Total de visualizações de página

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

2466 - o beleléu



--------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4266                          Data:  05 de  setembro de 2013
-------------------------------------------------------------------------

O SUICÍDIO DO DONO DO ESTALEIRO MAUÁ

Tudo começou com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975/1979), engendrado pelo ministro do Planejamento Reis Veloso, que trazia em seu bojo o II Plano Nacional de Construção Naval. O Presidente Ernesto Geisel, que criou mais de setenta estatais durante o seu governo, empolgou-se e reuniu seus ministros para ouvir (ou melhor, fingir que ouvia) quais as repercussões do II PND em seus respectivos ministérios. Mário Henrique Simonsen, ministro da Fazenda, declarou, então, que não lera tal coisa, pois não gostava de obra de ficção.
Nessa obra de ficção, haveria dramas, tragédias permeadas por inúmeros desempregos.
Nós trabalhávamos normalmente na manhã de 7 de fevereiro de 1985, embora espocassem por todos os lados notícias sobre o inquérito que fora instaurado pelo “Escândalo da Sunamam”. Foi quando um colega da Diretoria da Cabotagem veio até nós, no Bureau de Estudos de Fretes, para informar que o Paulo Ferraz, dono do Estaleiro Mauá, se suicidara. Ele entrou no banheiro do seu escritório no 5º andar do Edifício Índico e lá desferira um tiro no peito com um Magnum calibre 38.
Como a SUNAMAM se localizava na Avenida Rio Branco, 115 e o infausto acontecimento ocorrera no nº 103, havia também uma proximidade física.
Quem era Paulo Ferraz? Para muitos era o pai do Buza Ferraz, ator de novelas e filmes e do Hélio Paulo Ferraz, frequentador do que o colunista Ibrahim Sued chamava de Jet Set.  Para aqueles mais interessados no destino do Brasil, Paulo Ferraz era dono do maior estaleiro do país e detentor, quatro anos antes, da 14ª maior fortuna do Brasil.
Juscelino Kubitschek, para compensar a perda do Rio de Janeiro do status de Capital Federal, contemplou o estado, no seu Plano de Metas, com a Construção Naval, enquanto deixava a indústria automobilística para São Paulo.
Desde o Barão de Mauá, a herança do Rio de Janeiro era a indústria naval e os pares de Paulo Ferraz declaravam que ele, desde a década de 50, liderou esse segmento da nossa economia.
-Paulo Ferraz sempre esteve na vanguarda. - dizia o presidente da ENAVI.
Um dos donos do Corena, estaleiro de Itajaí, afirmou que todos tinham de ir atrás do que Paulo Ferraz fazia no Estaleiro Mauá; e acrescentou que, sem ele, a história da construção naval seria outra no Brasil.
Em meados da década de 60, com a intenção de ultrapassar as multinacionais Ishikawajima, de capital japonês e a Verolme, com sede na Holanda, Paulo Ferraz comprou pequenos estaleiros a sua volta, em Niterói, e investiu pesadamente em plataformas submarinas. Mas o seu pioneirismo na fabricação de plataforma de exploração de petróleo em alto-mar fracassou porque a Petrobras não demandou toda a oferta e ele ficou com uma dívida de 10 bilhões de cruzeiros que, convertidos em dólar, da época, janeiro de 1969,  perfaziam 240 milhões. Desesperado, quando fazia o caminho o caminho do seu estaleiro à cidade do rio, de lancha, Paulo Ferraz deu um tiro na têmpora, mas sobreviveu.
Um ano depois, o seu ímpeto empresarial retornou com toda força, e ele comprou, sozinho, o projeto de construção de navios SD-14, da companhia inglesa Appledore. Essas embarcações eram consideradas os “Volkswagens do mar” e Paulo Ferraz dominou o mercado por um bom tempo, auferindo uma  receita apreciável. A concorrência só lhe chegou em 1975, o ano em que se deu início ao II Plano Nacional de Construção Naval, então, Paulo Ferraz empreendeu uma alteração profunda no seu parque industrial para fazer frente ao novo desafio.
O Estaleiro Mauá chegou a empregar 8 mil operários, enquanto a Ishikawajima, o maior concorrente, não atingia 7 mil.  Num mesmo período, o Estaleiro Mauá construiu  48 navios, com preços médios atraentes, que variavam de 12 a 17 milhões de dólares. Os negócios de Paulo Ferraz iam a todo o vapor sob a égide do II PNCN e ele, como já foi dito amealhara uma das maiores fortunas do Brasil em 1981.
Até esse ano, 1981, à medida que iam sendo construídos os navios encomendados pelos armadores, os donos dos estaleiros encaminhavam as faturas à SUNAMAM, que pagava sem maiores análises. Os recursos do Fundo de Marinha Mercante começaram a escassear e a ciranda financeira formada por armadores, bancos e SUNAMAM passou a ser chamada de “Triângulos das Bermudas”, porque lá o dinheiro era sugado.
Apesar da política de restrição ao crédito implementada na economia brasileira, os estaleiros foram autorizados a emitir duplicatas com o aval da SUNAMAM, que eram descontadas nos bancos. Era uma espécie de Casa da Moeda, que o governo fechou em 1983. Os estaleiros passaram, então, a levantar dinheiro nos bancos dando como garantia o crédito que tinham na SUNAMAM. Essa prática se tornou impraticável, em 1984. Com mais esse golpe, a bolha estourou e a construção naval afundou na mais grave crise da sua história.
O que foi chamado na mídia de “Escândalo da SUNAMAM” envolveu 43 bancos e sete estaleiros, baseados no Rio de Janeiro. O buraco era de 545 milhões de dólares.  Desse total, mais da metade, cabia ao Estaleiro Mauá, precisamente 291 milhões de dólares. A dívida do empresário Paulo Ferraz tinha sido contraída com bancos nacionais e estrangeiros, cabendo assinalar que, em 1979, houve uma maxidesvalorização do cruzeiro de 30% e, em 1981, outra, no mesmo valor, sacrificando as empresas endividadas em dólares.
A COMISSÃO DE INQUÉRITO

O ministro dos Transportes Cloraldino Severo, que substituiu o Eliseu Resende, que disputaria, em 1982, o governo de Minas Gerais contra Tancredo Neves, abriu uma comissão de inquérito para investigar os descalabros que vinham ocorrendo na construção naval, logo que assumiu o cargo.
Com a crise, o Estaleiro Mauá já havia despedido 5 mil operários,  sendo 2 mil numa só penada; restaram 3 mil e Paulo Ferraz nutria  esperanças de não naufragar devido à encomenda da Petrobras de três navios de 55 mil toneladas no valor de 132 milhões de dólares. O governo, porém, suspendeu tal encomenda, pois o empresário não apresentou como garantia um seguro de crédito - “performance bond”. Encontrando-se com o ministro Cloraldino Severo, Paulo Ferraz lhe disse que, caso essas encomendas não fossem liberadas, ele estava condenado à ruína. O ministro foi inflexível, se ele não sanava uma dívida de 291 milhões de dólares, não tinha condições de receber novas encomendas, porque elas se transformariam em fator multiplicativo do débito.
Segundo o seu sócio na Companhia Comércio e Navegação, empresa do grupo Ferraz que vendia equipamentos para plataformas marítimas, Paulo Ferraz, numa outra entrevista com o ministro dos Transportes, colocou como garantia de novas encomendas todos os seus bens pessoais, mas como não ultrapassavam 100 milhões de dólares, e a dívida era de 291 milhões, a sua pretensão foi rejeitada.
O empresário foi levado ao mesmo desespero que o acometera na derrocada de 1969 e tentou de novo contra a vida, dessa vez, os médicos não puderam salvá-lo.
Na tarde de 7 de fevereiro de 1985, nós, no Bureau de Fretes, debruçados nas janelas do 11º andar, vimos o rabecão chegar, manobrar, parando por momentos todo o trânsito da principal artéria do trânsito do Centro, e levar o corpo daquele que foi dono do maior estaleiro do Brasil.

QUEM SÃO OS CULPADOS?
O Sindicato dos Metalúrgicos logo se agitou e promoveu uma passeata integrada por mais de mil associados pela cidade do Rio de Janeiro. Eles se detiveram diante do nosso prédio, olharam para cima, vendo-nos debruçados nas janelas e gritaram a plenos pulmões insistentemente:
“Queremos trabalhar, SUNAMAM só quer roubar.”
Alguns colegas meus ficaram indignados, mas era compreensível a revolta dos metalúrgicos: desempregados, o futuro deles era assustador. A SUNAMAM jogou muito dinheiro público nessa pirâmide da felicidade, mas havia outros culpados. Os estaleiros sobrevalorizam os cálculos dos custos dos navios, descontaram a mesma duplicata mais de uma vez e se endividaram acima de suas possibilidades. Os bancos emprestaram mais do que podiam e aceitaram papéis duvidosos porque apostaram na complacência infinita do governo via SUNAMAM.  Coube ao ministro dos Transportes, Cloraldino Severo que, como já assinalamos, assumiu o cargo porque Eliseu Resende se candidataria ao governo de Minas Gerais, estourar essa bolha.
Declarou Cloraldino Severo, na ocasião, que nada disso teria acontecido se não houvesse sido implantado, em 1975, o II Plano de Construção Naval. Enfim, acrescentamos nós, se tivesse sido ouvido pelo presidente Ernesto Geisel, dez anos atrás, o seu ministro mais lúcido, Mário Henrique Simonsen, quando afirmou que os planejamentos elucubrados pela equipe de burocratas do ministro Reis Veloso eram obras de ficção, em que as coisas sairiam do controle.

ONDE FORAM PARAR 545 MILHÕES DE DÓLARES? (*)
A Revista VEJA publicou uma reportagem sobre o caso e dela destacamos este trecho: “... uma coisa parece certa: quando tantos milhões de dólares saem do leito da normalidade administrativa e financeira, não se esparramam numa só direção, mas molham muitos bolsos”.
Quais os bolsos foram molhados? Apesar de brilhante a reportagem da revista, ela não se aprofundou nessa questão.
Dizia-se, informalmente, na SUNAMAM que todos os superintendentes assumiam com a ordem de não mexer no diretor-financeiro, o Comandante Rodolpho, porque ele era homem do Mário Andreazza, ministro dos Transportes de dois governos e, nesse período, do Interior; e ele, mesmo quando coronel, não escondia o seu desejo de ser Presidente da República.
O Comandante Rodolpho, antes do escândalo irromper, saiu da SUNAMAM para fundar uma construtora, a Pronil, que receberia dinheiro emprestado de Paulo Ferraz para a compra de terrenos e de equipamentos. Enfim, como dono da Pronil, conseguiu empréstimos de estaleiros e se associou a bancos, destacando-se o Bozzano-Simonsen, o qual estava metido até o pescoço na cadeia de felicidade da construção naval. Com isso, a Pronil se destacou na construção do Barrashopping, o grande templo do consumo do Rio de Janeiro.
E o ministro dos Transportes Eliseu Resende que largou o cargo para se candidatar ao estado de Minas Gerais? Caso ele se elegesse, a candidatura do Mário Andreazza à presidência da República, na convenção do PDS, que ocorreria em 11 de agosto de 1984, se tornaria imbatível. Sabendo disso, Paulo Maluf despejou dinheiro na campanha de Tancredo Neves.  Eliseu Resende, que teve uma campanha estranhamente milionária, por pouco não se elegeu, apesar de ser um tecnocrata ligado à ditadura militar. A estratégia do Paulo Maluf deu certo, pois ele derrotaria Mario Andreazza por 493 votos a 350. Essa convenção do PDS foi marcada por uma gastança nababesca dos dois candidatos para agradar os delegados que votariam.
De onde veio o dinheiro para a campanha do Eliseu Resende e, posteriormente, do Mário Andreazza? Eis uma boa pergunta que não quer calar.
O que se tornou evidente foi a terrível derrocada da construção naval, que esvaziaria mais ainda a antiga Capital da República e o número absurdo de camelôs que surgiram na cidade, muitos deles ex-metalúrgicos.

(*) Cloraldino Severo talvez fosse honesto, mas era de uma imbecilidade catastrófica. Fez um programa nacional do carvão, encomendou 25 graneleiros para transporte de carvão e apenas 2 foram destinados a tal fim, porque não havia nem carvão e nem demanda. Como planejador vindo do GEIPOT – celeiro das maiores sumidades burocráticas e burocráticas deste País, esta deve ter sido sua maior glória. Os navios ficaram boiando na Baía da Guanabara e foram vendidos a preços de mercado a quem aparecesse.
Enquanto isso, depois que as contas apareceram, o Estaleiro Mauá, falido, recebeu crédito de quase 300 milhões de dólares e deixou o homem do Jet Set, Hélio Paulo Ferraz numa boa até hoje.
As operações chamadas 63 eram supostamente fraudulentas e se fez uma onda enorme, emocional e nada funcional, acabou-se toda a indústria e o culpado disso tudo, o Reis Veloso ainda anda por aí, solto. Não roubou, mas foi burro pra chuchu.
Bem fez o então futuro Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO que, num festival gastronômico em que tanto ele quanto o ministro estavam presentes, bradava, justamente alcoolizado e incorporando o bordão de uma novela da época: SOIS REI? SOIS REIS?
A primeira Aquavit ninguém esquece.



 
 



2 comentários:

  1. Resquícios da ditadura que matou o dono do Estaleiro Mauá Paulo Ferraz.

    ResponderExcluir
  2. 46 anos depois do lançamento dos malsinados II PND e II PNCN e quase 40 depois do Escândalo SUNAMAM, o enredo se acha atualíssimo, com pequenas diferenças, não mais se tendo a hoje falida construção naval como pano de fundo, mas as compras de medicamentos inócuos e inservíveis para distribuição a rodo à população hoje bem mais empobrecida que nos já distantes anos 70/80 do século passado como engodo, a título de um inexistente "tratamento preventivo" como o grande mote.
    Que triste sina a nossa !!!!!

    ResponderExcluir