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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

2051 - Lawrence do El Gebal

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3871 Data: 24 de novembro de 2011

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ENCONTRANDO-SE NO ALMOÇO

Não é concebível que um sobrinho não conheça o tio, mesmo que ele seja virtual, como é o caso do Tio Frank, que troca mensagens eletrônicas comigo há algum tempo. A oportunidade surgiu no ano passado, mas deixei-a escapulir. Dizem que ela não volta, mas ele retornou com a homenagem que seria prestada a ele, dia 24 deste mês, no restaurante árabe, El Gebal, da Rua Buenos Aires, próximo à Praça da República. Eu teria problemas no trabalho para ir, mas tinha de ultrapassar os obstáculos, ainda mais que o Elio Fischberg, mesmo correndo risco de um atentado terrorista, garantiu que não faltaria.

Assim, vinte minutos antes da hora marcada, saí do serviço e perdi a metade do tempo esperando o elevador. Às 12h 15min, eu já pisava o chão da rua do restaurante. Percorri tanto a Buenos Aires que imaginei chegar a Patagônia. Como será o Tio Frank?... Alto, careca, barrigudo ou baixo, cabeludo e esbelto?... Não era difícil especular com a aparência do meu parente virtual, pois, na minha caminhada, eu me deparava com os mais diferentes tipos de pessoa.

-Como dizia aquele criminoso internacional: o melhor passaporte que existe é de brasileiro, pois nascem no Brasil tanto um louro sonhado por Hitler quanto um negro retinto.

Avistei uma pracinha. Elio Fischberg havia me dado, como referência para chegar ao Árabe, uma pequena praça. Mais uns passos, eu revia a Faculdade Moraes Júnior. Nesse momento, fiz um balanço da minha situação: tenho de correr para as compras de Natal, após o almoço, pois os consumidores já começaram a gastar o 13º salário que ainda não receberam.

Vislumbrei, ao fundo, as árvores verdejantes da Praça da República.

-Mais um pouco e eu terei de espantar as cutias.

Parei no nº 328. Se eu soubesse que era tão longe, teria contratado um camelo.

-Carlos, você vai ver uma espécie de lanchonete, entre que há uma porta de vidro, lá é o restaurante. - instruíra-me o Elio, horas antes pelo telefone.

Empurrei a porta envidraçada e busquei com os olhos os meus amigos. Lá estavam eles à esquerda, junto à parede; Dieckmann, Causídico Verborrágico e... Tio Frank usava óculos, tinha a aparência risonha e, embora estivesse sentado, parecia de elevada estatura. Aproximei-me.

-Biscoito, o Skipper não pôde vir. - anunciou o Dieckmann.

-Pena, pois ainda não conheço o Tio Frank.

-Não está perdendo nada. - alfinetou o Dieckmann.

Apertei as mãos de todos, surpreso, pois ninguém me apresentara à pessoa que eu julgara o Tio Frank. Deduzi que era o Carlos Alberto Torres, xará do grande capitão da Copa de 1970, cuja presença fora aventada dias atrás.

-Biscoito, tive de colocar três asteriscos no Biscoito Molhado que você escreveu sobre o meu aniversário. Eu não fico na porta recebendo as pessoas; é chegar e entrar na minha casa.

E pediu a cumplicidade dos seus dois amigos:

-Não é assim?

Elio e CAT (tranformaram o Carlos Alberto Torres em gato para lhe dar nove vidas) confirmaram.

No asterisco, Dieckmann registrou que só ia até a porta para mandar os convidados embora, pois precisava trabalhar no dia seguinte.

-Lá não existe Rua do Fracasso, por isso eu moro na Rua Triunfo.- foi a sua segunda queixa.

A terceira, como eu já esperava, se referia à saparia em forma de teteias, em volta da piscina, que não era coisa do seu gosto refinado.

-É amanhã que a Dilma irá lá?- aludiram, para o Dieckmann, a presença da presidente da República na entrega do petroleiro Celso Furtado pela Petrobras.

-Montaram um palanque para ela... Julguei que a época do Stalin passara.

Ato contínuo à crítica ao culto da personalidade, Dieckmann assinalou:

-Comi no Adegão o bacalhau mais gostoso da minha vida. (*)

Trabalhar no Caju é ruim, mas tem as suas compensações. - pensei sem me manifestar.

Nesse instante, o celular do nosso amigo nórdico, tocou:

-Ô Skipper, todos aqui contando com sua presença e você não aparece, decepciona...

Depois dessas e de outras poucas palavras, o celular passou para a mão do Elio Fischberg. Quando o CAT terminou de falar com ele, chegara a mim vez.

-Continuo um sobrinho que não conhece o tio.

Ouvi uma risada do outro lado da linha. Tio Frank, em seguida, falou alguma coisa que não entendi, pois parecia que todos os frequentadores do El Gebal resolveram falar ao mesmo tempo. E como um artista que canta, mesmo sem ouvir a orquestra, ainda mantive a conversa no celular por um tempo razoável.

Entreguei o que os portugueses chamam de telemóvel ao dono, que constatou que o Tio Frank já desligara.

-O Skipper evita turma com pessoas mais jovens do que ele. Gosta de se reunir com gente mais velha e, assim, parecer o caçula. - comentou o Dieckmann.

Ele deveria, então, candidatar-se à Academia Brasileira de Letras. - imaginei.

-Skipper está com quantos anos? - indagou o Carlos Alberto Torres.

Dieckmann citou a própria idade, não citou a do Fischberg, que é mais novo do que ele, até atender à curiosidade do CAT:

-63 anos.

O Adegão, mencionado minutos antes, despertou, talvez, a lembrança do Luca na mente do Causídico Verborrágico:

-Vocês precisam conhecer o Luca. O Carlos já fala alguma coisa sobre ele no Sabadoido...

-Sim, conhecemos o Luca do Sabadoido. - interrompeu o Dieckmann, enquanto o Carlos Alberto Torres meneava a cabeça.

-Sim, mas as histórias que o Luca conta como segurança do Unibanco merecem ser ouvidas. - prosseguiu o Elio.

-Um suco de laranja. - pedi à senhora que servia.

-Para não ser o único da mesa a beber cerveja, traga-me um suco também...

-De quê? - perguntou ela.

-Suco de cevada.

Não, o Dieckmann perdeu a piada e pediu hortelã com abacaxi.

E, logo depois, ela atendia o nosso amigo de Santa Teresa trazendo um copo com um líquido de colorido marciano. CAT, como eu, preferiu as laranjas espremidas, enquanto o Elio se satisfazia com um refrigerante.

-Vamos pedir mais pão. - propôs o CAT.

Dieckmann, que já passara da pasta de grão de bico para a coalhada, como recheio do pão, concordou imediatamente.

Muito bom, Lawrence da Arábia aprovaria essa comida até agora.- disse com os meus botões.

(*) O redator do seu O BISCOITO MOLHADO não é mais o mesmo. Detesto o Adegão. O melhor bacalhau da minha vida e é verdade, comi no Adônis, no dia 14 de novembro. Lamento desapontar leitores que eventualmente me ofereceram de bom coração o luso peixe.

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