divorciara da Athina. E concluiu Zeffirelli com um suspiro que, depois de muita luta, ele conseguiu trazê-la de volta à ópera, mas não sabia até quando.
-Vamos embora.- insistiu o Elio, quando iniciou o terceiro ato.
-Tenho de ouvir a grande ária do tenor, E lucevan le stelle para lamentar a ausência do grande Di Stefano no papel de Mario Cavaradossi.
Depois que a Tosca se matou, resolvemos eu e Elio fumar o ópio de retorno ao Rio de Janeiro. Após umas baforadas, eu e ele estávamos no casamento do Onassis com a Jacqueline Kennedy.
-O cunhado foi assassinado há quatro meses, mas a interesseira nem esperou: casou com o armador grego. - comentou perto de mim um jornalista com sotaque do sul dos Estados Unidos.
-Carlos, estamos em 1968.- identificou o ano o Elio.
-Como estará sofrendo a Maria Callas com esse casamento!... suspirei desoladamente.
-Mas a Jacqueline Onassis gastará mais do que vinte amantes, Onassis reconhecerá o erro que cometeu e procurará de novo a Maria Callas.
-Sim, Elio, mas você se esqueceu que ela é grega, ou seja, não o perdoará por essa rejeição. Ela não perdoou nem a mãe.
Elio me ouviu, tirou o cachimbo de ópio do bolso e se preparou para fumar.
Fumamos os dois, mas saltamos poucos anos adiante e nos vimos no meio de inúmeros homens com câmeras fotográficas na mão.
-Carlos, não são todos gregos. Há italianos e americanos, por aqui; são paparazzi, podemos conversar com eles.- animou-se o Elio.
-Em que década estamos? - perguntei.
-Década de 70.- responderam.
-Onassis e Jacqueline vivem uma relação tensa, não é?- indagou o Elio.
-Sim. Onassis revelou à imprensa que a sua mulher entra numa loja e gasta mais de 35 mil dólares em vestidos.- respondeu um paparazzo.
-E ela?
-Continuou a gastar.- respondeu outro paparazzo.
-E ele?
-Sabendo que a esposa se exercita nuazinha em pelo, ele franqueou este trecho privilegiado para nós. Vamos fotografá-la e divulgar essas fotografias por todo o mundo.
-Mas ela ficará difamada.- argumentei.
-Se você soubesse a quantia que Harry Flynt da revista Hustler pagará por essas fotos...- disseram.
Ao ver Jacqueline Onassis nua, exercitando, Elio murmurou:
-Não entendo por que John Kennedy traía, anos atrás, uma mulher com esse corpo.
-É porque você não viu a Marilyn Monroe fazendo ginástica. - respondeu um paparazzo.
(*) Há um equívoco. A Turma de Corte e Costura era segregada dos alunos homens apenas no último ano, portanto, apenas em 1967. Em 1964, pensava-se que ainda haveria salvação para o Elio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário