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terça-feira, 22 de novembro de 2011

2048 - royalties

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3878 Data: 13 de novembro de 2011

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ANTES E DURANTE O SABADOIDO

PARTE II

-O computador está à sua espera. - avisou o Daniel antes de ir para a frente da televisão numa pequena sala.

Diante do computador, abri a minha caixa eletrônica. Lá estava o cinema comestível do nosso amigo. Depois da “Nouvelle Vague” de Truffaut e Godard, o “Culinaire Vague do Dieckmann. Escrevia ele, antes da projeção, que já era o seu quinquagésimo filme, superou, portanto, o Charles Chaplin que, no seu primeiro ano de cinema, fez 34 curtas-metragens.

Causídico Verborrágico, por sua vez, enviou uma miríade de mensagens eletrônicas, compensando os dias em que sumira pessoal e virtualmente. Mandou e-mails, entre outros, sobre a Jerusalém judaica e a “Ave-Maria” interpretada por vários artistas, ou seja, o nosso ecumênico amigo voltou com bateria renovada.

Nesse ínterim, a Gina chegava das compras com o suco de uva que eu encomendei.

-O Luca está demorando.- disse, porque já passava das dez horas.

Quinze minutos depois, todos estavam reunidos no antigo abrigo do fusquinha da Gina com exceção do Vagner, que não se encontrava bem de saúde.

Com livros, recortes de jornais e cartas, tudo da Rosa Grieco, Luca se acomodou na sua cadeira. Pôs-se a cantar, em seguida, um samba sobre uma mulher apaixonada que pôs fogo `as vestes e rolou o morro como uma tocha humana.

-Samba de Wilson Batista.- identificou o meu irmão.

Lia agora o Luca uma crônica da Folha de São Paulo (do Ruy Castro, parece-me) sobre o número elevado de suicídios do passado em relação ao presente.

-De cara, eu cito três suicídios aqui, nas redondezas... quatro, cinco...- aparteou a Gina.

Ela e o Luca se lembraram, então, de mais de seis suicidas, embora tivessem de rever alguns dados porque não passaram de tentativas frustradas.

-Tomava-se muito formicida com guaraná antigamente. - declarou o Luca.

-O Pedro Nava deu um tiro na cabeça. - interveio o Cláudio.

Lembrei-me do Péricles, criador do “Amigo da Onça”, que inalou gás, deixando uma carta com a sua última piada, “Não acendam o fósforo”, mas preferi me calar para que tão mórbido assunto se esvaziasse. Luca, no entanto, pegou uma crônica do Pasquale Cipro Neto sobre a saudade e pôs-se a lê-la.

Agora, intercalava a leitura com comentários.

-Chico Buarque escreve letras muito densas.

-É o Chiiiiiiiiiiiiiico.- provocou o Cláudio.

-Claudiomiro, o Pasquale Cipro Neto fala aqui do “Pedaço de mim” do Chico Buarque, que mereceu considerações do Sérgio Buarque de Holanda como uma das letras mais intensas sobre a saudade, na música popular braileira. E cantou de cor os trechos com a maior carga dramática da composição do Chico Buarque:

“Oh, pedaço de mim

Oh, metade exilada de mim

Leva o vulto teu

Que a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

Do filho que já morreu.”

Enquanto ele retomava a leitura, lembrei-me de outra letra de samba referente ao tema, este de Noel Rosa, “Silêncio de um minuto”:

“Luto preto é vaidade,

neste funeral de amor,

o meu luto é saudade,

e saudade não tem cor.”

Preferi, porém, apartear o Luca com uma crítica:

-O Pasquale Cipro Neto não se reportou à literatura. Olavo Bilac escreveu: “Saudade, presença dos ausentes”. Há os versos de Almeida Garret: “Saudade, gosto amargo de infelizes/ delicioso pungir de acerbo espinho/ que me estás repassando o íntimo peito/ Com dor que os seios d' alma dilacera...”

-Sim, Carlinhos, mas ele aqui menciona Drummond...

E leu o trecho de Carlos Drummond de Andrade.

-É obrigatória a lembrança do soneto de despedida de Machado de Assis. - lembrei.

-”A Carolina”?!... Carlinhos, recito de frente pra trás, de trás pra frente.

-A Tereza me enviou um e-mail em que diz “Carinhoso” de Pìxinguinha, recebeu primeiramente o nome de “Carinhos”. - mudei de assunto.

Reportando-se ao último sabadoido, a voz e os gestos do meu irmão eram de polemistas:

-Eu vou ficar, nesse caso, do lado do Luca, eu li que “Lamento” tinha o nome de “Lamentos”.-

-A Tereza não negou isso, ela apenas se reportou ao “Carinhoso”.- contemporizei.

-Claro! Uma coisa não invalida a outra. - entendeu o Luca.

-Há gente reclamando por que o Lula não está tratando do câncer no SUS.- era a vez da Gina mudar a pauta de discussões.

-Eu soube que o Amarildo está internado no INCA. Creio que não investiu bem o dinheiro que ganhou na Itália, pois era para ele se tratar no Sírio-Libanês.

-Vocês lembram que muita gente, no passado, evitava falar câncer?...

-Havia um pavor da doença.- disse a Gina.

-Eu tenho aqui uma crônica que se refere justamente a isso.

Dizendo isso, Luca sacou de um livro um recorte da “Folha de São Paulo”, e passou a ler um texto de Carlos Heitor Cony.

-Em 2004, ele teve câncer.

Ao ler o nome específico da doença, Gina identificou o mesmo mal que acometera a candidata a presidente da República, Dilma Rousseff.

-Ele escreveu que, com o tratamento, diminuiu as oito crônicas semanais por quatro.

E acrescentou o Luca:

-E ele ainda faz aquele comentário da Rádio CBN com o Xexéo.

-Agora, são três, entrou uma mulher.- esclareci.

-Cony, Xexéo e Xexelenta.- não perdeu a Gina a piada.

-Cony tem uns 90 anos. - disse o Luca.

-Creio que ele tem uns 82 anos.

Meu irmão discordou:

-Para mim, ele ainda está na casa dos 70.

Incumbida de acessar o google, Gina retornou com a idade exata: 85 anos.

Enquanto isso, eu folheava os dois livros da Rosa e lia as suas críticas. No livro sobre introdução ao judaísmo, ela assinalou erros grosseiros sobre os filhos de Jacó: seis com Lia e seis com Raquel. Corrigiu para seis com Lia; dois com Raquel; dois com Zilpa, serva de Lia; e dois com Bila, serva de Raquel; e acrescentou que as duas servas faziam expediente extra. Justificou, em seguida, o seu conhecimento sobre o tema através do livro de Thomas Mann, exaustivamente pesquisado, concernente a José, um dos filhos de Jacó, que foi vendido pelos irmãos.

Falava-se, agora, do noticiário agitado desta semana.

-Vocês repararam que o Rio de Janeiro convergiu toda a atenção do Brasil?... Passeata dos royalties, prisão do maior traficante de drogas do país e até a vitória épica do Vasco contra os peruanos.

E arrematei:

-Isso é ótimo nesta hora em que todos os estados se unem para esmagar o Rio de Janeiro e o Espírito Santos, pisando no pacto federativo.

Quando eu ia citar Getúlio Vargas, que dizia que o Rio de Janeiro era o tambor de ressonância nacional, começaram os debates sobre os culpados do esvaziamento da nossa cidade.

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