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terça-feira, 24 de julho de 2012

2189 - papoulas ao mar

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3989                                              Data:  19 de julho de 2012
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EU  E  ELIO  NA  FROTA  DO  CABRAL

-Quando eu vi os homens construindo um altar em terra, por ordem de Pedro Álvares Cabral, soube que era dia 26 de abril de 1500.
-Como, Carlos?
-Desde a escola primária me obrigaram a decorar a data da primeira missa no Brasil; a data e o nome de quem a celebrou, Frei Henrique de Coimbra.
-Eu me lembro também disso tudo; até ficou na minha memória o nome do Bispo Pero Fernandes de Sardinha, que foi comido pelos índios caetés.
-Também como esse nome....
 -Será que há canibais aqui, Elio?
-Entre os indígenas, não acredito; alguns são nômades, outros sedentários. Conhecem o fogo, mas não os metais; os homens caçam e pescam, as mulheres se dedicam à agricultura.
-Olha: um grupo oferece vinho aos índios. - apontei.
Aproximamo-nos daquelas pessoas que riam com a reação dos índios, que cuspiam a bebida e faziam caretas de asco.
-Só devem beber água. - entremeou um marujo as suas palavras com risos.
Um índio, que se afastara, retornou com uma espécie de cuia com um líquido dentro. Fez sinal para que um marinheiro bebesse, mas este se mostrou demasiadamente desconfiado.
-É melhor beber, pois são ordens superiores nós não aborrecermos os naturais da terra. - lembrou alguém.
-É cauim. - sussurrei no ouvido do Elio.
-O tal marinheiro bebeu um gole e, em seguida, abanou a boca aberta com a mão espalmada.
-Caramba, isso é fogo líquido. - disse ele.
-Também quero provar. - gritou cada um dos integrantes do alegre grupo, estendendo os braços.
-Os índios brasileiros têm um invejável conhecimento de bebidas alcoólicas fermentadas, que obtêm de raízes, cascas, sementes, frutos, tubérculos, totalizando uns oitenta tipos de aguardente.
-Os americanos usaram o uísque para amolecer a fibra dos índios, os brasileiros não precisaram. - interrompi o Elio.
-Cabral não vai partir logo do Brasil, é melhor, então, nós nos dedicarmos ao trabalho para o tempo passar mais rápido. - propôs.
-Eu vou escrever agora uma edição do Biscoito Molhado sobre a descoberta do Brasil.
-Pero Vaz de Caminha já escreve sobre isso.
-Mas o texto dele é chapa branca e ainda pede emprego para um conhecido.
-Bem, Carlos, Pedro Álvares Cabral ordenou que se armazenasse água, alimentos, madeira e outros suprimentos. Trabalho não faltará para todos.
-E você, Elio, o que fará?
-Vou corrigir os erros de português da Carta de Pero Vaz de Caminha.
Transcorridos dois, três dias, Cabral ordenou que se construísse uma cruz com a madeira vertical ultrapassando os sete metros de altura.
-Terei de assistir a outra missa católica. - resmungou o Elio.
-Calma, Elio, as sinagogas só aparecerão no Brasil e nas Américas com a invasão holandesa.
No dia primeiro de maio, foi celebrada a segunda missa. Em honra a cruz, Cabral chamou o lugar descoberto de Ilha de Vera Cruz.
Um navio da frota partiu na manhã seguinte.
-De quem é aquela embarcação que se vai?- perguntei a um soldado.
-Uns dizem que é a de Gastar de Lemos, outros, a de André Gonçalves. Leva a carta de Pero Vaz de Caminha e avisa ao rei das novas terras de Portugal. - respondeu.
Pouco depois, éramos todos nós que zarpávamos, mas com outro destino: as Índias.
-Em poucos dias, dobraremos o Cabo das Tormentas. - disse-me um tripulante.
-O nome de lá mudou para Cabo da Boa Esperança. - retruquei.
-Boa Esperança... - a sua expressão era tão lúgubre que um arrepio de pavor percorreu-me a espinha.
Em poucas horas, as nuvens se tornaram carregadas e o mar ficava cada vez mais encapelado.
-Elio, a Dona Sarita lhe ensinou o que aconteceu com a expedição de Pedro Álvares Cabral depois da descoberta do Brasil?
-Carlos, se ela tivesse me ensinado, eu não me meteria nesta enrascada, teria embarcado no navio que levou a carta de Caminha. - disse, enquanto as bátegas nos castigavam e o mar se abria com vontade de nos tragar a todos.
-Se eu não soubesse que nasceria 447 anos depois, eu me consideraria hoje um homem morto.
-É o Adamastor de Camões e o Mostrengo de Fernando Pessoa. - reportou-se à poesia.
Passada a tormenta, veio o balanço da desgraça: a caravela de Bartolomeu Dias naufragou, além de três caravelas, perdendo-se quase 400 vidas humanas.  As outras embarcações, com os instrumentos danificados, dispersaram, depois reagruparam-se, porém a que estava sob o comando de Diogo Dias permaneceu distante.
Paramos em Sofala, Moçambique, onde a frota foi reparada e os nervos foram colocados no lugar. Dez dias depois, partimos e desembarcamos em Quiloa.
Enquanto Pedro Álvares Cabral procurava assinar um tratado comercial com o rei do lugar, perguntei ao Elio em que país se situava Quiloa.
-Carlos, no dia da aula de geografia sobre cidades africanas, eu fui visitar o Reinaldo do Jipe na cadeia do Colégio Militar.
 Mais tarde, eu saberia que estávamos em Zanzibar.
Irritado com o rei africano, que se mostrou turrão, Cabral navegou até Melinde, onde Vasco da Grama foi recebido com todas as honras. Lá, repetiu-se a boa recepção e houve troca de presentes.
Antes do desembarque em Calecute, Cabral, repetindo Vasco da Gama, fez uma parada nas Ilhas Angediva para fortalecer máquinas e homens. No nosso destino, Cabral negociou com o Samorim.
-Carlos, parece que tudo corre as mil maravilhas: Cabral obteve autorização para instalar uma feitoria e um armazém.
-Por que, Elio, ele despacha homens para missões militares?
-Tem razão, apesar de o Samorim concordar, é melhor nós nos protegermos em um dos navios.
Foi a nossa salvação; a feitoria foi atacada de surpresa por centenas de árabes muçulmanos e indianos hindus. Os besteiros lusitanos contra-atacaram, porém mais de 50 portugueses morreram, enquanto os demais fugiam para os navios, alguns a nado.
-Cabral está furioso. - gritou um soldado.
-Não interessa aos árabes, que já negociam as especiarias com as Índias, pelo Mar Mediterrâneo, ganhar mais um concorrente, por isso, eles insuflaram este ataque aos portugueses. - deduziu um marinheiro com ares de lobo do mar.
Pedro Álvares Cabral estava, de fato, furioso com o ataque à feitoria; ordenou um devastador ataque a dez navios árabes que estavam ancorados no porto. Depois da morte de centenas de inimigos, foram confiscados os carregamentos dos navios que, em seguida, foram tomados pelo fogo.
-Espero que Cabral já tenha se acalmado depois de tanta fúria.- disse ao Elio.
Qual!... Durante um dia inteiro, bombardeou a cidade de Calecute.
 -Onde nos metemos! - lamentei.
Depois, navegamos até outra cidade da Índia, Cochim, precisamente. Lá, Pedro Álvares Cabral, soube explorar a rivalidade entre as cidades, e assegurou a hegemonia portuguesa na região.
-Carlos, vamos dar um jeito de sair daqui, enquanto as coisas ainda estão calmas.
-Será que há papoulas por aqui?- indaguei.

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