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terça-feira, 24 de setembro de 2013

2471 - Fiction or Non-fiction? (*)



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4271                          Data:  12 de  setembro de 2013
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ACONTECEU NO METRÔ

Parecia uma viagem serena, mas não existe serenidade no metrô, nem mesmo nos trens chineses que têm TVs espalhadas pelos vagões, em que vi, certo dia, cenas do filme Don Juan, de 1926 com legendas que diziam que John Barrymore dá 191 beijos na mulherada, com a média de 1 “bitoca” a cada 53 segundos..
-Esse lugar não é para crianças, é para pessoas idosas. - esbravejou uma senhora.
Olhei e vi duas crianças, de seis a oito anos, dividindo um mesmo lugar no banco laranja. Vai aqui uma explicação para o leitor que não utiliza o Metropolitano: banco laranja é aqueles em que as pessoas, nele sentadas, fingem que dormem para não o ceder aos idosos, deficientes físicos, grávidas ou passageiros com bebês no colo; quanto ao outro, o sinal está verde para se continuar nele sem fingimentos.
E prosseguiu a mulher com uma ira de Herodes:
-Além disso, eu estou grávida.
Entre os passageiros de pé, surgiu um braço roliço e moreno de alguém que estava sentado na carreira oposta de bancos e logo veio um gesto para os dois meninos se levantarem e se juntaram a um terceiro, de pé, provavelmente irmão dos dois. Em um segundo, ou em menos tempo, a reclamante se acomodou no espaço vago.
Não contente em conquistar o cobiçado lugar, ela declarou em alto e bom som que vinha do trabalho, não da praia. É um clichê, mas não podemos fugir dela: era a gota d' água.
Então, não foi só o braço roliço e moreno que se viu, mas todo o corpo robusto de uma mulher de uns 40 anos, que trajava uma bermuda umedecida pela água do mar.
-Os meninos pagaram a passagem. E eles se levantaram educadamente.  O que falta a você é educação.
Não foram palavras proferidas de dedo em riste, cara a cara. A mãe dos três pimpolhos (deduzia-se que eram seus filhos) expressava mais indignação do que agressividade. Quanto aos guris, portavam-se com uma quietude que todas as professoras do ensino fundamental sonham para os seus alunos.
-Além do mais, se venho da praia, o problema é meu. Você não tem nada a ver com isso.
A grávida ouvia calada. Dera os seus trinados, não agradou e teve de ceder a vez a uma voz mais possante. Grávida... Estava ela mesmo grávida?... Parecia-me, não vai aqui nenhuma maldade, que ela já se achava na menopausa. Eu não notei a sua barriga nos poucos minutos em que esteve ereta, porém, agora, via que carregava, junto à bolsa, um envelope do Laboratório Sérgio Franco.
Tendo se erguido, a moça indicou seu lugar para os petizes sentarem, e eles logo a obedeceram; um sentou no colo do outro, enquanto o maiorzinho foi para perto deles, permanecendo de pé.
A indignada, encostada num balaústre, repetiu algumas frases que dissera, mas em tom mais baixo, a sua raiva dava sinal que partia para retornar em contendas futuras.
Os passageiros das proximidades ou, como se faz atualmente no rádio, na televisão e nos jornais – no entorno – olhavam-se uns para os outros com cócegas nas línguas para comentarem a escaramuça, mas ninguém se arriscou naquele clima ainda quente. A uns cinco metros de mim, um senhor e uma moça sussurravam, provavelmente sobre o caso.
Olhei, então, mais além e vislumbrei uma mãe com o seu rebento de uns dois anos de idade, no colo. Ela se amparava num balaústre, mas era um amparo frágil, pois um solavanco mais brusco do trem poderia jogar os dois no chão.  Passou uma estação, Cidade Nova, outra, São Cristóvão e nenhum cristão tirou o traseiro do banco para ceder o lugar para eles.
Meu Deus do céu, que povo é esse?
Minha mente me levou para o julgamento dos embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal e o pessimismo tomou conta de mim. Os embargos infringentes serão aceitos pelos juízes. Esse povo explica a nossa elite.
Por várias vezes, olhei a cena balançando a cabeça negativamente, maldizendo-me por não ter a ousadia de um passageiro que, meses atrás, numa viagem de metrô, bradou: “Gente, vamos ser solidários, há uma senhora, de pé, com uma criança no colo”.
E, como eu, todos estavam acomodados no silêncio. Então, uma cidadã, porque estava um tanto afastada, solicitou a um rapaz , através de um gesto, que fosse até aquela mãe sacrificada e a avisasse que cedia seu lugar, num banco verde, a ela. E assim foi feito.
Nem tudo está perdido. - disse comigo mesmo,
Anunciada a estação de Maria da Graça pelo alto-falante, pouco depois de o trem sair de Triagem, a grávida se pôs de pé e rumou para a porta de saída com uns dois minutos de antecedência, pois a distância entre uma estação e outra é longa.
Vago o lugar, os dois meninos, sempre silenciosos, retornaram a ele. Deduzia-se que eles queriam que a mãe voltasse a sentar no lugar que  ocuparam; ela, porém, já  inteiramente acalmada, mandou que eles voltassem para onde estavam e permaneceu de pé. Pouco depois, uma idosa se acomodou no lugar desocupada pela grávida.
A história não termina aqui. Descendo as rampas da estação de Maria da Graça, a grávida mostrou uma disposição que me impressionou. Imaginei que aquelas passadas de praticante de jogging era devido à pressa para pegar o táxi do ponto da Rua Domingo de Magalhães. Enfim, a mesma razão minha, embora os meus passos apressados me deixassem a uns dez metros atrás dela. Na última rampa a ser descida, ela já abrira uns quinze metros de dianteira. Veio, em seguida, a surpresa: ela não rumou para os carros da Metrô Táxi, e sim para o Moto-Táxi, onde se achavam três motoqueiros com suas respectivas motocicletas.
-Caramba, do banco das grávidas, idosos e deficientes físicos para o banco de uma motocicleta. - disse, sem temor de ser ouvido, pois só os alunos do CEFET se encontravam perto de mim e eles estavam ocupados demais  com a alegria.
Agora sim, esta história termina. E o pior de tudo é que nada dela é ficção. É tudo verdade.




(*) A história é verdadeira, mas a afirmação deu ao Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO a lembrança de um dos melhores momentos da Audrey Hepburn em Charade. Depois do Cary Grant mentir em diversas oportunidades, ele pergunta a ela se pode contar a história de sua vida; era a oportunidade certa para enviar-lhe uma censura nas fuças, mesmo apaixonada.

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