----------------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 3968 Data: 10
de junho de 2012
---------------------------------------------------------------------------------
CARTA DA LEITORA
Amigo Carlos,
Sugiro que leia o anexo (1), aprendi o
termo com o tal livro inglês do inglês Borrow, o fulano era da pá virada (ainda
se usa a expressão?) (2), foi vender Bíblias protestantes na Espanha nos
primórdios do século XIX, quando os ibéricos eram católicos até a medula.
Escapou de ser fuzilado, enforcado ou até assado.
Noutro livro se deu bem (The Romany Rye)
vivendo com os ciganos. Noutra mancada, aprendeu galês para visitar o país
irmão (The Wild Wales) e quase foi preso como espião, quem poderia crer que
alguém aprendesse tal idioma sem espúrias intenções?
Fiquei deveras sensibilizada com a nímia
gentileza que me foi presenteada, na pesquisa sobre a minha curiosidade, já
velha de 15 anos (desde 1997). (3) Redobrou o apreço que lhe dedico. E ainda
veio com a gravura do PRÉ-RAPHAELITA (sic) que admiro, gosto demais do Rossetti
(e também do coleguinha Millais).
Vossência é um mago do teclado, não
tenho capacidade para manusear apetrechos, sei lá se batucando de leve iria
sentir o prazer que sinto escabichando alfarrábios, incunábulos e palimpsestos,
é como se estivesse saboreando alcachofras pétala a pétala.
A história da cançoneta é variegada (4),
até manchas verdes sugerem amassos na grama, a falta que fazia o Cartago em Del Castilho (5). Seu
empenho em descerrar meus olhos é cativante. Sei o quanto é atarefado
perseguindo táxis e invadindo superlotados vagões de metrô. Ser-lhe-ei grata
enquanto os rios correrem para o mar! Ixe Maria, já comecei a tripudiar...
Como diria a proverbial D.Isaura: “Quem
sai aos seus não degenera.” Passemos à lauta fornada de BMs:
BM 3853 – Mea culpa, sempre
atribuí o “arrecua os arfes” ao Neném Prancha, o Arubinha não conhecia de beca
nem Meca (6). O Isaac Newton mereceu ser
chamado, em Roma, de Isacco, batizando uma rua em que fui quase atropelada por
desvairados ciclistas em competição esportiva (7), morte grandiosa para uma
suburbana: seria enterrada ao lado do Keats (“A thing of beauty”, etc). BM 3860
– Não vi o “No Velho Chicago”, porque não era admiradora do Tyrone Power nem do
Ameche (só valeu em “Cocoon” e “Trocando as bolas”), por via das dúvidas (outra
expressão paleolítica) trabalhava também Alice Faye? (8).
Dos filmes dedicados a “catastres sem
arfes”, revi na máquina de fazer doidos (9) “São Francisco, Cidade do Pecado”,
não pelo Clark Gable, que só ficou potável como Rhett Butler, mas pelo Spencer
Tracy, Jeanette MacDonald operatizando e causando tremores (10). Achei
espetacular a encenação do terremoto, fiquei apavorada com o desenrolar do
sismo. Até recusei convite de amiga Embaixatriz (sic) (já é falecida) em
Santiago do Chile, pagava passagem e me hospedava na Embaixada, aleguei temer
os constantes terremotos às margens do Mapocho. Ela garantiu que eram só
“tremblores”, eles lá e eu aqui, dispensei-os (11).
Apresento minhas despedidas com
fraternais amplexos.
R.
(01) O anexo a que se refere a remetente é uma crônica do Pasquale Cipro
Neto, na Folha de São Paulo, sobre a CPI do Carlinhos Cachoeira, quando foi
bradada a palavra “alcagueta”. Basta reproduzirmos um parágrafo apenas dessa
crônica para entendermos o início da carta em questão:
“Sabe qual é a origem de “alcaguete”?
Recorramos ao “Houaiss”, que diz que o termo vem do espanhol “alcahuete”, que,
por sua vez, vem do árabe “al-qawwad”, que significa Elaiá! Significa
“alcoviteiro” (modernamente “cáften”, que, na boca do povo, lá no Mooca e em
todo o Brasil, vira “cafetão”). Quem serão as prostitutas que ficam sob a
“´égide” desses cafetões? Sabe Deus! E que Deus nos proteja! É isso.”
Mas as frases manuscritas pela Rosa
Grieco, à margem dessa crônica, esclarecerão tudo:
“Li no saboroso “The Bible in Spain” de
George Borrow que “alcahuette” era o olheiro dos contrabandistas que alertavam
sobre a vinda dos policiais, nada a ver com cáftens. O escritor George Borrow é
ótimo, li mais duas obras dele. É isso aí, Rosa.
(02) Histórico: quando a pá está virada para baixo, voltada
para o chão, não tem utilidade, por isso “pá virada” significava vadio,
vagabundo. Com o passar do tempo, a expressão mudou de sentido, passando a
designar um aventureiro corajoso. Como notou a Rosa, a expressão é pouco usada
atualmente.
(03) Trata-se da canção “Greensleeves”. Alguns dizem que
ela surgiu na Era Elizabethana, mas Shakespeare, na comédia “As alegres
comadres de Windsor”, a cita, o que nos leva a crer que foi composta no reinado
de Henrique VIII.
Muitos compositores a reverenciam
musicalmente, como os Beatles em “All you need is love”.
(04) Há quem vislumbre conotação sexual nessa belíssima
canção de autor desconhecido.
(05) Cartago é um motel, edificado há poucos anos, em Del Castilho. Antes ,
alguns casais se encontravam no campo de futebol da pracinha “Sangue e Areia,
que não tinha grama e iluminação noturna.
(06) Muitas frases futebolísticas foram atribuídas ao
Neném Prancha, por exemplo: “Se macumba desse resultado, o campeonato baiano
terminaria empatado” é do João Saldanha. Da autoria de Neném Prancha, todos
concordam, é esta frase: “o goleiro deve treinar tanto que tem de dormir com a
bola, se for casado, deve dormir com as duas.”
(07) Rosa faz alusão ao BM 3854, o que recebeu o título
“Padeiro assa Londres”. O número dos BMs citados, aliás, estão diminuídos em
100, um erro que ocorreu quando meu computador voltou do conserto. A correção
só foi realizada nesta semana, quando suspeitei que algo estava estranho na
numeração.
(08) Alice Brady, e não Alice Faye atua nesse filme, de
1937, dirigido por Henry King, e ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante.
Morreria dois anos depois com apenas 48 anos de idade.
(09) Foi o humorista Sérgio Porto, que teve programas
televisivos, que chamou a televisão de máquina de fazer doido, nos anos 60.
O filme de Fellini, “Ginger e Fred”,
mostra o quanto o Sérgio Porto, também conhecido como Stanistaw Ponte Preta,
estava certo.
(10) Jeanette MacDonald exibiu os seus trinados
principalmente nos filmes em que atuou com o barítono Nelson Neddy. Era uma
dupla que se restringia à arte cinematográfica, apenas, o que não era o caso do
tenor Mario Lanza. Este tinha condições de se apresentar num teatro de óperas,
mas não conseguiu porque ficou estigmatizado como cantor de cinema. Muitos anos
depois de morto, viveu apenas 38 anos, a sua voz foi enaltecida por Placido
Domingo e Luciano Pavarotti.
(11) Rosa Grieco não quis ser a Mary Graham do século XX.
A inglesa escreveu sobre o terremoto que viu no Chile e foi citada numa
discussão científica, em Londres, até por Charles Darwin.
Nenhum comentário:
Postar um comentário