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terça-feira, 22 de novembro de 2011

2046 - o progresso visto do Sabadoido

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3877 Data: 12 de novembro de 2011

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ANTES E DURANTE O SABADOIDO

Faltava atravessar duas ruas para eu chegar à casa da Gina para a segunda sessão do sabadoido do mês de novembro deste ano.

Muitos místicos diziam que não viveríamos além das 11 horas e 11 segundos de 2011, ou seja, que não haveria o sabadoido, mas houve. Os vascaínos, depois da atuação deslumbrante do beque Dedé do seu time de coração contra o Universitário do Peru declararam que Moisés passou pelo Mar Vermelho, mas não passaria por Dedé, mas nós, a caminho do sabadoido, não víamos obstáculo algum que nos impedisse de seguir adiante a não ser o sinal de trânsito.

Parei, mas um senhor seguiu em frente. Recuou aceleradamente, pois os carros partiram com disposição de deixar cadáveres para trás.

-Você viu?!... Eu já estava no meio da rua; se não volto, atropelam-me.

Era o Mário, reconheci-o apesar da cabeça branca.

-Todo mundo está apressado. - manifestei-me.

-Que coisa! - exclamou.

-Podemos ir agora.- falei, quando vi que o perigo de atropelamento passara e ganhei, por alguns metros, um companheiro de caminhada.

-Em algumas cidades, você colocando o pé na faixa de pedestre, os veículos param.- falei.

-Tinha de ser assim em todo lugar. - enfatizou.

Em seguida, perguntou:

-Você é motorista?

-Não.

-Graças a Deus.- disse com alívio.

Tínhamos, agora, de atravessar a esquina da rua Chaves Pinheiro com a avenida Suburbana, o que requer alerta máximo.

-Agora.- falei.

Chegamos do outro lado com passadas aceleradas, quando ele notou que eu pararia no portão da casa da Gina, mostrou-se curioso:

-Você é irmão do Cláudio?

-Sou.

-Você também é advogado?

-Não.

-Graças a Deus!

Confesso que, para não perder a piada, eu falseei os fatos. Ele não invocou o Senhor, ao ouvir a minha negativa, pediu apenas que eu desse um abraço no meu irmão. Quando este abriu o portão, depois de eu gritar o seu nome, contei-lhe logo a novidade.

-O Mário já tem uns 70 anos de idade.- calculou o meu irmão.

-Eu me lembro do Mário, Cláudio, dos anos 70, quando ele passava pela calçada que ladeava o campo do Cachambi sem falar com ninguém. Ele tinha problemas mentais.

-Ele é irmão da Marlene, mulher do Zé Peri.

-Ele tem ligações de família com o Zé Peri?- surpreendi-me.

-Naquela família só tem doidos, mas o Mário é o mais lúcido, pois sabe que você é meu irmão.

-Ah, sim, pois o Zé Peri imaginou que eu fosse o seu pai.

Meu irmão continuou a varrer os alpistes do chão, que as rolinhas não bicaram, enquanto eu fui para a cozinha. Lá, o meu interlocutor era o meu sobrinho.

-Daniel, recebi uma carta do River Futebol Clube oferecendo-me um título quitado de 1500 reais, cabendo a mim pagar a taxa de manutenção anual. Até aí, nada demais, vem, então, o estranho: a oferta de uma bola jabulane e um relógio automotivo, este, eu poderia pegar para mim independentemente do título quitado.

E concluí:

-Como dizia Dona Isaura, mãe da Rosa Grieco: “esmola demais o santo desconfia.”

-Qual é a sua relação com o River?

-Nenhuma.

-Então, o santo deve desconfiar mesmo.

Nesse momento, o seu celular tocou.

-Minha mãe pergunta se você quer o suco de uva Aurora?

-Quero.

-Está dez reais.

Ela não está, certamente, no Wal Mart – imaginei, enquanto confirmava a minha compra.

-Daniel, nesta minha viagem a serviço, estive no apogeu e no nadir, ou seja, em Paraty e em Muriqui.

-Por que esses lugares?

-Angra dos Reis não tem infraestrutura para atender a demanda que surgiu com a exploração do petróleo, são pouquíssimos hotéis e pousadas. O mesmo acontece com Mangaratiba.

-Eu estive em Búzios para trabalhar na instalação da informática de uma agência de Correios que receberia o pessoal do certificado ISO.- aparteou.

-Em Paraty, eu vi, nos restaurantes, cantores num banquinho com violão, sussurrando canções de Bossa Nova. No restaurante em que me deparei com vários instrumentos, pensei que meus ouvidos seriam agredidos... Nada disso, cantaram Cole Porter. Agora, andando às seis horas da tarde pela orla marítima de Muriqui, sofri com dois quiosques onde tocavam Funk, e um terceiro com REP. Sem falar que uma jubarte, com os dois braços erguidos, dançava.

-Foi?...

-Sei não... Tive a impressão, e meus colegas de trabalho também, que alguns traficantes expulsos dos morros do Rio foram para Muriqui.

-Eu não conheço Muriqui, que é perto do Rio.

-Em Angra dos Reis, eu saía antes das seis horas da manhã para caminhar na areia da praia. Nas duas vezes que fiz isso, senti cheiro de maconha sem ver uma viva alma. Soube, depois, que o trabalhador que traz o pão para o café da manhã das pousadas próximas foi assaltado duas vezes por bandidos que vieram de fora. Ele comprou, então, um revólver calibre 22 para mandar bala nos assaltantes.

-Caraca! - reagiu o Daniel.

-Ele levou duas horas para tirar o revólver da bicicleta e, depois, do invólucro para mostrar. Quando dissemos que, assim, ele não teria chances contra os bandidos, ele esclareceu que, na hora do perigo, põe o revólver na cintura.

-O dinheiro atrai a bandidagem.

-Bem, Daniel, em Paraty, lembrei-me de vocês. Como o seu pai é tricolor, coleciona chaveiros e admira o fusca tanto quanto o Itamar Franco, comprei para ele dois chaveiros: um do escudo do Fluminense e outro da Volkswagen.

Dizendo isso, saquei de um pacote os dois escudos e prossegui:

-Para você, trouxe o chaveiro com o escudo que foi considerado o mais bonito dos clubes brasileiros.

E lhe entreguei o escudo do Botafogo.

-Quem disse que o escudo do Botafogo é o mais bonito? - indagou com um sorriso amarelo.

-Não sei ao certo... Picasso, Burle Marx, Portinari... um desses.

-Fala sério, Carlão.

-Bem, eu li no jornal do metrô que, numa pesquisa, a Estrela Solitária ficou em primeiro lugar.

E lhe entreguei o escudo do Fluminense, que de fato comprara para ele, e recolhi o do meu clube.

Minutos depois, aparecia o meu irmão na cozinha. Entreguei-lhe os presentes, que foram recebidos com uma ressalva?

-Poxa, Carlinhos, você bem que poderia me presentear com uma cachaça de Paraty.

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