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sexta-feira, 8 de junho de 2012

2161 - saudade do táxi preto

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3861                                     Data: 31 de maio de 2012
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TÁXI DE MAIS, TÁXI DE MENOS

Pensava na Rosa Grieco e na sua implicância com os taxistas de Maria da Graça. Estarão eles enredados em clichês e, por isso, não conseguem sustentar uma conversação interessante?... Será este o motivo da implicância da nossa enciclopédica amiga do 86 da Aristides Caire?... Saio de uma pergunta para cair em outra, o que mostra que só ela pode responder essa questão.
Na verdade, o tempo da corrida de táxi da Rua Domingo de Magalhães até a Rua Modigliani é tão curto que não dá para um profissional do volante exibir maiores demonstrações de cultura. Certa vez, o Luca, que aguardava a chegada da Glória do metrô, perto do ponto da Domingo de Magalhães, viu-me e, por isso, houve carona também para mim. Ele basicamente percorreu o mesmo caminho dos taxistas para me deixar em casa.
Um dia, ao ler um Biscoito Molhado em que os contatos com o pessoal da Metrô-Táxi era o tema, a Glória estranhou a duração longa dos diálogos para um percurso tão curto. Segundo a narrativa do Luca, ele explicou que um cronista tem direito de recorrer à ficção. É verdade, mas essa explicação não espelha inteiramente a realidade. Pouquíssimas vezes lanço mão de trechos fictícios, pois os diálogos entre mim e os taxistas fluem com tanta naturalidade que parece que fomos de Maria da Graça a Pavuna.
E as conversas para assuntos mais complexos? Creio que seria necessário, então, um percurso mais longo.
Certa vez, vindo da cidade num táxi, chamaram-me a atenção o emudecimento do motorista e a estação em que o rádio estava sintonizado, a minha velha conhecida Rádio MEC.
Falei-lhe que sempre que podia sintonizava a MEC. Ele se animou e me disse que a música clássica o fazia se esquecer até dos passageiros que transportava. E acrescentou que sempre comparecia às sextas-feiras no auditório da rádio para assistir aos concertos das 17 horas.  A conversação enveredou pelo pai da radiodifusão do Brasil, o insuperável educador Edgar Roquette Pinto que fundou a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923. Treze anos depois, ele a doou ao Ministério da Educação e Saúde. Aquele ilustrado taxista assinalou que a doação foi feita sob a condição que a rádio transmitisse apenas programação cultural/educativa e assim foi feito até 1995, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso desvinculou a Rádio MEC do ministério, tutelando-a à Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Com essa lambança, concordamos os dois, os asseclas do Franklin Martins defendem, no “Observatório da Imprensa”, na rádio que foi do Roquette Pinto, os quadrilheiros do mensalão.
Era de fato um assunto complexo para ser conversado numa corrida de táxi da Domingo de Magalhães à Modigliani.
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A cada rampa que eu descia da estação de Maria da Graça, a minha preocupação aumentava: nenhum táxi no ponto. Continuei em frente, já tendo superado a última rampa, quando surgiram (que beleza!) dois. Acelerei as passadas e me coube uma corrida até em casa com o 081.
-Tudo bem, Patrício. - gritou quando abri a porta do seu carro.
O 081 fala com alguns decibéis fora de modulação, mas ao contrário de um português que foi meu vizinho, a sua voz alta não agride os ouvidos. Acredito que se ele me dirigir a palavra num tom normal, eu reagirei com a pergunta:
-O quê?
-O rádio disse que precisava de reforço no ponto de Maria da Graça.
-E necessitava mesmo, durante um bom tempo não vi um carro da cooperativa. - exagerei.
-Estamos aqui. - bradou.
Com os meus botões, critiquei o desleixo do 081 com o seu bem de capital. Com mais de vinte imóveis, padarias e outros negócios, ele não deveria trabalhar num veículo em que a porta range, em que sinto a cadeira se mover, às vezes, sob o meu traseiro... O cunhado da Ivete, que não possui, com certeza, 10% do seu patrimônio, roda, agora, com um Honda Civic.
-Você quer que eu dobre à esquerda.
Estranhei, pois ele dobrava logo à esquerda, onde tínhamos de parar nos demorados sinais de trânsito das ruas Fernando Esquerdo e Conde de Azambuja.
-Creio que é melhor seguir em frente para dobrar è esquerda mais adiante.
Ele seguiu a minha recomendação.
-Ontem, ao contrário de hoje, o ponto estava apinhado de táxis, até o Machado estava lá.
-Machado sempre aparece embora tenha mudado de cooperativa. Deixem o Machado ganhar o dinheirinho dele. - manifestou-se.
-Ele sempre faz uma fezinha no bicho.
Depois, olhou para uma rua que surgia.
-Vou virar aqui.
Vi a placa num poste da esquina e o alertei:
-Aqui é contramão.
 -Não é contramão, não. - disse, com o seu táxi já trafegando na tal rua.
Alguns segundos depois, acrescentou:
-É contramão sim.
E vociferou:
-Eles mudam e não avisam nada.
-Os seus colegas sempre dobram à esquerda uma rua acima desta.
Enquanto o 081 teimava que até pouco tempo atrás o sentido correto era o dele, da esquerda para a direita, eu respirava aliviado pelo fato de o trânsito ser praticamente nenhum naquela hora, naquele lugar.
-Viu aquela mulher?- perguntou pela altura da Rua Luís de Brito.
-Não reparei. - respondi.
-Conheci anos atrás. Como está acabada! Eu, muitas vezes, me olho no espelho e me espanto com a minha mudança...
Não se olhe no espelho. - pensei sem me manifestar.
-É aqui? - perguntou já na rua Modigliani.
-No segundo poste. - indiquei.
Como das outras vezes, não acionou o taxímetro. Saquei a costumeira nota de 10 reais, enquanto esperava  2  reais de troco. Nesse ínterim, senti o táxi mover para trás e percebi que o freio de mão não fora puxado. Houve, então, um solavanco.
-Que porra é esta?- gritou o 081.
O carro bateu num pequeno buraco.
-O senhor não puxou o freio de mão.
-Ele quebrou, mas só vou consertar amanhã.
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No dia subsequente, peguei o táxi do Demerval, o Paizão, e lhe falei do reforço que foi pedido pela central da cooperativa, ontem.
-Nesta hora?- surpreendeu-se.
-Sim, quando eu volto do trabalho. Por outro lado, tenho visto muitos carros da Metrô-Táxi  na rua Van Gogh, às 6 horas da manhã, até mesmo o 009 do Gaguinho.
-Eu estou começando a trabalhar agora; vou das 4 da tarde à meia-noite, afinal, existem os passageiros da noite.
-Um colega meu, que vinha do Unibanco por volta das 11 da noite, disse-me que pegava o táxi do Gaguinho.
-Esse era outro Gaguinho. - interveio.
-Eu sei, aquele se chamava Messias e já morreu.
-Está sabendo, hein!...
Por que essa admiração se você mesmo me contou a história do Gaguinho do passado. - pensei sem nada dizer.
Em seguida, Paizão me narrou um caso humorístico com o Messias, com sabor de novidade, quando, na verdade, ele o requentava.
-Muito engraçado. - fingi.
Desci do seu carro desejando-lhe um bom serviço.

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