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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

2043 - Traumas

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3873 Data: 01 de novembro de 2011

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VAGNER GANHA E SOME DO SABADOIDO

Conversávamos eu e o Daniel sobre os desenhos dos estúdios Disney, quando ele se referiu à memória de peixe.

-Você assistiu ao “Procurando Nemo”?

-Não, Daniel.

-Há uma cena em que um peixe fêmea fica indignada com um peixe macho porque ela se esqueceu que há dias estivera com ele.

Em seguida, falou-se do documentário sobre o Airton Senna.

-Eu não entendo, Carlão, os cinemas da Inglaterra lotaram com o filme sobre o Senna; nos cinemas do Japão, houve filas de dobrar o quarteirão... Eu vi o filme do Senna num cinema que estava às moscas.

-O documentário sobre o Airton Senna não fez sucesso no Brasil.

-O brasileiro tem memória de peixe. - concluiu meu sobrinho.

-No filme “Jânio a 24 Quadros”, citam uma frase do Ivan Lessa: “De 15 em 15 anos, o brasileiro se esquece dos últimos 15 anos.”

-No Japão, o Senna é considerado um herói porque pilotou um carro com motor Honda. O inglês, apesar da rivalidade com o Nigel Mansell, reverencia o Senna, mas o brasileiro... - mostrou-se decepcionado nas reticências.

-Cuba ultrapassou o Brasil no número de medalhas de ouro. - era o meu irmão que chegava e, intempestivamente, mudava o assunto da conversa.

-Com o dinheiro desviado do Ministério dos Esportes, há anos, não poderíamos ter sorte melhor. - assinalei.

-E esse escândalo todo veio do fogo amigo do PT. - diagnosticou o Cláudio.

-Pelo menos, na disputa do ouro do vôlei masculino, o Brasil, ontem, massacrou Cuba. - acrescentei.

-Cuba é muito boa no boxe; a maioria das medalhas de ouro deles veio desse esporte. - assinalou o Daniel.

-Eles tiveram um peso pesado, Teófilo Stevenson que, para muitos, enfrentaria o Cassius Clay de igual para igual. - lembrou meu irmão.

-E por que não enfrentou?- quis saber o Daniel.

-Porque, ao contrário dos petistas, ele não gostava de dinheiro. - respondeu o seu pai.

Gina apareceu, soltou uma e outra farpas sobre as personalidades que eu, Daniel e Cláudio, eventualmente, elogiávamos e saiu para a sala de estar.

Notando que meu sobrinho não se animava a ir para a rua, perguntei-lhe se não iria fazer ginástica.

-Chego na academia e tenho de esperar as pessoas desocuparem os aparelhos, além disso, trabalho todo o dia, fico cansado.

-Mas não tem feito nada?... - indaguei, decepcionado.

-Não; caminho muito lá por Copacabana.

-Quanto tempo?

-Meia hora.

-Caminhe uma hora por dia, pelo menos. - aconselhei.

A rotina que antecede as sessões do sabadoido o levou a perguntar se eu usaria o computador.

-Se não houver problemas...

Colocava a minha caixa de correspondência eletrônica em dia, quando ouvi a voz do Luca. Todos, na casa, se reuniram no abrigo do Volkswagen, que a Gina e o Cláudio dirigiram no século passado, com exceção de mim, que permaneci diante do computador.

Se eu for para lá, a Gina me cede o lugar, apesar dos meus protestos, e uma conversa fiada é sempre relaxante. - pensei.

Procurei uma mensagem do Causídico Verborrágico e, como nas semanas anteriores, nada encontrei.

-Será que ele segue algum conselho parecido com o que Polonius deu a Laertes?- perguntei-me.

Luca se reportava aos seus primeiros dias no colégio interno. Chorou como Maria chovia no poema de Carlos Drummond de Andrade. No princípio, pilheriaram com tanto choro, depois, se irritaram. Espantaram-se que num menino tão esmirrado coubesse um rio de lágrimas.

-Eu reagia às provocações e chorava. - dizia o Luca.

Colocou os dedos nos olhos para enfatizar a choradeira.

-Eu me sentia abandonado. - chorava o Luca.

Lá, do quarto do meu sobrinho, minha lan house, recordei-me de uma minissérie francesa, de 1999, comemorativa dos 200 anos de nascimento de Balzac. Ele sofria no colégio interno e, ao correr para beijar a mãe, na sua visita mensal, esta desviou o rosto porque a sua nota escolar foi uma das piores da classe. Essa cena era recorrente na minissérie, porque Balzac se sentia atraído pelas mulheres mais velhas (as balzaquianas tinham, na verdade, 50 anos de idade e não 30).

Meu irmão trouxe à baila uma notícia mais recente: um cantor de música sertaneja que brigou com o irmão e parou na UTI de um hospital porque tomou diurético.

-Será que “diurético” é nome de cachaça, assim como foi “forças ocultas”, no tempo do Jânio Quadros? - diria a Gina.

Chegara a hora de eu participar da sessão do Sabadoido. O assunto, quando eu entrei, era outro.

-Eu penso que pessoa, quando envelhece, pode e deve beber, fumar sua maconha...

-Então, você é adepto do “charrão”? - foi o Luca interrompido pela Gina cuja expressão era zombeteira.

-Fica aí. - gritei para ela, que fez menção de se erguer da cadeira.

-Eu vou sair. - disse o Daniel que, provavelmente, encaminharia para o seu quarto, agora desocupado.

-Sim, para as pessoas mais velhas eu sou favorável ao “Jarrão”.

-”Charrão”, Luca. - corrigiu a Gina.

-Jarrão é jarro grande. - manifestou-se o Cláudio.

-Os jovens estão bebendo muito, drogando-se. - lastimou o Luca.

-Os velhos sim, mas os jovens não?... -estranhou minha cunhada.

-Acontece, Gina, que a juventude já é tão boa. - enfatizou o Luca.

-”A juventude é uma coisa maravilhosa. Que pena desperdiçá-la com os jovens”. - frase de Bernard Shaw que não pude citar porque não surgiu uma pausa no momento propício.

Em dado momento, Gina se pôs a analisar os pensamentos do Luca, como se voltasse à época em que atuava como psicóloga de consultório.

-Cláudio interrompeu os para dizer que Caetano Veloso bebeu, fumou e cheirou, mas odiou.

-Odiou, mas foi preso com caixas e mais caixas de Valium. - contrapôs a Gina.

-Era pra Gil. - tentei imitar o sotaque baiano.

-Devia ser pra Gil, porque Caetano Veloso se confessa careta, Gilberto Gil já teve uma queda pelas drogas.

-E o Vagner? Já é a segunda semana que ele não aparece. - constatou a Gina.

-O Vagner ganhou um dinheiro numa aposta e guardou segredo, como se fosse uma fortuna. A irmã dele contou e ele ficou chateadíssimo.

-E some daqui?... Isso é maluquice!

Cláudio, o que não é maluquice no sabadoido?- diria para meu irmão se ele não estivesse tão irritado.

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