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segunda-feira, 27 de abril de 2015

2837 - o teste de Cooper


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5087                                      Data:  15  de abril de 2015

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XXXI MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO

 

COOPER – Eu li tudo que me chegava às mãos sobre a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970 no México. Assim, foi com a alegria de um colecionador que encontra um livro que escapou do incêndio da Biblioteca de Alexandria, que manuseei as páginas do “Aeróbica”, que Kenneth Cooper lançou em 1968.

Eu sabia sobejamente que o oficial Claudio Coutinho, por conhecer bem o idioma inglês e ser graduado pela Escola de Educação Física do Exército, fora designado para representá-la no Congresso Mundial realizado nos Estados Unidos onde conheceu o professor Kenneth Cooper e os seus métodos revolucionários de educação física  utilizados na NASA.  Pouco depois, Claudio Coutinho empregaria esses métodos na seleção brasileira de futebol, com a sua equipe – Carlos Alberto Parreira entre eles – obtendo êxitos conhecidos por todos. Os mais deslumbrados diziam até que o escrete venceu todos os jogos da Copa no segundo tempo, quando a condição física dos jogadores em campo falava mais alto.

O livro que me chegara às mãos, do Kenneth Cooper, com tradução do Claudio Coutinho, que recebera gentilmente do autor as tabelas de exercícios mais atuais, pertencia ao irmão do meu cunhado e foi rapidamente devorado por mim.

Animado como um beato que lê o evangelho e vai para a igreja orar e reservar seu lugar no paraíso fui para o campo de futebol correr. O mais próximo era o campo Cachambi e lá ia eu correr, melhorar o meu condicionamento cardiovascular. Na primeira vez, dei umas 10 voltas em torno do campo e assim foi durante os primeiros dias. Calculava a minha performance – por volta de 1600 metros em 12 minutos – cotejava, em seguida, com os números da tabela do livro do Kenneth Cooper e via o meu fiasco. Eu tinha de melhorar muito.

A distância corrida em 12 minutos era o chamado “Teste de Cooper” e eu estava antenado com as marcas dos jogadores publicadas nas páginas esportivas dos jornais. No Fluminense, o atacante Cafuringa e o beque Toninho, eram os melhores, sendo que o atacante superava com facilidade os 3000 metros, mas era derrotado pelo lateral direito quando o preparador físico estabelecia 5 000 metros de corrida.

No Botafogo, o beque central Brito era absoluto no “Teste de Cooper”, atigindo mais de 3200 metros. Não fora à toa que o considera que o consideraram o jogador mais saudável de todos os que disputaram a Copa do Mundo de 1970; vencendo jogadores da Alemanha, da Inglaterra, de países, enfim, com jogadores que, segundo o Nélson Rodrigues, têm saúde de vaca premiada. 

O craque Gérson, por outro lado, em entrevista sobre os efeitos dos exercícios aeróbicos, nos preparativos para a Copa no México, disse que quase morreu para chegar aos 2400 metros em 12 minutos – o fato de fumar nos intervalos das partidas em que atuava – diminuía a sua resistência respiratória, mas, com a continuidade dos exercícios, melhorou bastante.

Esse método servia para retratar a condição física do atleta, no momento. A aeróbica do professor Kenneth Cooper, no entanto, consistia em correr a maior distância possível no menor tempo – ele, mesmo, com o passar dos anos, faria vários ajustes nessa sua concepção.

Ao saberem que eu corria em volta do campo, obtive algum sucesso. Zé Pelé, por exemplo, que se destacava nas peladas me perguntou o que era aquilo de “Cooper”. Expliquei-lhe rapidamente e lhe garanti, que segundo o mestre do exercício aeróbico, bem preparada, uma pessoa pode dar 200 voltas naquele campo. Ele se mostrou incrédulo, e eu, também, mas fingia convicção. Quando o Japonês, um peladeiro da Rua Estevão Silva, com pernas musculosas de futebolista profissional, que passara a seguir o meu exemplo, chegou às 48 voltas em 50 minutos, com extrema facilidade, constatei que o Kenneth Cooper sabia das coisas.

Era monótono dar várias voltas num mesmo lugar, pensei, então, em correr na rua. O meu amigo Luca diz que sou o pioneiro, no Cachambi, do cooper (sinônimo de correr na época) na rua; mas ele se engana. Pai e filho, o menino deveria ter uns 6 anos de idade, foram os primeiros.  Eles vinham da Avenida Suburbana, entravam na Rua Chaves Pinheiro, lá pelas 8h da manhã, e se tornaram atração turística. Quem os avistasse primeiro, lá em casa, dava o alerta e íamos todos para a janela. Meus pais achavam uma gracinha, mas Kenneth Cooper faria várias restrições àquela atração; o menino parava várias vezes e o pai, meio gorducho, aproveitava para respirar. Acredito que a participação do guri era uma estratégia do pai para afastar a atenção de todos sobre ele.

Depois, sim, passei a fazer cooper na rua, mas com certo constrangimento.  Sempre que eu podia, tomava o rumo da Quinta da Boa Vista e corria por lá. Eu me sentia à vontade, com uma exceção, quando houve um evento com soldados praticantes de educação física e, em determinado momento, todos se perfilaram e soou o Hino Nacional Brasileiro. Nesse momento, eu vinha no melhor da corrida, sentindo o prazer dos neurotransmissores, como dizem os especialistas. E se eles me prendessem porque desrespeitei o hino? - ocorreu-me esse pensamento; mas tudo correu bem.

Fazia o meu cooper também no calçadão da praia do Arpoador a do Leblon, onde havia a vantagem de haver marcadores da distância percorrida e de ser o local de encontro dos praticantes da aeróbica. O próprio Kenneth Cooper, nas vezes que veio ao Rio de Janeiro, deu lá suas largas passadas.

O campo Cachambi ficou no passado, transformaram em Concessionária da FIAT por volta de 1975. Mas não deixei de praticar as minhas atividades aeróbicas na rua; um vizinho, o Hélio, que estudava Farmácia na UFRJ, se tornou meu amigo e um estímulo para as corridas rústicas. Quando ele se mudou, poucos anos depois, já eram muitos os praticantes, eu já não era mais a única vítima dos engraçadinhos sedentários.

Com o tempo, tornei-me um lobo sedentário, ou seja, evitava companhia na minha, a razão era a diferença dos ritmos das passadas, além de ter ao lado um corredor que gosta de conversa; cabe parodiar o slogan: “Nós viemos aqui para beber ou pra conversar?” Porém, num domingo, eu vinha correndo pela Avenida Suburbana, um pouco antes de Pilares, quando ouvi alguém atrás de mim perguntando se podia correr atrás de mim; voltei a cabeça e vi um crioulo alto, de pernas compridas e finas. Disse-me ele que fugia do irmão, também atleta, que o queria, naquela hora, numa competição renhida na Gávea, enquanto ele pretendia apenas uma corridinha de desintoxicação. Soube, então, que ele já percorrera 22 quilômetros. 

Passaram anos e as minhas corridas se transformaram em caminhada. Passaram mais anos ainda para o Kenneth Cooper, que nasceu em 1931, e ele que agora enaltecia os benefícios das caminhadas. Coube a mim mais uma vez seguir o mestre.

 

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