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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5081 Data: 07 de abril de 2015
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SABADOIDO DE ALELUIA
-O Luca não esperou o sábado de aleluia
e malhou o Judas. - puxei o assunto com o Claudio.
-Quem foi o Judas dele?- quis saber.
-O Zuenir Ventura. Luca estava
indignado com a crônica em que narra a apoteose do concerto do Nélson Freire,
no Teatro Municipal e o jantar, depois, com o pianista.
-Li a crônica. - disse meu irmão.
-O Zuenir Ventura ia tão bem no seu
texto, mas no final desafinou vergonhosamente. - disse e acrescentei:
-Ele comparou as mãos do Nélson Freire
com os pés do Neymar. - lembrou meu irmão com um sorriso maroto.
-Luca, ao ler essa comparação, subiu
nas tamancas e com toda a razão. Ele estava possesso no telefone: “Nélson
Freire com três anos de idade já tocava piano. O que esse Neymar com três anos
fazia com os pés? E mais: o pianista também usa os pés, pois o piano tem 3
pedais”. Como o Zuenir Ventura faz uma comparação dessas?!...”
-Sim, mas quando o Nélson Freire
começou a tocar, não alcançava os pedais.
-Sim, Claudio, mais uma razão para
louvar o talento das suas mãozinhas nas teclas do piano.
-Sabe o que é Carlinhos, esses
escritores temem parecer elitistas, querem se mostrar integrados ao povão, por
isso sai uma comparação dessas de um concertista com um jogador de futebol.
-Eu contei para o Luca uma passagem do
Zuenir Ventura na cadeia, narrada pelo próprio.
-Qual?
-O Nélson Rodrigues, que tinha trânsito
entre os militares, durante a ditadura, foi ao presídio para tirar o amigo
Hélio Pellegrino de lá, este disse que só sairia se libertassem o Zuenir
Ventura também. Então, o Nélson perguntou se o Zuenir era de explodir bombas
por aí, o Hélio Pellegrino garantiu que não, e os dois saíram da cadeia. Sabe o
que o Luca me disse?... “Se era para fazer essa comparação das mãos do Nélson
Freire com os pés do Neymar, deveria continuar preso.”
-Ele malhou o Judas com vontade. -
concluiu.
Nesse instante, o Daniel e a Gina
apareceram na cozinha vestidos para sair.
-Vão almoçar às 9h da manhã? - não
perdi a piada.
-O Daniel vai fazer exame médico para
poder ingressar na academia de ginástica. - esclareceu a Gina.
-Eu estou gordo, Carlão.
Apertou as carnes do abdômen e
acrescentou:
-Antes que isto se transforme em pneus
de Fórmula 1, eu tenho de agir.
-O Daniel começa empolgado e depois desiste.
- demonstrou a Gina o seu ceticismo.
-Já estou quase tão gordo quanto o
Válter do Fluminense; assim, nós dois não podemos mostrar todo o nosso talento
nos campos de futebol.
Claudio interveio na conversa:
-O Daniel, depois que passou a
trabalhar na Casa da Moeda, vai ao portão e o ônibus o leva para o serviço, na
volta, o ônibus o traz até a porta de casa. Na hora do almoço, lá, não precisa
se preocupar, porque tudo está perto. Resultado: engordou.
-Quando eu trabalhei nos Correios, eu
estava magro e o meu bolso também. - observou.
-Carlinhos, é provável que nós voltemos
a tempo para lhe dar uma carona até em casa. - disse-me a Gina, enquanto os
dois saíam.
-Claudio, tem levado em um ou dois
canais da HBO a série documental “Hoje é Dia de Música”, que é excelente.
-Carlinhos, eu não vejo, praticamente,
nada na HBO.
-Então, trate de ver; são dez
documentários, de 50 minutos cada, abordando a história da música popular
brasileira. Assisti a três e todos muito bons. Acredito que eles se inspiraram
na série documental de outro canal americano sobre a história do Jazz, e eu
gravei todos: 20 CDs.
Para que ele se interessasse mais,
persisti com o tema.
-O episódio com Pixinguinha, Donga e
João da Baiana foi muito bom. Havia música nas grandes casas do início do
século XX; na sala, tocava-se choro; na cozinha e no quintal, samba.
Pixinguinha, que começou a aprender teoria musical com o pai, tocava na sala,
mas, atraído também pelo samba, ficava um tempo na cozinha e no quintal.
-”Batuque na cozinha, sinhá não quer.”
- citou meu irmão o sucesso do João da Baiana revivido pelo sambista Martinho
da Vila.
-Referem-se, no programa, ao “Pelo
Telefone” do Donga, que teve o mérito de fazer o primeiro registro em disco da
palavra samba.
-É um samba que tem quase tudo de
maxixe.
-Sim, Claudio, eles disseram que
muitos, entre eles o China, irmão do Pixinguinha, já faziam sambas antes do
“Pelo Telefone”, e que o ritmo definitivo do samba veio mesmo dos sambistas do
Estácio, na década de 30, mas acentuaram a importância do Sinhô, para essa
travessia, com os seus sambas na década de 20.
-Quem conhece bem a origem do samba é o
Nei Lopes.
-Há um depoimento do Nei Lopes, nesse
episódio, que diz que o samba foi
concebido na África, nasceu na Bahia e
se desenvolveu no Rio de Janeiro.
-Falaram dos “Oito Batutas”, da viagem
que fizeram a Paris?
-Claro. Como o grupo durou de 1919 a
1923, por aí, não difundiu ainda o samba autêntico, na Europa, e sim o maxixe,
cateretê, batuque e, evidentemente, o choro.
-Eles fizeram sucesso no exterior, pois
ficaram meses tocando numa boate
parisiense. - acentuou.
-Nesse
episódio, tratam do ostracismo a que foi relegado o samba com a ascensão da
bossa nova na virada dos anos 50 para os 60, e que o Chico Buarque surgiu como
o novo Noel Rosa trazendo o passado de volta.
-Na época, houve compositores que o
criticaram por levar toda a música para trás.
-Eles pensam que nós temos memória
curta, Claudio, mas havia rivalidade entre aqueles artistas que surgiram na
década de 60. Mas deixe-me prosseguir.
-Prossiga.
-Então, a Hebe Camargo, sempre
antenada, no programa dela, uniu João da Baiana, Donga, Pixinguinha e Chico
Buarque.
-Chico Buarque era novinho.
-Parecia o Michael Corleone dançando
com a Apollonia no Poderoso Chefão III. - comparei.
-Reprisam, de vez em quando, esse
encontro no programa dela. O Chico canta com o Donga “Pelo Telefone”. - disse
ele.
-No depoimento do Chico Buarque,
Claudio, ele diz que aprendeu a letra com o pai, mas a errada, a da paródia.
-”Pelo telefone, chefe da polícia manda
me avisar, que na Carioca tem uma roleta para se jogar...”- entoou meu irmão a
paródia.
-O Donga, então, o corrige - disse. No
filme, não se nota isso, o Donga está empolgadíssimo, cantando e dançando,
enquanto o Chico Buarque ri muito e repete as palavras cantadas pelo Donga.
-Quando vai ser o próximo “Hoje é Dia
de Música”?
-Claudio, soube, agora, que entrou no
ar em outubro do ano passado, espero que a reprise persista por mais alguns
meses.
Passamos a falar de outros assuntos,
até que a Gina e o Daniel voltaram do exame médico.
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