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segunda-feira, 30 de julho de 2012

2192 - o quarteto do quinta

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3992                                          Data: 22 de julho de 2012
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64ª VISITA À MINHA CASA

-Mario Quintana, costumo levantar a cabeça e vê-lo na tela do meu computador, agora, eu o vejo em carne e osso.
-Não exagere. - sorriu o poeta.
-É verdade; você está fisicamente morto desde 1994.
-A morte é a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos.
-Pois é, Mario Quintana, seus pensamentos, tanto quanto sua poesia, povoam as telas dos computadores através de mensagens eletrônicas.
-Alegro-me em não ter sido esquecido.
-Não foi você mesmo que escreveu... Deixe-me ver no computador...
Ao ver-me atrapalhado com a minha memória, interveio com a gentileza que lhe era peculiar.
-Não há necessidade, eu repito.
E repetiu:
-”Amigos, não consultem os relógios quando um dia me for de vossas vidas... Porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida – a verdadeira – em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira.”
-Sim, a sua poesia o eternizou, mas também, insisto, os seus pensamentos. Muitas vezes, dos atos mais prosaicos você mostrava uma profundidade oculta, como nessas suas palavras...
Dessa vez, não titubeei em reproduzi-las de cor:
“Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas. Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, nem desconfia que se acha conosco desde o início das eras. Pensa que está somente afogando problemas dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar inquietação do mundo.”
-É tudo poesia. - resumiu Mario Quintana.
-Você nasceu em Alegrete, Rio Grande do Sul, em 1906?
-Filho do farmacêutico Celso de Oliveira Quintana e Dona Virgínia de Miranda Quintana. A minha cartilha foi o jornal Correio do Povo, com ele meus pais me ensinaram a ler.
-E com “Le Figaro”, eles o ensinaram francês? - brinquei.
-É verdade que o início do meu aprendizado da língua francesa se deu com os meus pais.
-Lá, em Alegrete, você concluiu o curso primário?
-Sim, na escola do mestre português Antônio Cabral Beirão; e já trabalhava na farmácia da família.
-Com 13 anos de idade, em 1919, você foi matriculado no Colégio Militar de Porto Alegre, em regime de internato?
-Sim; existia, na época, a revista Hyloea, órgão da Sociedade Cívica e Literária dos alunos, em que publiquei os meus primeiros esboços literários. Em 1924, deixei o Colégio Militar e me empreguei na Editora Globo, conhecida pelos literatos de todo o Brasil.
-Quando você retornou para Alegrete?
-No ano seguinte, 1925, quando voltei a trabalhar na farmácia. Perdi a minha mãe, pouco depois. Publiquei um conto para um concurso do Diário de Notícias, de Porto Alegre, e me premiaram. Meu pai não durou muito depois do falecimento da minha mãe. Álvaro Moreira, diretor da revista “Para Todos”, do Rio de Janeiro, pediu-me um poema para publicar, e atendi ao seu pedido.
-E os acontecimentos políticos?... Pelo menos uma vez na vida, os gaúchos se envolvem com a política até a medula.
-Empolguei-me com a revolução liderada por Getúlio Vargas, em 1930, alistei-me como voluntário do Sétimo Batalhão de Caçadores de Porto Alegre e vim para o Rio de Janeiro. Em 1931, retornava ao Rio Grande do Sul e ao jornal “O Estado do Rio Grande”.
-Em 1935, você inicia o seu trabalho de tradutor de obras de Proust, Giovanni Papini, Voltaire, Virgínia Woolf, Guy de Maupassant, Balzac, Beaumarchais, Somerset Maugham. Não preciso dizer que a dificuldade maior se deu na versão de Proust do francês para a nossa língua,
-Uma frase de Proust subia, descia, dobrava a esquina e eu não sabia onde pararia. No quinto volume de “À Procura do Tempo Perdido” intitulado “A Prisioneira”, há uma frase que ocupa quase toda uma página.
-Quais os volumes da obra-prima de Proust que você traduziu?
-”No Caminho de Swann”, “À Sombra das Raparigas em Flor”, “O Caminho de Guermantes”, “Sodoma e Gomorra”.
-Você voltou a trabalhar na Editora Globo?
-Em 1936, sob a direção do Érico Veríssimo.
-Monteiro Lobato, quando conheceu seus poemas, encomendou-lhe um livro?
-Isso foi em 1939; escrevi, então, “Espelho Mágico”.
-Como Monteiro Lobato, você também escrevia para crianças?
-Em 1975, foi editado o meu poema infanto-juvenil “Pé de Pilão, uma coedição do Instituto Estadual do Livro com a Editora Garatuja, com introdução do Érico Veríssimo.
-O livro obteve uma ótima repercussão entre a petizada que se iniciava na leitura.
-Os guris gostaram e eu me sentia bem escrevendo para eles.
-Sei que publicou mais cinco obras infantis: “O Batalhão das Letras”, em 1948; “Lili inventa o mundo”, em 1983; “Nariz de Vidro”, em 1984; “O Sapo Amarelo”, em 1984; “Sapato Furado”, em 1994. “Pé de Pilão”, que saiu pela primeira vez pela editora Vozes, era de 1968.
-Não foi Monteiro Lobato que o insuflou a escrever para crianças?
-Não, Monteiro Lobato havia gostado de doze quartetos meus; quando me encomendou uma obra, eu escrevi “Espelho Mágico”. Trata-se de uma coleção de quartetos com um texto de Monteiro Lobato na orelha do livro, quando foi publicado em 1951.
-Aqui, no Rio de Janeiro, nós chamamos de quadrinhas, apesar de os livros escolares trazerem impressos o nome “quartetos”.
-Também penso que quartetos se reportam mais às músicas de Haydn, Mozart, Beethoven, Debussy,
 -Como entramos no universo musical, Mario Quintana, vale lembrar que o maestro Gil de Rocca Sales musicou, em 1993, treze poemas seus para o Recital Canto Coral Quintanares. No ano seguinte, em 1994, o maestro Adroaldo Cauduro também musicou poemas seus para o Coral Casa de Mario Quintana.
-Foi um bálsamo  no fim do meu caminho.

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A visita do poeta Mario Quintana prosseguirá no próximo número, por enquanto, como bônus, reproduziremos o poema com que Manuel Bandeira saudou  o poeta quando ele foi homenageado por seus pares na ocasião dos seus 60 anos de idade.

Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.

Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!

Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.

São cantigas sem esgares,
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.

São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.

São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.

Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.

E quer no pudor dos lares,
Quer no horror dos lupanares,
Cheiram sempre os teus cantares.

Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares,
Quintana os teus quintanares.

Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares....
Perdão! Digo quintanares.





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