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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

2478 - Fale ao motorista somente o necessário



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4278                     Data:  21 de  setembro de 2013
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168ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

Era pule de dez, como dizem os turfistas, que o Sarará me perguntaria sobre o metrô. E não perdi a aposta que fiz comigo mesmo.
-Às 5h 50m da manhã, ele está com bem mais passageiros do que agora... (olhei para o relógio), 4 horas da tarde.
-Eu só me locomovo de carro, mais com este táxi do que o FIAT particular que tenho na garagem lá de casa.
Eu sabia que ele é uma espécie de centauro moderno – com quatro pneus em vez de quatro patas. Já me contou isso em corridas passadas, podia pular essa parte. Preferia conhecer o metrô mais por relatos do que in loco.
-Colocaram umas televisões nos vagões para os passageiros se distraírem.
-E os passageiros olham para elas?
-Não aqueles que se sentam indevidamente no banco laranja, reservado aos idosos, aos deficientes físicos, às grávidas e aos passageiros com crianças no colo, não olham, pois sempre estão dormindo.
-É só propaganda que exibem?
-Não. Nessas TVs passam trechos de filme, como “Don Juan”, de 1926 e “Elefantes Voadores”, de 1929.
Esta última fita, com o Gordo e o Magro, aparece, na verdade, com o nome original, “Flying Elephants”; como não sei com que nome foi lançado no Brasil, preferi a tradução literal.
-Voam os elefantes pela tela. - disse com um sorriso.
-O que se vê, em poucos minutos, é uma cena da Idade da Pedra, em que o Magro tenta derrubar o Gordo de uma ribanceira para ficar com a mocinha, mas vacila. Vem, então, um bode e, com uma chifrada, arremessa o Gordo no abismo. O Magro vibra de contentamento e corre para a mulher, os dois se sentam para namorar, mas são derrubados, pois, na verdade, o banco era um urso que estava deitado.
-E o elefante voador?
-Deve aparecer em alguma sequência da película.
E prossegui:
-Surge também uma pergunta com três opções: “Quem foi o melhor jogador da Copa de 2010: Messi, Cristiano Ronaldo ou Forlan?
-Mas isso todo dia?- perguntou com um tom de crítica.
O que me satura é uma musiquinha de dor de corno que é tocada nas estações do metrô. Não viram o disco.
-É música clássica? 
-Não; alguns anos atrás, ouvia-se boas músicas clássicas nas plataformas de metrô. De repente, passaram a tocar apenas um trecho da Sinfonia Titan, de Mahler. Pensei, naquela época, que tivessem roubado todos os outros CDs do metrô. Veio, em seguida, um longo período de silêncio, e agora, eles puseram para tocar essa musiquinha irritante.
-Rua Modigliani. - anunciou.

A efusividade com que o 053 me recebeu foi tamanha e eu nem tinha entrado ainda no seu táxi, que julguei já ter viajado umas cinquenta vezes com ele. Como a minha memória fraqueja no quesito fisionomia, concluí que não havia necessidade de eu dizer o meu destino.
-Para onde?
-Praça Manet.
-Praça Mané?!... Vamos lá.
Mais um que confunde o Edouard Manet, que pintou uma mulher nua no gramado, com Manuel dos Santos, o Mané Garrincha, que pintou o sete nos gramados.
Não pude me entregar aos pensamentos, pois ali estava um taxista dado à interlocução.
-Depois do calorão de segunda-feira, esfriou, meu amado.
Meu amado?.. Aquele tratamento, inteiramente novo, para mim, me assustou. Preferi julgar que essas palavras carinhosas são próprias de algumas regiões nordestinas, onde há muitas pessoas... como direi?... dengosas, pessoas dengosas,  que nós, do sul e sudeste do Brasil, estranhamos. De qualquer maneira, fiquei precavido.
-Sim, a temperatura foi atípica para o inverno. Enviaram-me um e-mail com uma foto de um pombo na sombra do fino caule de um coqueiro.
-Só faltou a água fresca para o pombo. - deu uma gargalhada com a própria piada.
-Pelo menos, veio uma rajada de vento na madrugada de terça-feira que refrescou o tempo. - observei.
-Estragou a praia do pessoal.
-Sim, estragou, mas os dias de ir à praia são sábado e domingo. - manifestei-me apenas para não deixá-lo falando sozinho, pois não considero que os dias úteis existem apenas para o trabalho.
-Chega o final de semana e chove, - gargalhou de novo.
-O Climatempo está acertando. Uma colega minha de trabalho, dessas que se esquecem da vida nas areias praianas, disse-me, com os olhos grudados no computador, que o Climatempo previa uma temperatura média de 32º para a semana que vinha, a passada, e acertou em cheio.
-Eles agora consultam satélites, meu querido,
Bem, meu querido já é um tratamento mais usual.
-Nessa segunda-feira quente como não sei o quê, foi difícil dirigir. Em casa, corri para o chuveiro e molhei a nuca por uns dez minutos, mas antes disso tudo, bebi um litro de água gelada.
-Por aí não. - elevei a voz ao perceber que ele desceria toda a Rua Van Gogh.
Houve tempo, ainda, para ele dobrar à esquerda e entrar na Rua Sisley. A partir de então, paramos de prosear sobre dias de chuva e sol e passei a orientá-lo até a frente do meu prédio, sem deixar de dizer aquelas palavras que se fixaram na mente da Rosa Grieco: “depois do segundo poste”.

 Eu não tenho a sorte do médico Fernando Borer, que entra em táxis em que o motorista conhece a letra de “Tereza da Praia”, do Tom Jobim e do Billy Branco. Da Cooperativa Metrô, o único taxista do meu conhecimento que sintoniza emissoras que tocam música popular brasileira é o 017. Mas como os nossos poucos leitores sabem sobejamente, ele é, neste periódico, chamado de “Dedão do Arqueiro Inglês” porque seu carro foi fechado por um colega de profissão e, ao clamar pelos seus direitos, o errado, segundo ele, lhe fez o gesto obsceno que, segundo os estudiosos, se originou dos exímios arqueiros medievais da Inglaterra em represália aos franceses, que lhes cortaram os outros dedos.
 Aliás, o desejo de prosear sobre música, logo se desfez quando vi que o táxi 184, o do Vereador, me esperava.  Agora, vem uma overdose de política, previ. Tentei, porém, um estratagema para fugir desse tema constrangedor, atualmente, no nosso país.
-O Demerval (o Paizão) estava, agora, com o táxi dele logo atrás do seu.
-Pois é.
-Ele me disse que fez 80 anos, Ele se encontra muito bem de saúde.
-Demerval... Sim, o Demerval... Ele começa a trabalhar agora, 4 horas da tarde; não se estressa.
-Ele me disse que já está aposentado e que trabalha com o táxi para a cabeça funcionar, apenas isso, que o dinheiro que ele vai fazer não tem a menor importância. Creio que o segredo da saúde do Demerval está aí, além das três caminhadas por semana. - tagarelei.
-Mas com essa história de ele não se preocupar com as férias, recusou um passageiro para o Galeão e eu tive de levá-lo na hora de entregar este carro para o meu motorista. Outra vez, era uma passageira que pretendia ir para Copacabana, Demerval a enviou para mim.
-Ele é uma boa pessoa.
-Ele é sensacional. - tonificou ainda mais a minha afirmação.
-Uma vez, ele me disse que levou um casal para Madureira. - lembrei-me,
-É mentira dele; não passa do Engenho de Dentro.
Assim, é o Vereador, mesmo quando não fala em política, critica.

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