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segunda-feira, 27 de maio de 2013

2385 - Modigliani, obrigado

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4185                                   Data:  09 de  Maio de 2013
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161ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

Lá fui eu, em direção ao ponto dos taxistas, sabendo que me desviaria de um e outro cracudos, escarrapachados no chão da rua.
O carro que estava à frente, quando cheguei, era o do Sarará, com quem raramente eu me encontro, anunciei, por isso, o meu destino.
-Sim, vamos para a Praça Manet. - pronunciou o “t”, o que feria menos o meu ouvido do que a pronúncia final com o é aberto, como se o pintor francês tivesse o mesmo apelido do Garrincha.
-O metrô sempre cheio?..
-A essa hora, não está assim tão lotado, hoje, porém, vim um pouco apertado, talvez tenha atrasado um pouco.
-Pego passageiros que sempre reclamam...
-Na ida, o metrô está bem mais vazio, isso não significa que eu viaje sentado e sim que eu posso tirar uma revista ou um livro da mochila e ler. É verdade que, cinco minutos antes das seis da manhã, mesmo dez minutos, eu já estou embarcando. Isso, na estação de Del Castilho, pois assim, dou uma caminhada um tanto acelerada de quinze minutos da minha casa até lá. Voltando do trabalho, é que salto em Maria da Graça.
-E esses trens que vieram da China?
-Eles têm as suas vantagens, os vagões não são fechados, evitando a sensação claustrofóbica; a luz referente à próxima estação pisca, o ar condicionado funciona, esfria mesmo. No entanto, foi feito para muitas pessoas viajarem de pé, mas com poucos balaustres para se segurar...
-E os passageiros têm de se escorar na lataria.
-Se estiver muito cheio sim, pois há aquilo dos trens da Central para se agarrar... Chupeta, parece que é o nome.
-Os trens do metrô foram feitos para trafegar debaixo da terra, mas aqui eles vão pela superfície; então, no calor, o ar condicionado pifa. - interveio.
-Esses trens antigos vieram da França, não foram fabricados, é verdade, para ficarem debaixo do nosso sol, por isso, o termostato não suporta, e os vagões viram fornos de assar gente.
-E esses trens chineses?
-O ar condicionado é infinitamente superior, mas não sei como será na chegada do verão. É verdade que alguns já eram utilizados no verão passado e, pelo que senti, suportaram bem. Como eram muitos poucos trens, não posso falar com segurança.
-É só curiosidade minha, pois raramente ando de metrô. Eu não sei ir de um lugar para o outro sem o carro, este, especialmente. Tenho um carro particular, mas saio pouco com ele, meu filho até reclama, com este táxi, não, ele é a continuação do meu corpo.
Pensei em dizer que o Sarará era uma espécie contemporânea de centauro, metade humano, metade automóvel, mas preferi ouvi-lo.
-Tenho 61 anos de idade. Dirijo desde os 16. Dirigi numa época em que nem lhe pediam carteira de motorista, todos se conheciam, os guardas lhe conheciam...
-Lembro-me de um colega da Rua Estevão Silva, que tinha um fusquinha. Ele, no início dos anos 70, dizia que iam conseguir o impossível: engarrafar o Méier...
-Do lado da Arquias Cordeiro. - esclareci e acrescentei:
-Hoje, o normal é todo o Méier engarrafado.
-Naquele tempo, você levava o próprio carro para o exame de direção. Mas, com todo esse tumulto no trânsito, não sei fazer nada sem o meu carro.
Quando entramos na Modigliani, ele me surpreendeu com uma pergunta.
-É ali na lixeira?
Corrigiu-se rapidamente:
-Não foi isso que eu quis dizer... Latões de lixo. É nos latões de lixo?
-Sim, é onde estão aqueles dois contêineres de lixo.
Saltei, pensando na Rosa Grieco, que diz que eu moro no segundo poste da Modiglianni.

  Entrei no táxi do Botafoguense, cujos olhos faiscavam e os dentes brilhavam num largo sorriso:
-Fogão! - exclamou com a ardente voz de torcedor.
-Há quanto tempo não pego seu táxi. No período em que o Botafogo estava mal, era comum eu ir pra casa no seu carro. Depois que o Botafogo não perdeu mais jogos, nada de você aparecer.
-Eu notei isso. - disse.
-Como sou supersticioso, até torci para não entrar no seu táxi. Desculpe-me...
-Foi por uma causa nobre. Como todo bom botafoguense, também sou supersticioso.
 -Com o Carlito Rocha presidente do Botafogo, a superstição chegou ao ponto máximo. - reportei-me a 1948.
-Mas ele me trouxe de volta ao presente.
-Viu a categoria dos nossos jogadores?... Todos eles brilharam.
-Pelo que soube, a mudança para melhor veio depois de uma discussão inflamada entre o Seedorf e o Antônio Carlos. Essa discussão incendiou o time do Botafogo. - manifestei-me.
-No nosso time, não tem fogueira das vaidades, e isso é ótimo. - afirmou.
-Considero o Seedorf mais do que um jogador, um cidadão do mundo. -afirmei.
-Ele leva a sério a profissão.
-Quando o Botafogo jogou, recentemente, em Brasília, Seedorf foi a uma escola e palestrou para as crianças. Disse, entre outras coisas, que morou muito tempo na Holanda, onde a venda de drogas é liberada, e, mesmo assim, nunca quis experimentar uma delas, porque os malefícios são terríveis.
-A criançada segue os ídolos. - disse ele.
E prossegui:
-Além de falar quase sem sotaque o português, tem um vocabulário rico. Ainda no rescaldo da final do campeonato, quando chorou, uma jornalista perguntou se ele era emotivo e Seedorf respondeu: “Eu sou intenso”.
Despedimo-nos na Modigliani, quando os olhos do Botafoguense ainda dardejavam de felicidade pelo título de campeão carioca.

No táxi do Vereador, conversamos sobre o último temporal.
-Rapaz, por volta de 100 árvores caíram.
-O órgão responsável pela poda das árvores não faz a coisa direito, e o resultado é esse. - criticou.
-Eu cheguei ao trabalho por volta das seis e vinte da manhã, e tudo parecia normal. Uns quinze minutos depois, me surpreendi com o barulho do vento e da chuva nas janelas.
-Eu recolhi meu táxi por algumas horas.
-O temporal começou na zona oeste, pois uma colega minha, que mora em Campo Grande, disse que o vendaval apareceu por lá umas cinco e meia...
-O que essa prefeitura faz? Nada...
-No laudo dos alemães sobre o Engenhão, consta que o estádio não suportaria ventos de mais de 60 quilômetros por hora, este foi de 96, e o estádio não caiu. - comentei.
-Rapaz, se eu for contar a história dessa construção...
-Numa coisa, creio que todos concordam: João Havelange não pode ser o nome do estádio. - frisei.
-Esse embolsou muitas propinas. - bradou, enquanto parava o táxi na minha rua.

-Modigliani. - informei ao taxista da quinta-feira.
Silêncio.
-Obrigado. - disse ao saltar.



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