Total de visualizações de página

quarta-feira, 13 de junho de 2012

2164 - discussões no celulóide


---------------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 3964                                       Data: 05 de junho de 2012
---------------------------------------------------------------------------------

O SÁBADO EM QUE O SABADOIDO ENDOIDOU
1ª PARTE

A parede ainda impedia a minha visão dos participantes do Sabadoido, quando o Luca bradou:
-Como dizia Nélson Rodrigues: “Se os fatos não confirmam as minhas palavras pior para os fatos”.
Ainda bem que não citou o lema das raposas felpudas do extinto PSD de Benedito Valadares, José Maria Alckmin e outros: “O que importa não é o fato, é a versão”. Assim, cheguei tranquilo àquela primeira sessão do mês de junho do Sabadoido, pois não tratavam de política, e sim de cinema.
-A crítica colocou nas alturas, mas eu não suportei “Paraísos Artificiais”. Eu, que nunca saio no meio de uma projeção, dessa vez, eu saí.
-Não me diga, Claudiomiro, pois eu tinha intenção de assistir a esse filme. - desapontou-se o Luca.
-Pode ser que você goste, como a crítica gostou. Eu não quero sugestionar ninguém. O que fala de cinema da Rádio CBN, Marco Petrucelli, por exemplo, elogiou muito o filme.
Marco Petrucelli é uma espécie do Adolfo Cruz da antiga Rádio Nacional, que falava de cinema como adepto da sétima arte, mas sem a bagagem de conhecimento de críticos como Ely Azeredo, Sérgio Augusto, entre outros. - pensei.
-Dizem que o ambiente dos viciados em droga está bem retratado na fita.
-Sim, Luca, está bem retratado, a música é tocada em alto volume como os drogados gostam... talvez, por isso, o filme não me agradou.
É como estar sóbrio no meio de bêbados – assim se sentiu meu irmão. - deduzi.
-Vagner comprava muito a revista Cinemin, mas não deve se lembrar que muitas vezes ela publicava a lista dos dez maiores filmes.
-Lembro-me sim, Luca. - protestou o comprador da revista.
-Não era a listagem dos melhores do pessoal da Cinemin, mas a das diversas publicações sobre cinema no mundo.  Houve um sábado aqui, sem a presença do Vagner, em que comecei a citar uma dessas listas da Cinemin, e o Carlinhos perguntou por um filme.
E voltou-se para mim.
-Você se lembra qual era essa fita?
-Carlinhos não tem mais aquela memória privilegiada. - reportou-se a Gina ao diálogo que travamos eu, ela e o Daniel, meia hora antes, sobre a participação do Brasil nas copas do mundo, e revelei o meu esquecimento dos feitos do escrete brasileiro de 1994 para cá.
-Cidadão Kane não foi, porque é presença obrigatória em todas as listas sérias das dez maiores obras cinematográficas. - manifestei-me.
-É claro. - confirmou o Luca.
E insistiu no suspense:
-Não se lembra mesmo do filme que você considerou um dos melhores?
-São tantos.
-“Um Corpo que Cai”, de Hitchcock. - revelou o Luca.
Pretendia falar da predileção que os pares de Alfred Hitchcock nutriam pela sua obra, principalmente após o livro lançado por François Truffaut, que o entrevistou, mas Luca se pôs a comentar e a ler um artigo do Ruy Castro na Folha de São Paulo.
-Escreveu o Ruy Castro que, desde 1952, a revista britânica “Sight and Sound” pede a críticos de toda parte a relação dos 10 maiores filmes do cinema. Na primeira vez, ganhou “Ladrões de Bicicleta”.
-Do Vittorio De Sica, eu escolho “Umberto D”. - aparteei.
-“Cidadão Kane” se tornou campeão absoluto desde 1962. - prosseguiu o Luca.
-E “Casablanca”? - talvez houvesse uma entonação irônica na pergunta do Cláudio pelo excesso de romantismo.
-Nem de leve falam em “Casablanca”, Claudiomiro.(*)
-Eu trouxe pra vocês “A Dama Oculta”. - disse-me o Vagner.
-É um filme da fase inglesa do Hitchcock. Porque a Inglaterra não participou de Copas do Mundo até 1950 foi chamada de “A Dama Oculta”.
-E quando jogou, na Copa de 50, foi derrotada pelos Estados Unidos em Belo Horizonte por 1 a 0. - completou as minhas palavras o Cláudio.
Luca retornou ao texto do Ruy Castro. Leu que “O Encouraçado Potemkin” de Eisenstein mantinha o prestígio, como “A Regra do Jogo” de Jean Renoir.
-Trata-se do filho do grande pintor impressionista. - não me contive.
E prossegui:
-O cineasta, ainda bem pequeno, foi pintado pelo pai. É autor de outra obra-prima, “A Grande Ilusão”, muitos a consideram superior a “A Regra do Jogo”.
Luca não largaria as rédeas da conversação facilmente.
-Ruy Castro escreveu que “Um Corpo que Cai” apareceu, pela primeira vez, na lista dos dez melhores, em 1982, em sétimo lugar. No rol de 1992, estava em quarto lugar, no de 2002, em segundo e, em 2012, superará o imbatível “Cidadão Kane”.
E arrematou:
-Carlinhos quando estranhou a ausência de “Um Corpo que Cai” naquela relação da Cinemin de que falamos...
-Quero registrar que, para mim, “Cidadão Kane” está acima de todos os filmes. - intervim.
-Ruy Castro lamentou o desamor ao Charles Chaplin, que colocava dois filmes entre os dez melhores, e hoje não põe um só, perde a realeza.
-Orson Welles considerava “Luzes da Cidade” o melhor filme já feito.
-As pessoas de agora não entendem o mundo chapliniano. - diagnosticou meu irmão.
-Hoje, é a festa junina da Kiara. O menino da Jura vai? - cortou o Luca do cenário cinematográfico para o cenário escolar.
-O neto da irmã da Gina saiu do “Coração de Maria” para outra escola. Minha sobrinha-neta, a Ana Clara, continua lá, porque adora a escola. - esclareci.
-As crianças ensaiaram uma dessas musiquinhas de sucesso que não me agradam. Mas vão dançar também um baião do Luís Gonzaga. Como é o nome?...
-Não querendo torturar a memória, pediu ajuda.
-Claudiomiro, como é o nome do baião do Luís Gonzaga muito conhecido?...
-Luca, não faltam baiões do Luís Gonzaga conhecidos.
E apontou para o armário com sua discoteca.
-Certamente, eu tenho o disco.
Para o Luca, o jeito foi telefonar para casa. A Glória atendeu primeiramente, e ele pediu para passar o telefone para a neta.
-Minha bonita, qual é a música que você vai dançar hoje?
Ela citou um grande sucesso atual, cuja coreografia os jogadores de futebol divulgaram  na comemoração dos seus gols, arrepiando o Luca.
-O baião, Kiara?... Qual é o baião?...
Ela cantou do outro lado da linha, e a expressão do Luca se iluminou. Depois que desligou o celular, entoou:
-”Eu vou mostrar pra vocês/ como se dança um baião/ e quem quiser aprender/ é favor prestar atenção.”
-Não lembrou dessa música, Luca? - reagiu o Vagner, pasmo.


 (*) Lista de filmes é coisa de cada um. Filme bom, mas bom mesmo, é aquele que você vê pela décima vez, quando estava zapeando na TV e não larga. Casablanca é assim, Vertigo é assim, adoro Da Terra Nascem os Homens, A Grande Ilusão chega perto, mas ninguém guenta ver Citizen Kane 3 vezes. O mesmo vale para Ladrões de Bicicletas e outros sofrimentos do gênero humano. De Luzes da Ribalta, fujo correndo

Nenhum comentário:

Postar um comentário