Total de visualizações de página

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

2771 - figuras e abreviaturas


 

 

           

------------------------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 5021                               Data: 09  de  janeiro de 2014

--------------------------------------------------------------

 

RECORDAÇÕES DA MARINHA MERCANTE

PARTE III

 

Muitos não sabiam o seu nome, entre eles, eu, mas seu apelido corria por toda a Marinha Mercante: Zé Colmeia. Por que Zé Colmeia e não Moby Dick, por exemplo?... Não entendo até hoje. Talvez porque adorasse doce, mas o amigo do Catatau era bem mais seletivo, sentia-se atraído por mel, alimento de valor nutritivo; não buscava guloseimas de deixar os nutricionistas de cabelos em pé; aquilo que o Zé Colmeia, nosso colega de trabalho, devorava.

Os elevadores do Departamento de Marinha Mercante tinham capacidade máxima para 16 passageiros ou 1120 kgs, média de 70 kgs por pessoa, mas se o Zé Colmeia estivesse nele, o ascensorista era obrigado a baixar essa capacidade para 12 pessoas.

Quando eu estava de férias, recebi a notícia do falecimento do Zé Colmeia. Dieckmann, que era o nosso chefe, não o do falecido, embora tivesse alguma afinidade por ele, foi ao enterro e me contou que a chuvarada complicou ainda mais as coisas. Baseando-me nas suas informações, tentarei resenhar esse triste acontecimento.

Faziam-se necessários, no mínimo, seis Arnold Schwarzenegger para carregar o caixão, mas não havia um só no cemitério. O jeito foi colocar o caixão do Zé Colmeia sobre aquelas carretas que levam os corpos para os túmulos, o que já exigia um esforço hercúleo.

-Biscoito, um dos pneus da carreta não suportou com o peso e estourou, e a carreta ficou entalada no lamaçal. - lamentou o Dieckmann.

Depois do que seria o décimo terceiro trabalho de Hércules ter sido resolvido, já na hora do almoço, o sepultamento do Zé Colmeia, todos os amigos do defunto, segundo o Dieckmann, partiram para um restaurante onde comeram fartamente. Faziam, assim, a última homenagem ao colega de serviço que se foi.

A secretária do diretor afirmou que a viúva passava a ter, agora, uma acentuada queda nos gastos da casa. Maldade, mas era verdade.

 

Houve muitas festas no nosso trabalho. No primeiro dia do mês, já aparecia a relação dos aniversariantes no quadro de avisos, substituídos, depois, pelos computadores personalizados. E os festeiros davam logo início aos preparativos.

Essas festividades ocorreram mais no tempo em que o Itamar Franco era presidente da República, o que era incrível, mas seria bem mais, se fosse no governo Collor que, com seu secretário-geral, depois ministro, João Santana, quase destruiu a administração pública.

Tão assíduos quanto as tortas, os guaranás, as Coca-Cola, nesses dias que antecederam o Plano Real, era a espiga de milho. Explico-me. Pamplona, decano da Marinha Mercante, que muitos consideram inteligentíssimo, outros, maluco-beleza, sempre se dirigia a um por um dos presentes, com uma espiga de milho na mão, dizendo: “Alise o milho, alise, que virá muita riqueza para você. É a cor do ouro. Esta crença vem dos gregos da antiguidade.”

E todos alisavam a espiga de milho do Pamplona, alguns até com fervor exagerado.

É verdade que o milho surgiu na Europa depois da descoberta da América, mas poucos festivos sabiam disso, mas mesmo que soubessem, não recusariam um pedido do Pamplona: todos gostavam dele.

Quando Pamplona se aposentou, combinamos um almoço de despedida no Restaurante Caçarola da Rua do Rosário. Ao meio-dia, a hora aprazada, todos os que confirmaram presença já estavam lá, menos o festejado. Meio-dia e meia, nada; a nossa preocupação já era comparável à nossa fome.

-Vão pedir?

-Sem o Pamplona, nunca- respondemos ao garçom.

-Será que ele se perdeu? - aventaram a hipótese.

Não; ele não tinha fio-terra – afirmavam muitos – mas não era tão aéreo assim.

Ao meio-dia e quarenta minutos chegou finalmente. Por que se atrasara?... Foi jogar no bicho quando ocorreu uma batida policial, a princípio, confundiram-no com um bicheiro. Teve, então, de convencer as autoridades que era apenas um funcionário público recém-aposentado.

Quando o prato de entrada foi servido, Pamplona mostrou que nascera mesmo para engolir bolinhos de bacalhau, não listas de jogo de bicho.

 

No passado, o feriadão da Semana Santa se iniciava na quinta-feira. Lembrava o dia da ceia de Cristo, o fim da Quaresma e o início do tríduo pascal. Hoje, muitos trabalham na quinta-feira da Paixão sem reclamar, surgiram tantos feriados ou pontos facultativos de um tempo para cá, que não há como levantar bandeiras pela sagração desse dia para não ir para o serviço. Seria muita paixão pelo ócio.

Na década de 90, quando ficava a critério dos chefes do Serviço Público, conceder ou não mais um dia ao feriadão da Semana Santa, houve um caso que não se apagou da nossa lembrança.

O Almirante MOCA bateu o martelo: todos deveriam fazer jus ao seu salário, que não era muito, na quinta-feira. MOCA?... Estranharão os leitores deste periódico. Naquela época de Departamento de Marinha Mercante, tínhamos o POPA, como já assinalamos em exemplares anteriores, Paulo Octávio de Paiva Almeida, e o MOCA – Mauro Ormeu Cardoso Amorelli. Labruna, um colega nosso, nos momentos em que não era muito exigido no serviço, dava de elucubrar rubricas risíveis que logo se transformavam em cognomes. Chegou a esses dois que, para coroar a sua elucubração, eram chefes, um, direto, o POPA, o outro, acima de todos, o diretor e almirante, o MOCA.

Com o MOCA não havia contestação: queria todos lá e todos teriam de estar a postos, mesmo que não houvesse nada para fazer, e não havia mesmo.

 Como foi xingado! Alguma coisa comparada ao xingamento sofrido pelo árbitro Armando Marques quando expulsou o goleiro do Flamengo, Dominguez, no Fla x Flu que decidiu o campeonato carioca, com mais de 170 mil pagantes, em 1969. Com a diferença fundamental que o MOCA não ouviu nada, enquanto o Armando Marques ouviu tudo.

Com os xingamentos, vieram as pragas, que cresceram em intensidade no ambiente de trabalho naquela quinta-feira.

E o MOCA apareceu no Departamento de Marinha Mercante para trabalhar? - indagarão os leitores mais céticos. Bem, passou toda a manhã e nada dele. Os mais açodados afirmaram que ele se encontrava num balneário rindo sadicamente de nós. Alguns falaram em arrumar as suas coisas e ir para casa, Os mais precavidos aconselharam a esperar, pois calhava de ele aparecer, e as represálias não demorariam.

MOCA, de fato, apareceu, porém, às 15 horas, duas horas antes do término do expediente. Informou aos seus funcionários que sofrera uma crise de cálculo renal de manhã e só fora liberado muitas horas depois.

A praga cumpriu a sua missão.

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário