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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3965 Data: 07
de junho de 2012
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O SÁBADO EM QUE O SABADOIDO ENDOIDOU
2ª PARTE
Luca, falando da Rosa, sacou um papel do
envelope que trouxera e me entregou. Tratava-se de uma estrofe de seis versos,
com rima emparelhada, inspirado pelo Causídico Verborrágico. Aqui vai, pois
merece uma leitura:
AO ELIO
Desejado
por homens e mulheres
É
Banquete para duzentos talheres,
É
uma obra-prima de Jeová,
Nada
peço porque ele não dá,
Sábio
como o Marco Aurélio?
Só
pode ser o famoso Elio.
-Manda para o Elio. - pediu-me o Luca.
-Ele vai gostar, embora a Rosa tenha cometido uma
injustiça no quarto verso; se ela comparecesse ao almoço dos 60 anos do Elio,
no Jirau, ele teria pago a conta de vinte e um comensais.
Não me detive na boca livre promovida pelo nosso sábio
amigo porque o Luca passou a falar de um vizinho de prédio.
-Ele passava por mim com um quipá na cabeça...
-Tinha aquelas barba e vestimenta preta?
-Não, Claudiomiro, esses são judeus ortodoxos.
-Dirigi-me a ele com palavras dobre o judaísmo, ele se
mostrou confuso, mas eu esclareci que sou gói... Disse-lhe que, quando jovem,
trabalhei com judeus de origem polonesa e aprendi um pouco de ídiche.
Meu irmão enveredou pela política bélica israelense,
esquecendo-se do truísmo “se queres a paz, prepara-te para a guerra”, mas o
Luca retornou à sua narrativa.
-Soube que ele se chama Joel e que é arquiteto.
Perguntei-lhe, então, se ele conhecia o Elio Fischberg. “O juiz?...” - indagou
ele – conheço. Fui aluno da Dona Sarita, a mãe dele.”
-Dona Sarita foi professora de História do Colégio
Pedro II.”- acrescentei.
-E o Elio? - interessou-se o Cláudio.
-Creio que o Fischberg conhece toda a comunidade
judaica do Rio de Janeiro. Reportei-me a esse vizinho, em um e-mail e o Elio
não só falou dele como do seu irmão. Como eu me mostro interessado nos judeus
provenientes da Polônia, Elio, no e-mail em que me respondeu, referiu-se a uma
parente da Regina, que tem 91 anos e que pode falar tudo sobre essa ramificação
judaica que veio para o Brasil. Para tanto, segundo o Elio, fala-se com o
Carlinhos e marca-se um almoço com ela
em Copacabana.
-Nem cópia desse e-mail chegou à minha caia de
correios internética. - pensei, mas disse outra coisa.
-A Regina é a esposa do Elio.
-A Rosa reclama que o Carlinhos escreve muito mais
sobre o Elio do que sobre mim; expliquei-lhe que o Elio é conhecido por todos o
que não é o meu caso.
-Causídico Verborrágico é boa gente. - frisei.
-Elio é extremamente atencioso, muito educado, um gentleman.
Aqui vão os elogios do Luca, que seriam omitidos caso
fossem dirigidos ao Dieckmann, pois não quero perder os poucos leitores que
ainda tenho.
-Tenho de justificar o apelido que a Rosa Grieco me
deu de “Fonte dos Quatro Rios de Roma”. - falei, enquanto me levantei para
urinar.
-Antes de ir ao banheiro, ouça esta. - deteve-me o
Luca.
E falou de um amigo comum dele e do Vagner que
conhecia pessoalmente a Rosa.
-Afirmou que ninguém é mais erudito do que a Rosa,
exagerou.
Creio que não exagerou, pensei em direção ao banheiro.
Aproveitei a proximidade e fui ao quarto do Daniel, que tocava teclado.
-Não tocou mais “It's a wonderful world”?... -
critiquei com esta pergunta o rock que tocava.
-Eu filmei “It's a wonderful world” e você levou uma
cópia no pendrive. Eu vestia uma camisa do Fluminense, lembra-se.
-Daniel, vista agora a camisa do Flamengo e canta “Meu
mundo caiu.”
De volta à sessão do Sabadoido, Cláudio lidava com o
copo de bebida enquanto o Luca e o Vagner o observavam. Passaram a tratar do
crime passional que acontecera na padaria do antigo ponto de bonde do Cachambi.
Um tenente-coronel da Polícia Militar se atracou com o filho do dono, pelo que
entendi, e, em dado momento, fuzilou com um tiro de revólver o seu rival. Luca
se deteve no mérito do homicídio, enquanto o Cláudio considerou os reflexos
desse crime no trânsito.
-Houve engarrafamento em várias ruas.
Como eu peguei o camburão andando, ou seja, o bonde,
apenas ouvi.
Em seguida, Caetano Veloso passou a ser o assunto.
-Há quatro colunas que ele não fala do Moreno. -
pilheriou o Cláudio.
-Vamos ver quantos domingos ele consegue aguentar sem
falar do filho.
A essas palavras, Luca emendou:
-Reinaldo voltou a elogiar o Caetano Veloso. Carlinhos
fez a defesa do “ou não”, como o caminho que ele deixa aberto para a
antítese...
-Caetano escreveu sobre os maus imitadores dele que
falam “ou não”. - interferi.
-Mas Caetano Veloso esperou o Chico Anísio morrer para
reclamar.
-Bem, Luca, Caetano Veloso encarou Paulo Francis como
polemista. - argumentei.
-Eu sei que Caetano Veloso é muito inteligente,
defende-se sozinho.
-Não precisa de ajuda de ninguém. - concordou o
Cláudio com o Luca.
-O que o Chico Anísio e o Arnaud Rodrigues faziam com
o Caetano Veloso e o Gilberto Gil estava mais para caricatura do que para imitação.
- afirmei.
Depois, a conversa enveredou para os bailes de
carnaval de outrora em clubes e teatros. Adepto do carnaval de rua,
desinteressei-me por aquela conversa. O desinteresse encheu a minha bexiga e
voltei ao banheiro; no meu retorno, o assunto era o mesmo. Falava-se no Monte
Líbano. Por que não o “Cai do Líbano”, o carnaval dos áureos tempos do
Cachambi, que reunia os moradores de todas as idades do bairro e adjacências,
que, de lambuja, ainda proporcionava os desfiles do Unidos do Cabral, das
Escolas de Samba Inferno Verde, Unidos do Jacarezinho e Unidos do Cabuçu?
Luca e Cláudio tratavam agora do baile de carnaval do
Teatro Municipal. Enquanto falavam, eu
pensava que só mesmo um capricho do ex-presidente Juscelino Kubitschek o levou
a confessar com Adolfo Bloch a frustração de nunca ter comparecido a um
carnaval no templo da música clássica do Rio de Janeiro. Capricho e sovinice,
pois o dono da Manchete lhe arrumou convites para o camarote; por que o JK não
colocou a mão no bolso?... No
Sabadoido, não se discutia a presença do JK, e sim do Luca, no baile do Teatro
Municipal. E, então, deu-se uma
discussão que por pouco não sai do controle,
Eu ouvia, e coçava a cabeça, acabrunhado.
-Caramba, no Sabadoyle eram proibidos futebol,
política e religião, porque suscitam paixões desenfreadas, assuntos que, no
Sabadoido, tratamos sem destempero. E brigamos por causa de carnaval?
-Mas tudo acabou bem, com a lembrança da atuação do
extraordinário lateral direito Djalma Santos, que entrou na partida final
contra a Suécia, na Copa de 58 e parou o melhor jogador adversário, o capitão
Skoglund. E Oduvaldo Cozzi cunhou a bela frase, na sua narração: “Procuro
Skoglund, o deus louro dos estádios escandinavos e encontro o negro Djalma
Santos, velho lobo de outras batalhas.”
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