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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

2769 - sacrifício humano


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5019                               Data: 06  de  janeiro de 2014

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SABADOIDO DA VOZ DA  BILLIE HOLLIDAY AO TECLADO DO DANIEL

 

-O fã é fiel ao seu ídolo até o fim, por pior que ele esteja. Segue aquele preceito “eu sem ele sou nada, ele sem mim é tudo.”

Por que você fala isso, Carlinhos? - estranhou meu irmão naquele Sabadoido de fritar ovo no asfalto.

-Porque assisti ontem a um documentário no Canal Curta sobre a Billie Holiday e uma das admiradores afirmou que, mesmo na fase final dela, quando a heroína já interferira na sua voz, não deixa de ouvir e amar as suas gravações.

-Eu vi, nesse mesmo canal, a Ella Fitzgerald. Como ela cantava.

-Da Ella Fitzgerald eu já programei a gravação para outro dia.

-Há uma canção em que ela faz um scat usando um lenço, como o Louis Armstrong, e citando o nome dele.

-Você sabe, Claudio, que o scat é uma técnica, inventada pelo Louis Armstrong, que consiste em vocalizar palavras e sílabas sem sentido. Ele, um dia, esqueceu a letra e, criativo como era, criou o … “ba-ba-bi-bu-bu-bá...” - fiz uma imitação tosca e ridícula.

-O Frank Sinatra, no “Strangers in the Night” criou o Scooby Doo. - não perdeu a piada.

-O scat tomou uma importância incrível, tanto que nessa canção a que você se referiu, Ella Fitzgerald mostra que faz uma homenagem ao Louis Armstrong copiando o que ele fez.

-Ele tinha aquele vozeirão... Na verdade, usava a voz como um instrumento.

-Billie Holiday, que era 15 anos mais nova, ouvia incansavelmente seus discos.

-Você gosta dela, Carlinhos?

-Claudio, na música popular, eu não conheço, até hoje, uma cantora com uma voz tão diferenciada, uma voz única e bela.

-Ela era viciada em heroína?

-Poucos artistas do jazz não eram viciados, Claudio.

-Louis Armstrong fumava marijuana.

-Disse um estudioso do jazz que, certa vez, o presidente Richard Nixon cruzou com ele no aeroporto e o tratou com a maior intimidade, chamando-o de Pops.

-Estava de olho nos votos dos negros. - maldou meu irmão.

-Nixon fez questão de carregar a maletinha do Louis Armstrong, e era lá que estava a maconha dele.

-Carregou?

-Sim, e Louis Armstrong agradeceu muito a gentileza do presidente.

-Um dos grandes viciados em droga pesada foi Charles Parker; morreu com 35 anos de idade aparentando 70, segundo o filme “Bird”, do Clint Eastwood.

E me estendi sobre o diretor, que fora grande astro de filmes de caubói.

-Clint Eastwood era atraído pelo Bebop, vertente do Jazz que sucedeu o Swing. Ele também filmou um documentário sobre o pianista Thelonious Monk e algumas músicas dos seus filmes foram compostas por ele mesmo, Clint Eastwood.

-O Bebop já é um jazz mais difícil...

-É mesmo; temos de frequentar um curso de várias aulas para podermos  entender e gostar.

-Ella Fitzgerald era a cantora do Swing...

-A Sara Vaughn, a do Bebop. - completei a frase do meu irmão.

E prossegui:

-Quem conseguia acompanhar Charles Parker no saxofone era o Dizzy Gillespie no trompete. Formaram uma dupla infernal e Dizzy Gillespie era careta, não consumia drogas, até se afastou do artista quando o vício já o prejudicava inapelavelmente.

-Mais tarde o Dizzy Gillespie introduziu ritmos latino-americanos no jazz, não foi isso?

-Ele foi a Cuba, que tem uma das músicas populares mais ricas do mundo, para oxigenar, digamos, a arte dele. Conheceu o Arturo Sandoval, que era um virtuose do trompete e influenciou na ida dele para os Estados Unidos.

-Ida ou fuga, Carlinhos?... Eu assisti ao filme, o Andy Garcia fez o papel do Arturo Sandoval.

-No auge do Bebop, houve uma rivalidade entre Dizzy Gillespie e Louis Armstrong, os dois expoentes do trompete, um no Bebop, o outro no Swing. Dizzy Gillespie era muito engraçado, o próprio apelido “dizzy”, que significa tonto, maluco, já diz muita coisa. Então, ele faz uma imitação do Louis Armstrong, numa das suas exibições, que é digna dos melhores comediantes.

-E o Louis Armstrong?

-Louis Armstrong colocou um gorro, como o do seu rival e passou a imitá-lo, enquanto escrachava com o Bebop, mas a imitação não foi das melhores se comparamos as duas.

Sarah Vaughn, Billie Holiday e Ella Fitzgerald, quem você prefere?

-Ouvi, uma vez, num programa da Rádio MEC, o Artur da Távola dizer que a Sarah Vaughn atingia quatro oitavas cantando. Ora, se a Maria Callas, alcançava três, ela não chegava a quatro nem que a vaca tossisse.

-Olha, Carlinhos, que a Dilma fez a vaca tossir.

-Fez todo rebanho tossir. - depois de aproveitar a piada, fui adiante.

-É verdade que o grave da Sarah Vaughn era impressionante. Certa vez, ouvi com ela “The Long and Windind Road”, dos Beatles, e, depois que ela terminou, eu me perguntei: “Cadê a música dos Beatles?... isso é outra música...”

-Desse jazz, eu não gosto. Mas você não me respondeu quem é a melhor das três.

-Nunca gostei de comparações excludentes. Vá lá: Billie Holiday.

-Você vê, Carlinhos, que não falamos de nenhum jazzista branco.

-Houve negros tão racistas quanto os brancos que não se conformavam com o fato de a obra de maior fôlego do jazz, a ópera “Porgy and Bess”, ter sido composta por um branco, George Gershwin.

-Branco e judeu. - acrescentou.

-Pediram, então, ao Duke Ellington que compusesse uma obra de maior fôlego. Duke Ellington tinha capacidade para tanto, não tem só criações de três minutos de duração, mas não entrou nessa.

-Eu não sou de escutar muito Jazz, sei, porém, que muitos o têm como o compositor máximo.

-Dave Brubeck conta chorando, num documentário, que, quando excursionaram pela Europa seu quarteto e a banda de Louis Armstrong, em 1954, foi avisado por ele, todo feliz, que era capa do Time.

-Por que ele chorava?

-Ele disse, nesse documentário, que era puro racismo; quem tinha de ser capa do Time era Duke Ellington, não ele.

-Carlinhos, eu vi no Facebook o vídeo que você postou da filha do Daniel com a Yoko Ono, tocando violino, piano e uma espécie de lira indiana. - interrompeu-nos abruptamente a Gina ao entrar na cozinha.

-Se você que é a avó da menina, que deve ter uns doze anos, diz isso, eu não vou discutir.

-Depois que o Daniel passou a mostrar seus concertos no Facebook, passou a ser imitado. - entrou o Claudio no espírito da brincadeira.

-A filha do Daniel com a Yoko Ono toca trechos da sinfonia nº 40 e a Marcha Turca, tudo de Mozart.

-Ela tem muito que aprender ainda. - gritou o Daniel, que escutara tudo, do seu quarto.

 

(sem *) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO recebe e dá conta de missões que compõem sacrifícios humanos. Ler sobre Holiday é padecer de uma tristeza lapidar, se ainda fosse um Oldsmobile...

 

 

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