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domingo, 13 de novembro de 2011

2044 - longevidades

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3874 Data: 02 de novembro de 2011

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VAGNER GANHA E SOME DO SABADOIDO

PARTE II

-Eu nunca vi o Vagner com convulsões.

-Claudiomiro, eu vi dezenas de convulsões do Vagner, milhares de ausência.

-Falam que é pavoroso, ele até urra.

-Sim, ele, que é bonito, fica um horror.- confirmou o Luca.

Cláudio se voltou para mim:

-O Bate-Bola (um amigo de truco) viu o Vagner com convulsão e ficou tão apavorado que, voltou de noite à casa da mãe dele, para fazer uma visita.

-Eu não entendo esse sumiço dele. Chamou-me para levá-lo até o Wal Mart, mas, chegando lá, esqueceu-se do que queria, de tão irritado que ficou com a irmã. Teve ausência, nem preciso dizer.

Eu ouvia o Luca com a certeza que o não comparecimento do nosso amigo de tantos anos entristecia a todos.

-Como o cavalo tem a função de substituir os ausentes, ele está com muito trabalho ultimamente.- indiquei o peso de papel sobre a mesinha que ladeava o Cláudio e a Gina.

Luca e minha cunhada passaram a falar da casa em que estávamos.

-São mais de 50 anos morando sob este teto. A sua história está aqui, Gina. Você brincou nesta casa na sua infância, passou a sua adolescência, teve alegrias e tristezas...

-Sim, Luca.

-Cada pedaço daqui tem um significado para você.

-O doutor Jerônimo diz que devemos abandonar os velhos fantasmas.- intervim.

Luca prosseguiu saudoso até que eu lhe perguntei se já se acostumara no apartamento onde mora há uns três anos, na Rua Castro Alves.

-Pergunta ao Claudiomiro aonde o levei nesta semana.

-À Rua Baldraco.

-Responda direito, Claudiomiro. Nós fomos para a rua Miguel Fernandes.

-Se você ainda morasse na Miguel Fernandes, não seria atropelado.

E acrescentei em seguida.

-Por outro lado, não conheceria a Rosa Grieco.

Ao nome citado, ele mexeu em inúmeros recortes de jornal que trouxera consigo.

-Além do incrível número de livros, ela lê “A Folha”, o Estadão”, “O Globo”, “Extra”.

Com um recorte na mão, pôs-se a ler um artigo do Ruy Castro sobre o tratamento médico da Carmem Miranda, que antecedeu a sua morte, estabelecendo paralelos com o fim do Michael Jackson.

-Luca, no livro de muitos anos atrás do David Niven, sobre Hollywood, ele cita o artigo de um médico que revela o quanto é doentio o mundo das grandes estrelas.

Ao dizer essas palavras, voltei-me para meu irmão e disse que David Niven preparava, com essa introdução, para falar da loucura da Vivien Leigh, por quem nutriu uma paixão recolhida.

-O mundo artístico é um mundo à parte.- declarou a Gina.

-Eles tem de se drogar.

Ao dizer isso, Luca citou alguns artista, provocando protestos do Cláudio ao nomear o Tom Jobim.

-Claudiomiro, o Tom Jobim usava a droga permitida, que é o álcool, assim o Vinícius, o Chico Buarque...

-No jazz foi assim: Charlie Parker morreu com 34 anos, aparentando 70, de tanta heroína que consumiu; Miles Davis saiu e voltou ao vício; o queridíssimo Louis Armstrong se apresentava depois de fumar uma maconha mexicana. Pretendia citar uma frase de um musicólogo americano,mas evitei para não trocar as drogas, dizia ela mais ou menos isso: “o jazz nasceu no álcool, floresceu na heroína e está acabando na cocaína.”

-Luca, eu estou com um fogo paulista para hoje...

-Vê lá, Claudiomiro... Quero bastante gelo no copo.

-E a Kiarinha?

-A Kiara ouviu o noticiário da morte do Luís Mendes e, depois, veio com uma pergunta: “Vovô, o que é longevo?”

“Pai, o que é plebiscito?” De repente, o conto de Arthur Azevedo me veio à mente. Depois, pelo fato de o autor se o mesmo, fiz confusão com o soneto “Tertuliano, frívolo peralta”, tipo que não era de consultar os mais velhos. Cláudio, enquanto isso, se queixava de o Luca não trazer mais à sua esperta neta para o sabadoido.

-Na semana passada, ela entrou na sala perguntando: “mataram o Khadafi?”. Não gosto quando ela faz essas perguntas, ainda mais que se referiu ao fato de ele ter filhos que ficariam sem pai.

-Amadurecimento fora do tempo. - comentei.

-Não gosto, criança tem de brincar. - foi incisivo.

Depois de dizer que o filho passava férias em Casimiro de Abreu, pegou o fogo paulista que o Cláudio lhe passava com a chama alta apesar das pedras de gelo.

Gina se retirara, voltou, e o Luca falava agora da filha.

-Carolina não gosta de ir à casa da Chaves Pinheiro, tomou implicância. Cortaram uma árvore, ela reclamou; depois, a queixa foi porque cimentou-se o chão dos fundos. Eu falei para a Carolina que ela gostava, com as primas, da piscininha, e então cimentamos. Ela fala que se cimentou demais... É verdade que o escorregão da avó foi lá.

-A morte da Dona Zita foi devido à queda.- interveio meu irmão.

-Fala-se agora que os móveis da casa serão vendidos.

-Agora mesmo que a Carolina não aparece por lá.- previu a Gina.

-Ela vai nos dias das festas juninas, aniversários...

Pouco depois, Luca se referiu ao teste de esforço da Glória.

-Eu falei para ela: “Mulher, não escute o médico: sentiu que não dá, para.”

-Mesmo a pessoa tinindo, sofre na esteira.

-Dependendo da inclinação.- completei a frase do Cláudio.

-A Glória foi para cima da esteira e o médico atrás.

-Imagino.- disse a Gina.

-E tudo foi bem?

-Carlinhos, dentro do quadro, sim.

Gina anunciou que almoçaria com o Daniel e saiu para se arrumar, enquanto o Cláudio perguntava pelo número de cubanos. Como ninguém se arriscou, ele fez os cálculos:

-Deve haver 4 milhões de cubanos.

-4 milhões de cubanos moram em Miami.- aproveitei a piada.

Meu irmão manteve a seriedade.

-Digamos que são 10 milhões de cubanos. É uma vergonha o Brasil perder para Cuba em medalhas de ouro no Pan Americano.

-Digam os nomes do choros do Pixinguinha.- deu uma reviravolta nos debates do sabadoido o Luca.

-”Lamento”. - disse o Cláudio.

-”Carinhoso”, “Vou vivendo”...

-Não; é um um choro do Pixinguinha que recebeu nome no plural e, quando ganhou letra, ficou no singular.

-Eu não conheço.

-Nem eu.- disse o Cláudio.

-É “Lamento” mesmo, antes o nome era “Lamentos”.- concluiu o Luca depois de brigar com a memória.

Gina e Daniel apareceram enfatiotados. Luca se levantou.

-Eu os levo ao restaurante.

-Nada disso; vamos andar muito pouco.- reagiu a Gina com veemência.

-Fique aqui, Luca, e tome mais um fogo paulista.

-Não, Claudiomiro.

Gina e Daniel saíram, e eu estranhei o comportamento do Luca anterior ao horário de verão.

-Bebi água de coco.- informei para justificar a minha ida ao banheiro.

Ao passar pela cozinha, na volta, peguei a pochete que deixara sobre a mesa e a afivelei na cintura. Vendo-me, logo depois, Luca olhou para o relógio.

-Que horas são?

-Meiodia e vinte.- respondi.

-Caramba, meu relógio marca vinte para meiodia.

Um minuto depois, ele manobrava o carro que deixou estacionado no canteiro da Avenida Suburbana. Ao parar no sinal dessa avenida com a Rua Chaves Pinheiro, dois ocupantes do carro da Prosegur gritaram:

-Bigode.

-Como vai? Tudo bem? - reagiu efusivamente.

-Tudo bem, Bigode.

-Eles me conhecem desde o tempo em que eu era segurança do Unibanco.- explicou-me quando o sinal abriu.

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Como bônus, segue o mencionado soneto de Arthur Azevedo.

“Tertuliano, frívolo peralta,


Que foi um paspalhão desde fedelho,
Tipo incapaz de ouvir um bom conselho,
Tipo que, morto, não faria falta;

Lá um dia deixou de andar à malta,
E, indo à casa do pai, honrado velho,
A sós na sala, diante de um espelho,
À própria imagem disse em voz bem alta:

- Tertuliano, és um rapaz formoso!
És simpático, és rico, és talentoso!
Que mais no mundo se te faz preciso? -

Penetrando na sala, o pai sisudo,
Que por trás da cortina ouvira tudo,
Severamente respondeu: - Juízo. “


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