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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

2476 - Rádio memória com choro 2



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4276                      Data:  19 de  setembro de 2013
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AMPHIBIOUS NO RÁDIO MEMÓRIA
PARTE II

Com a provocação trazida à baila pelo Simon Khoury sobre o que é choro ou chorinho, Jonas Vieira se irritou com as confusões feitas pelos brasileiros e exemplificou com “forró”, que nada tem a ver com “for all”, festas dos americanos na base militar de Natal na Segunda Grande Guerra. Frisou que forró vem de forrobodó, burleta de costumes cariocas, em três atos, de Chiquinha Gonzaga, com letra de Luiz Peixoto e Carlos Bittencourt. Espetáculo que alcançou inacreditável sucesso desde a sua estreia no Teatro São José, em 1912, com mil e quinhentas representações ininterruptas.
-O que é samango? - foi a pergunta do Simon Khoury ao Raphael Berendt.
O compositor e violonista reconheceu que a história era engraçada, porque ele e o seu amigo, cantor, sambista e pandeirista, Pedro Miranda, se tratavam por samango, palavra que, no dicionário deles, significa pessoa parruda, vitaminada.  E que uma noite, três horas da manhã, no computador, ele descobriu que esse amigo samango estava on line; e como compôs um choro que ainda não recebera um nome, batizou-o de “Samango na Madrugada”, por considerá-lo sonoro. Bem, pelo menos a história é curiosa, haja vista o interesse do Simon Khoury.
E “Samango na Madrugada” se fez ouvir com a singular sonoridade do Vittor Santos em que os breques tornam  a música ainda mais buliçosa. Entre os instrumentistas dessa gravação, encontrava-se o virtuoso clarinetista Cristiano Alves, ex-integrante da orquestra Sinfônica Brasileira, tocando clarone.
Jonas Vieira enalteceu mais uma vez o CD “Amphibious” e Simon Khoury esclareceu que o título do CD era uma homenagem ao Maestro Moacir Santos, que criou uma composição com esse nome, encontrada  na faixa 10 do mencionado CD.
-Foi através do Moacir Santos que cheguei ao Vittor Santos e ao tipo de música orquestrada que ele concebe. - afirmou o compositor e violonista Raphael Berendt.
Jonas Vieira exultava com o CD, sem se desprender do seu espírito crítico com as coisas no Brasil, como se verá no comentário que se segue:
-É um disco, senhores ouvintes, de extraordinário valor, que não toca na nossa mídia, infelizmente.  No Brasil, um CD dessa qualidade é um insulto; pois para eles, quanto pior, melhor. Isso não acontecia na era do rádio, mas com a era da televisão a mediocridade tomou conta.
A sinceridade que transparecia das suas palavras criava uma grande empatia com os ouvintes do Rádio Memória.
Em seguida, voltou-se para o compositor:
-Raphael, onde se pode adquirir essa preciosidade?
Ele titubeou e, com isso, vieram os risos, mas essa hesitação inicial demonstrava  a alma do artista que coloca a criação acima de tudo. Mas respondeu:
- Eu tive uma grande dificuldade de colocar esse CD nas grandes lojas... O disco está sendo distribuído pela “Tratore”, que acolhe muito bem os artistas independentes em São Paulo.  Ele pode também ser encontrado através de sites. Há ainda a T. Rex, uma loja da Gávea, que respeita o tipo de música que fazemos.
-E também a “Arlequim”, no Paço Imperial, onde se acham instrumentais excelentes. - acrescentou o Simon Khoury.
Nesse momento, Jonas Vieira anunciou a “Pausa para Meditação”, crônica do Fernando Milfond. O tema era “Cuidado com as palavras”, que levou o titular do programa  a afirmar que a  palavra pode fazer um estrago maior do que um tiro de canhão. Foi tão enfático, que imaginei que o Sérgio Fortes cantaria a ária “Calúnia”, do “Barbeiro de Sevilha”, de Rossini.
Vieram então os reclames da Rádio Roquette Pinto, não as reclamações,  pois o programa se desenvolvia otimamente.
-Estamos ouvindo o violonista e compositor Raphael Berendt, e o arranjador Vittor Santos.
Simon Khoury disse uma piada, inaudível para mim, talvez se referisse à reapresentação do programa pelo Jonas Vieira para atender os dorminhocos que despertaram naquele minuto e não sabiam do que se tratava e do que perdiam.
-O Vittor está convidado a reaparecer no Rádio Memória.
-Convidadíssimo. - corroborou o Sérgio Fortes.
-Temos agora uma valsa. - disse o Jonas Vieira.
-”Valsa da Bailarina” - confirmou o Raphael Berendt.
-Essa valsa tem uma história...
-Ela nunca vai saber... - disse enigmaticamente o seu autor.
-O povo quer saber. - recorreu o Sérgio Fortes ao bordão do outro Sérgio, o Malandro.
-Eu sofri uma desilusão amorosa e resolvi compor uma música bonita para ela morrer de arrependimento.
Entrou no ar, em seguida, a ”Valsa da Bailarina” com o arranjo de Vittor Santos que, assim, ajudou o amigo com todo o seu talento a fazer a ingrata morrer de arrependimento.
Com a gravação no ar, os instrumentos logo convergiram nossa atenção, inclusive um inesperado corne inglês.
-Victor, foi um CD preciosíssimo o que você produziu. Quem são esses músicos? - quis saber o Sérgio Fortes, como todos nós.
-Nessa faixa, ”Valsa da Bailarina”, tivemos Vitor Gonçalves no piano, Rômulo Gomes no contrabaixo, Márcio Bahia na bateria, e o corne inglês foi tocado por nada mais, nada menos, que Carlos Prazeres. Ele é o maestro da nova geração, o substituto do Isaac Karabitchevsky.
E o arranjador do CD “Amphibious”, Vittor Santos, voltou a falar no clarinetista Cristiano Alves, que tocara na faixa “Samango na Madrugada”, afirmando que ele é doutor no instrumento com curso no Canadá. Passando, em seguida,  para o trompetista Nélson Oliveira, que foi homenageado na faixa “Nicolau na Gafieira”, e, atualmente, faz mestrado em Haia. Será, depois de Ruy Barbosa, o segundo brasileiro a brilhar por lá.
-É bom juntar tanta gente boa assim. - acentuou o Jonas Vieira.
E foi anunciada a próxima atração musical: “Nicolau na Gafieira”.
-Um choro-jazz. - disse o compositor.
Três minutos depois, vieram as reações:
-Show! - exultou o Jonas Vieira.
-Sensacional! - exclamou o Sérgio Fortes.
-Arrebatador! - diria o Dieckmann, se lá estivesse.
 -Très chic!- diria o Dâmaso Salcede, personagem de “Os Maias”, de Eça de Queirós.
E a palavra passou para o Sérgio Fortes:
-Eu, convivendo com os músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira, e ouvindo um trombone tocado dessa maneira... Isso equivale a três gols olímpicos.
Depois de concordar, Jonas Vieira foi adiante:
-Vamos à outra faixa. Agora é Villa Lobos: “Melodia Sentimental”.
Villa Lobos é autor das mais belas melodias do século XX, com a Cantilena da Bachiana nº 5, o Prelúdio da Bachiana nº 4, e outras tantas, como “Melodia Sentimental”, e aqueles músicos estiveram à altura da responsabilidade de transmitir o seu encantamento.
Essa faixa teve a participação do violoncelo do Hugo Pilger.-  assinalou o Raphael Berendt.
Depois, passaram a falar da faixa nº 4, “Carnavalesca”.
-Foi a primeira música minha que mostrei ao Vittor Santos. Tomei coragem e fui até ele.
-Obra-prima. - concordaram todos depois de ouvi-la.
O entusiasmo do Jonas Vieira foi tanto que ele elogiou o Simon Khoury por trazer ao Rádio Memória músicos de tal qualidade.
-Ora por quem sois? - pilheriou mais uma vez o Simon Khoury.
E o programa chegou ao fim com todos lastimando que as dez faixas do CD “Amphibious” não fossem executadas, como uma lindíssima valsa de Pixinguinha quase desconhecida.
Caro leitor, eis um CD que não pode faltar no acervo daqueles que têm ouvidos apurados. Afinal, gosto não se discute, se lamenta.

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