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segunda-feira, 11 de junho de 2012

2162 - leva e traz, paz e traz


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3962                                     Data: 02 de junho de 2012
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82ª  VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA

Sentado na poltrona lá de casa, despertei, depois de muito toscanejar, quando vi Olavo Bilac à minha frente.
-Estou pasmo. - reagi.
-Vim assistir à final do campeonato carioca de futebol, no Engenhão, e resolvi dar uma esticada até aqui.
-O Nélson Rodrigues está, com certeza, evocando os mortos a saírem de suas tumbas para comparecer à decisão do campeonato carioca de 2012.
-Sim, eu vim assistir a ela, mas não sou tricolor, sou botafoguense.
-Eu sei que, apesar de você ter morrido com pouco mais de 50 anos, em 1918, viu o Botafogo das grandes goleadas e feitos épicos.
-O futebol no meu tempo era ainda muito elitizado, o Botafogo, o Fluminense e o Flamengo não permitiam que as pessoas do povo praticassem o esporte bretão nos seus clubes. No ano seguinte à minha morte, soube que, finalmente, o Brasil venceu um Campeonato Sul Americano, e que, um garoto pardo, que era um gênio, compôs o choro “1 a 0”, o resultado da nossa vitória sobre o Uruguai.
-Olavo Bilac, eu o admiro desde que li seus poemas nos livros de Linguagem da Escola 9-10 Manoel Bomfim.
-Manoel Bomfim foi um excelente historiador, nós éramos muito amigos. Escrevemos alguns textos em parceria.
Depois de expressar entusiasmo, perguntou-me com seriedade.
-O fato de tomar conhecimento da minha poesia como estudante de calças curtas não foi uma estopada para você?
-Aborrecimento para mim?... De jeito nenhum. Essa história de não se gostar de Camões, Machado de Assis, Eça de Queirós, etc, porque, na escola, tiveram de enfrentar longuíssimos períodos desses autores e analisá-los sintaticamente, é desculpa de quem dá férias prolongadas aos neurônios.- manifestei-me.
-E quais os meus versos você conheceu primeiramente?
-Creio que eu estava no terceiro ano primário, quando tive de decorar...
E recitei os alexandrinos:
“Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste.
Criança, não verás nenhum país como este.”
Olavo Bilac, que dedicou algumas das suas obras aos petizes, sorriu.
-Durante muito tempo, fiz a minha parte patrioteira, até exagerei. Disse até, porque ouvi uma professora falar, que “O Guarani” era a maior de todas as óperas. Quando meu pai me ouviu, perguntou-me onde eu aprendera tamanho disparate e mandou-me ouvir Verdi.  Depois, amadureci e constatei que me fantasiaram tudo, até o Brasil. Este verso seu: “Criança, não verás nenhum país como este...”
-Pois é, a minha intenção era patriótica, mas...
-Na verdade, você fez humor negro.
-Mesmo longe do estéril turbilhão das ruas, agindo como poeta, tive a minha participação cívica, como bom republicano que eu era.
-Eu também cantava, na escola, o Hino à Bandeira, cujos versos são seus e é um dos que mais gosto.
-Andaram criticando-me o “Salve símbolo augusto da paz”. Disseram que Augusto da Paz é nome e sobrenome.
-Como eu não conheci, até hoje, um único Augusto da Paz, não alterei a minha admiração por esse hino.
-Paz e traz é uma rima rica e eu ainda precisava de uma palavra de três sílabas, iniciada por vogal, para formar o verso de nove sílabas. Não notei, portanto, que nome e sobrenome de pessoa se ocultavam aí.
-Você era um parnasiano, detentor de um nome que é um alexandrino irretocável: Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac.
-A união dos meus pais, pelo resultado, teve as bênçãos do parnasianismo. Não falo para me exaltar.
-Você nasceu em 16 de dezembro de 1865?
-Sim, e morri doze dias depois do meu aniversário, em 28 de dezembro de 1918, com 53 anos de idade.
-Como se chamava seu pai?
-Brás Martins dos Guimarães Bilac, que foi médico, trabalhando muito na Guerra do Paraguai. Minha mãe se chamava Delfina Belmira Gomes de Paula.
-Do seu pomposo nome, ficou Olavo Bilac.
-Uma redondilha menor. - brincou.
-Você, desde pequerrucho, sentia uma atração irresistível pelas palavras?
-Na escola, eu me deliciava, principalmente, com os livros de Júlio Verne; eles expandiam a minha fantasia.
-Sei que você foi um aluno aplicado à frente dos colegas da sua idade.
-Consegui, com 15 anos, antes da idade exigida, autorização para cursar a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Mas não era essa a minha inclinação, até então a vontade do meu pai se impunha.
-Não totalmente?... - intervim.
-Não totalmente, pois a condição para eu assistir às aulas de anatomia era eu trabalhar na redação da Gazeta Acadêmica. Como o fascínio pelas palavras me subjugava cada vez mais, o Brasil perdeu um médico. Larguei a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e rumei para as terras paulistanas com a missão de estudar Direito. Não durou muito, a minha vocação falou mais alto; retornei ao Rio de Janeiro para escrever.
-E dava para viver? - intrometi-me sem conseguir escoimar a ironia da minha pergunta.
-Para sobreviver, naquele período, fui inspetor escolar.
-E como você chegou a esse posto?
-Eu era jornalista, poeta e frequentador de rodas de boemia, onde se palestrava sobre política e, principalmente, literatura. Meus contatos nessas rodas conseguiram para mim um cargo público.
-Inspetor escolar. - concluí.
-Para amealhar alguns cobres, servia.
-Não era um cargo à sua altura. Medeiros e Albuquerque escreveu no seu livro de memórias que você era um conversador infatigável e cativante, que tinha uma voz muito bem timbrada, que lia e dizia de um modo perfeito.
-Fui muito amigo dele e do seu irmão, muito mais novo, que se tornaria um grande médico, Maurício Campos de Medeiros.
-Outro talento seu era para as charadas.
-Apetecia-me decifrá-las. No fim de cada ano, editavam para o público o Almanaque de Lembranças que consistia em elucidar charadas, enigmas e logogrifos. Eu dedicava dois, às vezes três dias, à tarefa de solucionar todo o almanaque. Era necessário ter uma paciência de chinês, mas ela não me faltava.
-Conheço a Rosa Grieco, filha de um crítico literário que, quando versejou na juventude, foi influenciado por você, ela pratica essa mesma ginástica dos neurônios.
-Charadas, enigmas e logogrifos exercitam, realmente, a nossa mente.
-Dizem que, assim, você se aprontou para elaborar o seu dicionário analógico da língua portuguesa.
-Talvez.
-E as agruras da política, Olavo Bilac?


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