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sexta-feira, 31 de maio de 2013

2390 - descendo da escada, da ladeira e de Cuba

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4190                                 Data:  18 de  Maio de 2013
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161ª CONVERSA COM TAXISTAS

-E essa história de trazer médicos cubanos para cá? - perguntou-me o Flamenguista logo que me ajustei ao cinto de segurança do seu táxi.
-Uma temeridade.
-Eu ouvia elogios à medicina cubana, mas depois que o Chávez morreu... Outra coisa: a Dilma, o Lula, aquele vice-presidente cujo nome esqueci, trataram-se aqui, não em Cuba, ao contrário do maluco do Chávez.
-E o presidente Figueiredo, você esqueceu?
-Não; lembro-me dele.
-Ele queria tanto ser esquecido...
Depois dessa ironia que, pelo seu semblante, não entendeu, fui adiante.
-O presidente Figueiredo quando teve problemas cardiovasculares, foi ser operado em Cleveland. Foi, aliás, uma farra com o dinheiro público; viajou uma comitiva tão grande para lá que, segundo o Jô Soares, quase não teve lugar para o piloto do avião.
-Uma festa com o nosso dinheiro. - disse com riso de desolação.
-A medicina do Brasil evoluiu, inegavelmente e os governantes tratam, agora, das suas doenças aqui mesmo. - assinalei.
-Tratam-se em São Paulo, porque em Brasília é um perigo. - ressalvou, agora com uma risada descontraída.
-Esse avanço médico que acontece no Brasil, principalmente em São Paulo, não se vê em Cuba. Lá, eles não lidam com aparelhos de alta tecnologia.
-Deve ser como os carros, o último modelo de lá é de 1960. - comparou.
-Ainda havia um intercâmbio, incipiente, mas havia, de Cuba com a medicina da União Soviética, mas depois que o comunismo implodiu...
-Eles estão defasados. Antes mesmo de ouvir suas palavras, eu já estava resolvido a não me medicar com cubanos.
Reportei-me ao passado.
-Cai, certa vez, numa corrida e os ossos de um dedo se acavalaram. Fui, então, com uma colega de trabalho, a um ambulatório da Golden Cross. O médico que me atendeu falava espanhol. Essa minha colega ficou assanhada, pois julgou que ele fosse cubano.
-O cara era bonitão?
-Não chegava a ser um modelo de beleza, mas era alto, forte e jovem. - esclareci e continuei.
-Depois de ele colocar o osso do meu dedo no lugar, acariciando a minha mão e dando um puxão repentino...
-Ele acariciou a sua mão e ela se apaixonou. - interferiu com essa piada.
-Pois é. Ela, então, perguntou se ele era de Cuba, a resposta foi não, era boliviano. 
-Já sei: ela ficou desiludida.
-Ela era, ou melhor, é doida.
E o surpreendi com uma pergunta:
-Lembra-se da Cimeira que aconteceu no Rio de Janeiro, há uns quinze anos, com altas autoridades internacionais?
-Mais ou menos.
-O Fidel Castro ficou hospedado em Copacabana e ela se postou na porta do hotel para ver o seu ídolo. Quando ele apareceu, ela gritou: “Fidel, eu também sou Castro.”
-Mentira!...
-Verdade; ela mesma que contou. Julgava-se parente do ditador.
-Essa sua amiga vai se tratar, certamente, com os médicos cubanos que o PT vai trazer para cá. - concluiu.

No dia subsequente, a corrida se deu no carro do Paizão.
-Sou seu primeiro passageiro do dia?
-Não, hoje eu comecei às 4h da tarde.
-E larga lá pelas 11h, meia-noite?...
-Dependendo da minha disposição... Nesse meu horário de trabalho, além de o trânsito ser melhor, eu fujo das novelas da minha mulher.
-A minha mãe não perdia as novelas da Rádio Nacional, quando elas passaram para a televisão, minha mãe seguiu a modernidade, mas o drama novelístico permaneceu como era.
-Minha mulher também; saiu do Floriano Faissal, Ísis de Oliveira, Daisy Lúcidi para Glória Meneses, Tarcísio Meira, Antônio Fagundes...
-A última novela a que assisti do começo ao fim foi, se não me engano, “Guerra dos Sexos”, com Fernanda Montenegro e Paulo Autran.
-Parece que fizeram outra novela com essa guerra...
-Com essa história? - interrompi o Paizão.
-Minha mulher falou alguma coisa disso com entusiasmo. Ela reclama muito da pouca-vergonha das novelas das nove.
-Minha mãe também reclama. A inocência da Rádio Nacional se perdeu completamente nessas novelas que vão ao ar depois das oito horas da noite na televisão.
-E o pior é que as crianças assistem. A minha neta, por exemplo, quando chego às onze horas do trabalho, não deixa o caminho livre para eu ver meus programas, não quer sair de frente da televisão e dormir. Queixou-se.
-Quanto às minisséries da TV Globo, acompanhei algumas do início ao fim. - revelei.
-As minisséries duram algumas poucas semanas, dá para acompanhar. - disse o Paizão.
-“Agosto”, “Chiquinha Gonzaga”, “Os Maias”, principalmente, me atraíram tanto quanto os bons filmes do cinema. - manifestei-me.
-Eu vi alguma coisa do “Agosto”, porque o enredo se passa no tempo do Getúlio.
-O senhor viveu bem esse tempo.
-Viver bem eu não digo, porque já pegava no pesado desde garoto. Vou fazer 80 anos, tinha, portanto 21 anos, quando o presidente Getúlio se matou.
-O senhor se juntou à população furiosa e foi depredar a Tribuna da Imprensa do Carlos Lacerda? - brinquei.
-Vou lhe dizer uma coisa: nunca me envolvi com paixões políticas.
-Certíssimo, como disse o Nélson Rodrigues, com outras palavras, a paixão política é a mais desprezível das paixões que existe.
-É a mais desprezível porque só existe esperteza e jogo de interesse nesse meio. - enfatizou, enquanto me deixava na Rua Modigliani.

-Hoje, passando pelos cracudos antes das seis horas da manhã, deparei-me, pela primeira vez, com um deles fumando craque. Que fedor! - manifestei-me, mal entrei no táxi do Meu Nobre.
-Por isso, eles são uns zumbis. - observou.
De repente, a minha atenção se deteve no movimento inusitado de moradores da favela a vinte metros diante de nós.
-Aquilo ali está esquisito. - tentei preveni-lo.
-Você não soube?... Saiu até na Globo.
E prosseguiu:
-Pegou fogo nos barracões por volta do meio dia e meia.
-A coisa foi, então, séria, pois já passaram quatro horas e essa gente toda na rua...
-O viaduto foi logo interditado. Um curto-circuito num gato, que eles fizeram para roubar energia, provocou isso tudo.
Como eu me mostrei bom ouvinte, ele continuou:
-Conheço bem a favela; não era um gato, era um tigre.
-Minha cunhada me contou que um funcionário da Light foi desfazer um gato, trepado numa escada, quando, no chão, um pivete lhe apontou uma arma e disse: “Se não descer, eu vou descer você daí.”
-A coisa é séria. - resumiu tudo o taxista, deixando-me na Rua Modigliani.







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