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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

2775 - Na porta do xadrez 2


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5025                                    Data: 16 de  janeiro de 2014

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“TEJE PRESO”

PARTE II

 

Subimos os poucos degraus até uma frente envidraçada com um cartaz em que se exigia a entrega de armas ali. Entramos e considerei o prédio da delegacia em estado razoável de conservação, este, porém, não foi o parecer do Luca, bem mais entendido no assunto do que eu.

-Veja essa luminária, Carlinhos; onde jogamos tênis de mesa a iluminação é igual à daqui. Certa vez, a bola caiu numa luminária dessas, ficando presa, que não houve meio de tirá-la de lá.

No balcão, havia duas moças, cada uma com o seu computador. Dirigi-me à da direita e lhe disse o porquê de eu estar ali. Depois de digitar algumas coisas, com o papel da minha intimação à sua frente, falou que eu procurasse o inspetor Gérson* no primeiro andar.

-Se você não é advogado dele, não pode subir.

Luca driblou com facilidade essa barreira.

-O doutor Deocleciano* está?

-Sim, o delegado está. - respondeu ela.

Então, o Luca subiu comigo.

-Pra todos os efeitos, Carlinhos, somos amigos de infância. - orientou-me quando já pisávamos o chão do corredor do primeiro andar rumo à sala do inspetor, que um faxineiro nos indicara.

“O meu mais recente amigo de infância” - era uma das frases recorrentes do Nélson Rodrigues. Por que não seríamos nós amigos de infância, que nos conhecemos desde 1965, há 50 anos?

Entramos na sala do inspetor Gérson*, um senhor de uns 60 anos de idade, com corpo de glutão e barriga de bebedor de cerveja. Mal lhe entreguei a intimação, Luca lhe fez algumas perguntas:

-Conheceu o delegado Alcides?... A Valéria?... Alcides Lantorno de Jesus.

Sim, o Delegado Alcides, mesmo que não fosse assassinado num supermercado do Recreio dos Bandeirantes, era conhecido por toda a polícia pelo seu jeito peculiar de ser.

O inspetor, enquanto escarafunchava o processo que sacara do arquivo, lamentou não estar aposentado.

-Comecei a trabalhar tarde.

-É sobre o que?

-Isso que eu quero saber. - respondeu ao Luca.

Depois de folhear várias folhas, encontrou o que queria.

-Conhece este número de telefone?- indicou com o dedo.

3276 4313.

-Não. - respondi com determinação.

Depois, titubeei.

-Acontece que lá, em casa, o telefone que se usa mesmo é o da minha mãe. Atualmente, eu tenho um da NET Combo e se o senhor me perguntar, agora, o número, eu não saberei responder. Poucas pessoas telefonam para mim por ele.

-Esse telefone não foi, então, seu?

-Vendo esses algarismos 3, fico em dúvida. É provável que tenha sido.

-Não quer telefonar para o seu irmão?

O Lopo, naquela manhã, como nas outras, com 100% de certeza, estava no Wal Mart ou no Carrefour.

Não insistiu e passou a digitar no computador.

-Estado civil?

-Solteiro.

-Tem companheira?... companheiro?...

-Eu não tenho companheira e, muito menos, companheiro.

Os dois riram com a minha resposta.

-Pode me dar a sua identidade?

Entreguei-lhe a minha carteira de identificação da ANTAQ. Ao ver a tarja verde e amarela, foi irônico:

-Ah, é garoto da Dilma.

-Se você soubesse o que ele pensa da Dilma. - disse o Luca.

-Estão desgraçando o país.

Após esse comentário do inspetor, devolveu-me a carteira e reiniciou as perguntas cujas respostas, em grande parte, se achavam no documento que estivera com ele. Veio, então, o pior: esbarrou numa tecla e tudo foi apagado. Voltou com as mesmas indagações, mas, dessa vez, avisei-lhe que as respostas estavam na carteira que estava de novo à sua frente.

Dessa feita, digitou tudo direitinho. Em seguida, passou para as páginas do processo.

-Conhece José Mauro Dantas*?

-Não. - respondi, enquanto pensava que os amigos do Luca trabalharam bem.

-E Eustáquio de Souza Barbosa*?

-Não.

-Isabel Marques Carneiro*?

-Também não.

Agora, ele passava para as explicações.

-Esse José Mauro Dantas abriu uma conta no Unibanco com documentos desse Eustáquio, já falecido, dando seus dados como referência a essa Isabel, funcionária do banco.

-Antes de abrir a conta, ela tinha de se comunicar com o Carlinhos. - manifestou-se o Luca.

-Eu abri no Unibanco...

-Que acabou, agora é Itaú-Unibanco. - apartearam-me os dois.

-Eu abri no Unibanco uma conta de poupança...

-Em que ano foi isso?- interessou-se.

-O ano eu não sei precisar, mas foi na década de 80, pois essa conta foi confiscada pelo Collor. Houve, depois, um recadastramento de todas as contas bancárias no Brasil. A agência é do Méier e, até hoje, eu recebo mensalmente o extrato, embora eu não mexa na conta há muitos anos, e o valor seja pequeno.

-Vou intimá-la.

Digitou o meu depoimento, realçando essa poupança, em que meus dados poderiam ter sido usados na conta fria, deu-me, depois, para ler e assinar.

-Ainda bem que meu irmão estava em casa e recebeu a intimação. Minha mãe se visse isso, ela que tem quase 80 anos...

-90 anos. - corrigiu-me o Luca.

-... Quase 90 anos; eu não sei o que seria caso recebesse...

-Peço desculpas pelo incômodo.

-Tudo bem. Só não gostei de o senhor me perguntar se tenho companheiro e que sou garoto da Dilma.

-Quer um atestado para o seu trabalho?

-Não; entendi-me, ontem, com o chefe.

 Voltamos para a Praça Xavier de Brito onde o carro fora estacionado.

-Carlinhos, eu tenho de acertar, agora, a Rua José Higino. Há muito tempo que não venho aqui.

-Você não recorre ao GPS e é melhor, pois, assim, o seu cérebro trabalha.

-Você consegue ler os nomes das placas das ruas de longe?

Éramos um míope guiando outro míope.

-Não é por aqui... Errei o caminho.

De repente, iluminou-se o seu rosto.

-Aqui morou a Sônia a quem namorei. Logo ali, morava o Zagalo.

Depois, deu mais velocidade ao carro.

-Veja se esta rua não é a Clemente Falcão? Vim muitas vezes aqui namorar a Sônia.

Com a certeza com que falava, certamente que era a Rua Clemente Falcão.

-Agora, nós pegamos a José Higino.

Na Avenida Maracanã, indicou-me o rio e declarou:

-Carlinhos, se chovesse aqui como em São Paulo, acabava o Rio de Janeiro.

Fim da jornada.

-Bem, Luca, até que valeu a pena; você reviu parte do seu passado, e eu conheci trechos da Tijuca por onde nunca passara antes. - disse-lhe, enquanto me deixava em casa.

-É claro que valeu a pena, Carlinhos.

 

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