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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

2777 - soprando e estopando


 

 

 

           

 

      O BISCOITO MOLHADO

                      Edição 5027                                    Data: 19 de  janeiro de 2014

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CARTA DA LEITORA

 

-”Agradeço o Sérgio Britto, imersa em 1001 preocupações sobre seus instintos perdulários (1), incluindo os 2 reais que injetou na arte canora do metrô (2). Economize, mire-se no uruguaio presidente e no centenário fusquinha (3). Nos táxis, costumo dar opíparas “pourboires”, os motoristas  não fazem discursos, mas costumam beijar minha mão, nada a ver com “Sweet Charity” e a clássica indagação. “E onde estava a sua mão?”...

Quanto ao talento musical que vos atribuiu Seu Dilmar, em vossa infância (4), veio-me à combalida memória o espanto que provoco quando, impedida pela descontrolada artrose, anuncio que nada sei fazer com a sinistra mão. Sempre questionam: “N-A-D-A?” Nada.

Nunca me levaram ao gratuito Municipal, mas traziam comentários ao 86. Dona GG (Gioconda, sua irmã) voltou histérica de um Guarani hermeticamente vestido luvas, meias e outros atavios para amorená-lo. Penso que era o Del Monaco. Não garanto (5). E o vizinho dela na plateia só acordou no desabamento final (6).

A irmã-cupim (Berenice) e a proverbial mamã (Dona Isaura) voltaram sufocadas de riso, o galã da tuberculina transviada era a cara do nosso leiteiro (7). 

Todo suburbano é apedeuta? Jamais! O taxista 151 até usa “aleatoriamente” no cotidiano (8).

Vi “Fantasia” na primeira exibição, no Brasil, ainda menina (9), fiquei deslumbrada. O papá (Agrippino Grieco), como de praxe, saiu insatisfeito. Ele, eu e a velha Isaura costumávamos ir “cimemar”. Nunca aventava outro comentário, só “Uma estopada!” (10).

O pai da Dilecta e Dona Gioconda se conheceram no Cine Mascote. Ela deixou cair pecúnia em moedas e ele a ajudou a catar. Muito romântico, foram felizes 38 anos. Sempre gostei muito dele.

Vou-me. Ósculos.

R

BM: Esta, como as outras missivas da Rosa, não são para ser lidas de um só fôlego, Vamos por tópicos.

(1) Rosa faz referência ao livro que lhe presenteei “O Teatro & Eu”, do Sérgio Britto, ator que, segundo o Dieckmann, guarda semelhanças com o Sérgio Fortes não só no nome.

Bem, a entrada da estação do metrô da Carioca se transformou numa feira de livros, e, passando por ela, vi “O Teatro & Eu”; veio-me logo à mente às jeremiadas da Rosa. Ela escreveu, em várias cartas, que o seu pai recebia muitos ingressos para o teatro, mas como a família era numerosa (só perdia para a quantidade de livros) e, sendo ela a caçula, sempre ficava fora da festa, apesar de ser a que mais conhecia, entre todos os moradores do 86 (número da casa na Rua Aristides Caire)  Shakespeare, Pirandello, Íbsen, Tchecov, Molière, etc.

Rosa refrescou a minha memória quando aludiu aos dois reais que injetei na arte canora do metrô. Três adolescentes, que me pareceram argentinas resolvidas a esticar a estada no Rio de Janeiro depois da Copa do Mundo, cantaram enquanto tocavam uma espécie de bongô.  “Um sorriso já é o pagamento” - disse uma delas depois da apresentação. Dei-lhe dois reais, embora eu não dê esmola nem que a vaca tussa (a minha vaca não é da raça da vaca da Dilma).

(3) Agora, a Rosa fala do presidente José Mujica do Uruguai, que se veste franciscanamente, apesar de ateu e se locomove de fusquinha velho. Luca, que quase festejou Bodas de Prata com o fusquinha que adquiriu em 1973, deve se identificar com ele nesse particular.

Pepe Mujica é, de fato, uma personalidade que julgávamos em extinção: um esquerdista que não gosta de dinheiro.

(4) Seu Dilmar, de fato, encerrou, com a sua crítica ácida, a minha carreira de assoviador. Eu deveria persistir como Verdi que, reprovado no Conservatório de Milão, não esmoreceu e, depois de tantos triunfos, esse conservatório recebeu o nome dele.

(5) Não, Rosa, não foi o tenor Mario Del Monaco que viveu Peri, em O Guarani, com tantos atavios. Mario Del Monaco, na temporada lírica de 1947, foi um Peri com a vestimenta, ou sem a vestimenta, de um autêntico indígena brasileiro, ou seja, só usou tanga.

Eis o que ele escreveu no seu livro autobiográfico:

-”No Guarani, agradei a tal ponto que me quiseram imortalizar com uma gigantesca fotografia, um pouco engraçada, vestido – ou melhor, despido – como um índio, no traje que usei em cena, para colocar em exposição no museu do Teatro Municipal.

O tenor da estreia da ópera, em 1870, Villani, além de estar exageradamente vestido, usava barba. Há poucos anos, Placido Domingo cantou o papel de Peri com tanta roupa que, segundo a crítica, parecia um soberano inca.

 (6) Mesmo quem não viu a ópera, mas leu o romance de José de Alencar, sabe que o desmoronamento acontece porque o pai de Ceci explode os paióis do seu castelo quando ele é invadido pelos aimorés. 

(7) Apesar de a ópera “A Traviata” de Verdi ser uma cornucópia de belas melodias, como afirma, com toda razão, o maestro Walter Lourenzão, a estreia, em 1853, no Teatro “La Fenice”, de Veneza, foi um retumbante fracasso. O soprano que representava Violetta, mais pesada que uma baleia jubarte, morrendo de tuberculose, provocou gargalhadas na plateia. É verdade que o compositor reviu algumas partes e a relançou para alcançar um triunfo descomunal em todo o mundo. Mesmo com um soprano robusto, como a Monserrat Caballé, cantando essa ópera, o público não deixa de se emocionar com o triste destino da tísica. A comicidade ficou superada para sempre.

Eis que sei agora, por esta carta, que o galã da história deixou uma das irmãs e a mãe da Rosa sufocadas pelo riso porque o apaixonado pela Violetta tinha a cara do leiteiro da rua Aristides Caires. Lembrei-me, então, de um caso que meu pai me contava: “Fui a uma ópera com um amigo, e, em determinado momento, ele me disse: “Já imaginou, Amaury, esta orquestra tocando o “Carinhoso”?

(8) Rosa, os taxistas que conheço não possuem a genialidade para o mal do Lula, mas se expressam num português bem melhor do que o dele.

(9)“Fantasia”, dos Estúdios Walt Disney, é um filme de 1940; calculo que chegou às telas do Méier no máximo em 1942. Você era mesmo uma meninota.

(10) “Uma estopada!” Durante muitos anos, quando alguma coisa era maçante, dizia-se que era uma estopada, palavra ainda encontrada em crônicas do Nélson Rodrigues. Depois, vieram os chatos para nunca mais saírem e estopada só é falada em Portugal, mas não corriqueiramente como antes.

Bem, vou encerrar aqui, porque isso já está se tornando uma chatice.

 

 

 

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