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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

2046 - Kadhafi e o Ratinho, uma relação das 1001 Noites

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3876 Data: 06 de novembro de 2011

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NA LÍBIA COM RATINHO

Depois da cobertura jornalística dos 10 anos do atentado às torres gêmeas, em Nova York, Ratinho retornou para a Líbia, onde trabalhava como correspondente do Biscoito Molhado. A ida e vinda o deixou irritado.

-Como eu podia fazer um bom trabalho se me tiraram daqui no momento em que as notícias pululavam?... Tinha dedo do Dieckmann aí... Ele não queria que eu mostrasse o fim do Kadhafi.

-Desde a morte da mãe do Bambi que o Dieckmann ficou muito sensível.- ironizou.

Depois de considerar seriamente que o distribuidor do Biscoito Molhado o boicotava, tentou se situar no caos em que se transformou aquele país, para isso, procurando os seus apontamentos no buraco em que se alojara. Sim, Ratinho, precavendo-se das bombas que caíam sobre quaisquer lugares, inclusive hotéis, fuçou um lugar seguro e, assim, se acomodou num subterrâneo.

-Além de não ser atingido por um míssil, poupo as diárias que o Biscoito Molhado me envia.- disse, quando desenrolou pela primeira vez um fino acolchoado que lhe serviria de cama.

-No dia 17 de fevereiro, os rebeldes de Bengasi deflagraram uma revolta contra o ditador líbio. - leu nos seus apontamentos.

E prosseguiu na leitura:

-Uma semana depois, Muamar Kadhafi juntou uma multidão em praça pública, em Trípoli e conclamou a população a defender as riquezas dele, digo, da Líbia.

E comentou:

-Nessa ocasião, eu comia um churrasco em Porto Alegre, quando recebi um telefonema do Dieckmann perguntando-me se eu já estava colhendo dados da revolta líbia para o Biscoito Molhado. Mandei-o para um lugar não muito recomendável, mas fiz as malas e vim para este lugar menos recomendável ainda.

Depois de tomar fôlego, Ratinho continuou:

-No dia 10 de março, Kadhafi promoveu uma contraofensiva, aliado a mercenários estrangeiros. Como eu falava uma língua que ninguém entendia, tomaram-me como mercenário estrangeiro, deixei que assim pensassem, pois os revoltosos recuaram.

Ratinho folheou outras páginas dos seus apontamentos e encontrou dados do dia 19 de março.

-A OTAN começou a bombardear a Líbia. Aproveitei, então, o inglês que aprendi no BRASAS e passei a me comunicar com os rebeldes nessa língua, para pensarem que eu era americano. Entre os adeptos do ditador, eu falava em português mesmo, pois, assim, eles pensavam que eu era um mercenário; além disso, em 2008, na Venezuela, Lula chamou o Kadhafi de amigo, irmão e líder. Bastava eu gritar o nome do Lula que eles me saudavam.

E leu os acontecimentos de 10 de abril:

-Muamar Kadhafi desfilou em uma carreata e acenou para o povo do teto solar do carro. Foi uma festa! Preenchi mais de dez folhas de um bloco com uma entrevista que fiz com o tirano. Pena que numa correria, provocada por uma bomba que caiu a poucos metros de nós, eu perdi esse valioso bloco de anotações. O Biscoito Molhado ficou sem uma matéria e tanto...

Ratinho revia os fatos que se sucederam como o pedido de prisão de Kadhafi e do seu filho Sail al Islam feito pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia.

-Eu lamentava, e ainda lamento, que as bombas da OTAN tenham destruído monumentos gigantescos à cafonice, como a mão de Kadhafi espremendo um avião americano como se fosse uma rodela de limão. - suspirou o Ratinho.

E voltou a atenção aos seus apontamentos.

-No final de agosto, dia 23, precisamente, os rebeldes entraram na capital, invadiram a casa da filha do Kadhafi, a sede do governo e o depósito de armas. Contudo, o ditador escapou porque construíra 30 quilômetros por onde transitava com extrema facilidade. Seus inimigos o denominaram, por isso, de “rato do subterrâneo”. Colocando a notícia em primeiro lugar, acompanhei o Kadhafi em muitas dessas andanças por baixo da terra, se ele é o rato, eu sou o Ratinho.

Não precisou consultar mais seus alfarrábios para vir à sua mente os acontecimentos de setembro.

-Com a Líbia pegando fogo, mandaram-me para Nova York. Voltei quando o Sarkozy, da França, e o David Cameron, da Inglaterra, viajavam por este país como vencedores. Enquanto isso, Kadhafi transitava pelos subterrâneos, sentindo, certamente, a minha falta, pois o ajudei muitas vezes a se desviar dos tatus e das toupeiras, apesar de ele ser uma ratazana; afinal, eu sou o Ratinho.

Caros leitores do Biscoito Molhado, estas foram as anotações feitas pelo nosso correspondente na Líbia, enquanto o homem que dominou esse país por quarenta e dois anos. Depois, em Porto Alegre, Ratinho nos forneceu as notícias sobre os últimos dias do ditador, por telefone.

-Por que ele saiu de Trípoli e foi para Sirte, Ratinho? - perguntei.

-Porque era sua cidade natal e ele se esqueceu que santo de casa não faz milagres, ou seja, que não tinha popularidade alguma em Sirte.

-Mesmo lá, havia caminhos subterrâneos para se esconder?

-Sim, e eu estava com ele.

-Ratinho, como você conseguiu ganhar a confiança do tirano num momento tão delicado?

-Eu dizia que era irmão do Lula. Ele gostava muito do ex-presidente do Brasil e do Hugo Chaves. Disse também que tinha uma coleção de fotografias da Condoleezza Rice, e que daria para ele todas elas depois que ele vencesse a guerra.

-Soubemos, depois que invadiram o palácio do governo, que Kadhafi guardava, entre seus pertences, fotos da Condoleezza Rice.

E voltei às perguntas.

-Ele se queixava de ingratidão, Ratinho?

-Sim, ele dizia que ensinou ao Silvio Berlusconi tudo sobre as festas bunga bunga, como recrutar as jovens meninas e que, agora, que ele precisava do apoio da Itália, o tarado italiano não mexeu uma palha.

E concluiu o Ratinho:

-Os pedófilos são desunidos.

-Como ele foi morto?

-Ele entrou num comboio de quase cem carros, quando, de repente, houve um ataque de mísseis lançados por esses aviões sem piloto.

-Era um drone, Ratinho, um avião não tripulado que foi controlado remotamente de Las Vegas.

-Cacete, esses americanos em vez de apostarem na roleta jogam mísseis sobre nós a dezena de milhares de distância. - reclamou.

-E você dirigia algum desses cem carros do comboio, Ratinho?

-Dirigi, e mesmo antes dos mísseis, quase atropelei umas dez pessoas.

-O que o Kadhafi fez sob fogo?

-Correu para um subterrâneo, mas foi reconhecido por populares ensandecidos, que gritavam: “morte ao Rato”.

-E o que você pensou nesse momento?

-Eu dei graças a Deus de eles não gritarem: “morte ao Ratinho”.

-Bem, sabemos o que aconteceu depois porque filmaram tudo com um celular.

-Mas não filmaram a empalação do Kadhafi, quer que eu conte?

-Depois, Ratinho.

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