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terça-feira, 26 de junho de 2012

2170 - aprender alemão 2


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3970                                           Data: 17 de junho de 2012
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84ª VISITA À MINHA CASA
2ª PARTE

-Com a desilusão amorosa, a sua criatividade irrompeu como um vulcão.
-Eu diria que, sem as amarras jurídicas, pude atender à minha vocação.
-Foi quando você saiu de Wetzlar e se estabeleceu em Weimar?
-Sim; escrevi Die Leiden des Jungen Werther, “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, poemas como  Prometeus, peças de teatro, algumas curtas, e dei início ao Faust, “Fausto”.
-”Fausto”, a obra-prima da literatura alemã. - interferi, extasiado.
E prossegui:
-Como “Werther”, eu conheci “Fausto” através da música. Essa obra motivou duas grandes óperas, “Mefistófoles”, de Arrigo Boito, e “Fausto” de Gounod. Quando eu tinha 15 anos de idade, ouvi, pela Rádio MEC, uma récita do “Mefistófoles”, no Teatro Municipal, com o soprano Magda Oliviero no papel de Margarida e fiquei embevecido.
-E não se interessou em ler o meu livro, nessa época?
-Li anos depois. As traduções do “Fausto” eram criticadas porque, além da dificuldade em verter os seus versos para o nosso idioma, eram traduções de segunda mão, ou seja, recorria-se aos tradutores franceses. O eminente poeta português, Antônio Feliciano de Castilho, traduziu o “Fausto” do francês para a língua de Camões. Eu já estava com mais de 25 anos de idade quando lançaram uma tradução diretamente do alemão para a nossa língua, que recebeu elogios comedidos. Comprei o livro, li, mas lamentei o fato de o tradutor não se aprofundar mais nesse trabalho.
-Depois, falaremos mais do “Fausto”.
-E o seu começo em Weimar, Goethe?
-Carlos Augusto, em 1775, herdou o governo de Saxe-Weimar-Eisenach e me convidou para conhecer a capital do ducado. Aceitei, confesso, porque pretendia fruir os prazeres da corte. O príncipe Carlos Augusto, no entanto, me nomeou ministro e, assim, fiquei comprometido com alguns setores do governo. Exerci, por isso, serviços administrativos como inspecionar minas e irrigação do solo.
-Foi nesse período que você conheceu outra Charlotte?
-Charlotte von Stein, amor que resultou em duas mil cartas e bilhetes.
-Daria para escrever mais um romance epistolar. - brinquei.
-Com o trabalho político-administrativo do dia a dia, ainda encontrei tempo para a poesia. Trabalhei em outra obra, esta em prosa, “Ifigênia em Táuride”.
 Em seguida, voltou-se para mim com a expressão irônica.
-Já sei: conheceu primeiramente a ópera e depois leu o livro.
Eu, de fato, conhecera a ópera de Gluck, mas não havia ainda lido o romance de Goethe; limitei-me a sorrir, apenas.
Ele prosseguiu com as obras da sua lavra naquele período.
-Egmond...
-Que inspirou a “Abertura Egmond”, de Beethoven. - adicionei.
-Torquato Tasso...
-Que inspirou o poema sinfônico “Tasso”, de Franz Liszt.
-”Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister e os poemas Wandrers Nachtlied, Grenzen der Menschheit e Das Göttliche.
-Algum desses poemas é “O Aprendiz de Feiticeiro”?
-Você deveria estudar alemão. - sugeriu.
-O seu poema ”O Aprendiz de Feiticeiro” inspirou o scherzzo do compositor Paul Dukas, com o mesmo nome, que, por sua vez, se transformou num dos maiores desenhos animados já feitos, do filme “Fantasia”, de Walt Disney, protagonizado pelo Mickey Mouse.
-Eu escrevi “O Aprendiz de Feiticeiro” em 1797.
-Mas certamente muitos dos poemas que você citou foram musicados por Franz Schubert e Robert Schumann, os dois maiores criadores de lied que existiram.
-Estamos, neste pequeno resumo das minhas memórias, em 1780.
-Isso.- confirmei.
-Em 1780, um pouco antes, um pouco depois, a minha curiosidade intelectual se voltou para as ciências naturais: geologia, botânica, osteologia...
-Lembro-me que, quando estudei botânica, na 2ª série ginasial, a professora falou que a definição de flores era sua: folhas modificadas. Sei que havia maiores complexidades, mas ela se restringiu a isso. - interrompi.
-Você se recorda de eu ter falado em Johann Gottfried Herder?
-Sim, o teólogo que lhe abriu as portas para a leitura de Homero, Shakesperare e Ossian.
-Correto; eu e ele nos tornamos membro de uma sociedade secreta, os Illuminati.
-Illuminati?... - expressei estranheza.
-Era a Maçonaria Iluminada, que alcançou grande prestígio entre os intelectuais europeus. O governo da Baviera, temendo conspirações, proibiu as reuniões dos Illuminati.
-E o seu trabalho na administração pública de Weimar e seu relacionamento com Charlotte von Stein?
-Naquela altura da minha vida, eu entrei em crise, tudo me entendiava; precisava renascer como as águias que envelhecem.
-E o que você fez?
-Sem avisar a ninguém, e usando um pseudônimo, pois fiquei conhecido na Europa com “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, parti para a Itália.
-Partiu em 1786?
-Sim, e fiquei na Itália durante dois anos; passando por Verona, Veneza, Lago di Garda, Roma. De Roma, onde fiquei mais tempo, visitei Nápoles e Sicília.
-Infelizmente, ainda não li as suas impressões sobre a Itália, mas soube de leitores que reclamaram do fato de você dedicar muitas páginas à observação das pedras.
-Eu olhava as pedras italianas como um estudioso de geologia.
-No Brasil, José Bonifácio e a Princesa Leopoldina de Habsburgo mantinham longas conversas acadêmicas sobre as pedras brasileiras.
-Na Itália, fascinaram-me as construções e obras de arte da antiguidade clássica e renascentista. Encantaram-me, sobremaneira, as obras de Rafael e Andrea Palladio.
-Com certeza, você não parou de criar.
-Desenhei muito, eu tinha de reproduzir aquelas belezas no papel. Como fui grato ao meu aprendizado de desenho, xilografura e gravura em metal.
-Um economista brasileiro, Roberto Campos, citava por diversas vezes uma anotação sua, quando um guia turístico não soube explicar de maneira cristalina uma pintura, recorrendo a frases sem sentido.
-Lembro-me desse caso; quando pediram ao guia para ser mais claro, ele disse: “Aqui, na Itália, para se entender alguma coisa, é preciso de um pouco de confusão.” Eu anotei, prontamente, essa frase.
-Quando você voltou a Weimar, depois da longa ausência, conheceu a mãe do futuro filósofo do pessimismo, como ficou conhecido, Johana Schopenhauer? - cuidei de não colocar veneno algum nas minhas palavras.
-Mãe e filho não se entendiam muito bem, embora ela fosse uma animadora cultural, como se diz hoje.
-Depois, você conheceu Christiane Vulpius, uma jovem de 23 anos, de origem simples e sem colocação na sociedade burguesa.
-Casamos em 1806 e só nos separamos quando ela faleceu, em 1816.
-No ano do seu casamento, as tropas francesas entraram em Weimar. Foi quando se avistou com Napoleão Bonaparte, e ele  disse sobre você: “Aqui está  um homem.”
-Isso foi em 1808, no Congresso de Erfurt, quando ele me condecorou.
E mostrou-se aflito:
-Tenho de partir e não falei de Schiller.
-Outro gênio da literatura alemã. - frisei.
-Infelizmente, ele morreu cedo, o que me arrasou, mas com o seu incentivo, retomei a escrita do “Fausto”. Após 16 anos de trabalho, finalizei o livro em 1830, dois anos depois, em 1832, morri.
-Morreu só fisicamente. - disse, enquanto se volatizava à minha frente.

Um comentário:

  1. Gostei muito dessa forma de abordar a vida de Goethe. Foi uma leitura gostosa.
    Um abraço,
    Lu

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