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segunda-feira, 4 de junho de 2012

2160 - gangsters e drogados


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3860                                   Data: 29 de maio de 2012
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EM CHICAGO, DEPOIS DO INCÊNDIO

Quando nos recuperamos do ópio que fumamos depois do incêndio de Londres, em 1666, olhamos em volta e vimos um cartaz em destaque, numa construção, a palavra Chicago.
-Outro incêndio depois daquele, não.
-O que o apoquenta, Carlos?
-Você não sabe que Chicago sofreu um incêndio nas mesmas proporções do de Londres em 1666?
-Basta você não levar seus biscoitos ao forno...
-Elio, isto não é hora para brincadeira.
-Observe, Carlos que Chicago não é uma cidade construída de madeira, como a Londres que foi assada pelo padeiro do rei.
E prosseguiu:
-No entanto, Chicago era toda de madeira: prédios, casas, ruas, há poucas décadas. E ela já foi uma cidade mais inflamável, quando só era habitada pelos índios, que chamaram o rio mais importante do lugar de Checagou, daí o nome da metrópole.
-Elio, você não aprendeu isso tudo na matéria “História da América”, que estudávamos no 2º ano ginasial, na década de 60?
-Não, assisti ao filme “No Velho Chicago” que, em Portugal, recebeu um título mais nítido: “O Incêndio de Chicago”. Atuaram Tyrone Power, Don Ameche e Alice Brady; o diretor foi o Henry King. Você viu essa fita?
-Elio, certamente o Seu Mário, dono do Cine Cachambi, não colocou “No Velho Chicago” em cartaz, pois eu não perdia um filme do Tyrone Power.
-Talvez você consiga comprar o DVD pela internet.
-Elio, nós correndo mais uma vez o risco de virar churrasquinhos, e você pensando em consumo de filmes antigos através do computador.
-Calma, Carlos, como eu lhe disse, Chicago pegou fogo na época em que era toda de madeira, pois a cidade era o maior fornecedor do mundo dessa matéria-prima. Tinha madeira para o mercado interno, para o mercado externo e para dar em doido.
-A sua piada é boa, mas me diga em que ano ocorreu o grande incêndio de Chicago, já que você viu a película?
-Carlos, eu não sou possuidor da memória da Rosa Grieco, que cita até o nome do figurinista dos filmes a que assistiu?
-Diga-me, pelo menos, se Tyrone Power e Alice Brady se torraram no final?
-Não, o mocinho e a mocinha só saíram, no fim do filme, chamuscados.
-Pelo menos isso! - exclamei.
Calamos por alguns minutos e, depois, resolvemos perguntar a um morador da cidade em que ano ocorreu o grande incêndio.
-Chicago pegou fogo? - foi não só a reação da primeira, como da segunda, da terceira, da quarta pessoas abordadas.
Expressei meu desânimo:
-Elio, a cultura geral do americano é péssima. Vamos parar por aqui e procurar uma biblioteca.
 Na busca de livros, reatamos o nosso diálogo.
-Se estivéssemos na Chicago dos anos 30, ficaríamos ambientados para retornar ao Brasil do mensalão. -comentei.
-Creio que ainda não chegamos aos anos 20 do século passado. - calculou o Elio.
-Você se lembra de mais alguma coisa do filme?...
-Carlos, mesmo que eu me lembrasse, não ajudaria muito, pois Hollywood não respeita os fatos históricos, diferentemente do cinema europeu, que tenta tratar a história com maior fidelidade.
E acrescentou:
-Para os americanos, Bufalo Bill, o maior predador ecológico, é herói.
-Olha uma biblioteca. - apontei.
Rumamos até o local indigitado e entramos; logo, atravessamos corredores e mais corredores de prateleiras de livros até o teto. Caminhei com o pescoço dobrado para o lado, para ler o maior número possível de lombadas dos romances, o que me levou a dar algumas topadas. Em certo momento, eu parei.
-Vamos, não estão aqui os livros históricos. - apressou-me o Elio.
-Elio, aqui está “Deus na Natureza”, do Camille Flamarion. Li e reli esse livro, na minha adolescência e me recordo até hoje de trechos em que o cientista francês combatia os materialistas do século XIX.
-Parece-me que Camille Flamarion enveredou pelo espiritismo de Alan Kardec. - aparteou-me.
-Fascinava-me que ele dizia quantos gramas pesava o cérebro de Beethoven e de outros gênios. Eu ficava encantado, mas quando o livro se esboroou de velhice, eu tinha uns 20 anos de idade, já me perguntava: “Quem mediu esses cérebros?”
-Carlos, não temos mais tempo a perder.
Seguimos, então, para a seção de livros históricos, mas antes de iniciarmos nossa consulta, a funcionária que nos atendeu, a pedido do Elio, falou que estávamos no dia 26 de julho de 1919.
-Achei. - bradou o Elio, sobraçando um alentado volume.
-O que nos diz esse oráculo sobre o nosso paradeiro?- brinquei.
E o Elio, folheando o calhamaço, lia e comentava.
 -Onde há índios, há jesuítas, assim, em 1683, os jesuítas franceses fundaram um assentamento na região, o Fort de Chicago. Mas só em 1779, o comerciante Jean Baptiste Pointe du Sable fundou o primeiro assentamento permanente, na foz do Rio Chicago. Depois de vários conflitos com os nativos, no século XVII, Chicago foi cedida ao governo dos Estados Unidos pelo Tratado de Greenville.
-O que mais, Elio? - mostrei-me impaciente.
-Em 4 de março de 1837, Chicago deixou de ser vila para se tornar cidade. Na década de 1850, grandes quantidades de ferrovias conectou a cidade a outras regiões americanas. Com a Guerra da Secessão, de 1861 a 1865, Chicago cresceu extraordinariamente. Era, em 1870, o maior fornecedor de cereais, gado e madeira dos Estados Unidos.
-E o grande incêndio de Chicago, Elio?
-Ocorreu no verão de 1871; morreram 300 pessoas, 90 mil ficaram desabrigadas, e o prejuízo foi de 200 milhões de dólares no valor da época. O incêndio se iniciou num estábulo depois de um longo período de estio.
-Pelo menos, não começou numa padaria. - comentei.
-Bem, Carlos, podemos esquecer o medo de nos queimar, pois estamos 50 anos à frente.
Caminhando pelas ruas para espairecer, Elio respirava fundo.
-Carlos, estamos na maior cidade dos Estados Unidos à exceção de Nova York.
Meu rosto não mostrava o mesmo contentamento.
-Estamos num período posterior ao grande incêndio e que antecedeu o gangsterismo da Lei Seca. Vamos aproveitar.
-Elio, veja ali aquela cabeça no mar.
-Rapaz, como ele nadou! Parece que veio dando braçadas desde a outra praia.
-A praia dos coloreds.
-Sim, Carlos e ele vai parar na praia do bairro dos brancos.
Logo, ficamos apreensivos.
-É um garoto. - identificamos.
Quando os frequentadores racistas o descobriram pedras foram lançadas contra ele. Alguns, mais sanguinários, mergulharam e saíram em sua perseguição. Assustado, o menino nadou para longe, como se buscasse o Canadá.
Minutos tensos se passaram até que o Elio disse desoladamente.
-Ele se afogou.
Horas depois, o conflito racial estourou; 1000 casas foram destruídas e 38 pessoas mortas: 23 negras e 15 brancas.
Ainda sentindo o cheiro de pólvora, bradei:
-Elio, temos de retornar ao Brasil.






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