O BISCOITO MOLHADO
Edição 5315 SX
Data: 24 de julho de 2017
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO
NASCIMENTO - ANO: XXXIV
MALUCOS.
OU MELHOR: COLECIONADORES
Li em algum lugar algo que me deixou preocupado. Dizia que
colecionar, qualquer objeto que seja, não é coisa de gente boa da cabeça. Por
outro lado, quem mantém não uma, mas várias coleções, deve ser mantido
acorrentado ao pé da cama.
Estou enquadrado na segunda categoria. Muito preocupado,
portanto.
Esse tema ganhou importância quando de minha última mudança,
da Anita Garibaldi para a Paula Freitas. As duas ruas ficam em Copacabana.
Poderia ser uma operação tranquila. Não foi o que aconteceu, não sou mais um
garoto, quase enlouqueci transportando no meu carro, da Anita até a Paula, uma
tonelada de equipamentos de som, trens elétricos e miniaturas de automóvel.
Claro que alguém vai indagar: "Cara, você nunca ouviu
falar de 'Gato Preto?' Da 'Lusitana?' E de outras dezenas de empresas de
mudanças?" A resposta, definitivamente, é "Não me interessa". Colecionadores são ciumentos, desconfiados e neuróticos. Inadmissível confiar a
tarefa de transportar suas preciosidades a truculentos e insensíveis
funcionários dessas empresas.
Foi o décimo terceiro trabalho de Hércules. Somente minha
coleção de canetas, por motivos óbvios, não deu problemas. Duas caixas de
sapato são suficientes para acomodar o incrível acervo de canetas Parker que
juntei ao longo dos anos. Nos meus tempos de ginásio, ostentar uma "Parker
21," "51" ou "61" conferia ao proprietário status
insuperável. Castas inferiores usavam as "Compactor,"
"Esterbrook" e "Optimat". Seres inferiores, bem se vê.
Nunca vou esquecer o dia em que estreei no Santo Inácio minha "Parker
61" azul turquesa, presente de aniversário de meu tio. Algo comparável ao
episódio em que os silvícolas saudaram Diogo Álvares Correia aos gritos de
"Caramurú! Caramurú"!
Complicado foi transportar meus equipamentos de som. Tenho
presente na minha cabeça que a música refinada que aprecio somente pode ser
tocada em aparelhos de altíssima qualidade. Receivers Marantz, caixas acústicas
JBL e gravadores Nakamichi ou Revox foram acumulados durante anos. Para
desespero de minha mulher. O problema é que alguns Marantz e caixas JBL chegam
a pesar mais de trinta quilos. Dois anos depois da mudança ainda estou cansado
da aventura que foi transportar, num só dia, oito caixas acústicas até a Paula
Freitas. Perdi 4cm de altura. Beth teve que refazer a bainha de minhas calças,
diante do encurtamento de minhas pernas.
O "carreto" de dezenas de caixas de trens
elétricos Lionel também foi uma tarefa olímpica. Minha paixão pelos
"Lionel" começou cedo. Paulo Fortes cantou uma "Traviata"
no Municipal, recebeu um belo cachê e correu até a Feira de Leipzig,
tradicional loja de brinquedos situada na esquina de Sete de Setembro com
Rodrigo Silva. Saiu de lá com meu presente de Natal, uma caixa imensa contendo
um trem completíssimo, repleto de acessórios. Poucos meses depois, o cachê de um
"Trovador" foi transformado em outra caixa gigante. De lá para cá só
fiz aumentar meu império ferroviário.
Minha super coleção de miniaturas de automóvel vai ser
tratada em minha próxima crônica. Acho que faz sentido, diante da quantidade de
histórias envolvidas...
Colecionadores tendem a justificar suas excentricidades
apontando exemplos de outros companheiros envolvidos em situações também
esdrúxulas.
É o que faço. Tomo como exemplo meu amigo Carlos Alberto
Torres, que não é o capitão da Copa de 70. Ele tem uma esplêndida coleção de
escudos de automóveis. Daqueles que são afixados nas grades dianteiras dos
automóveis antigos. Uma verdadeira maravilha! Mas, para compensar, o Carlos
Alberto também coleciona manteigueiras. Imagino que esteja com o colesterol nas
alturas.
Roberto Dieckmann, o Editor do "Biscoito Molhado",
é um grande ajuntador de barbeadores elétricos. Quando soube de sua mania,
fiquei impressionado. Aquilo não me parecia, de modo algum, algo colecionável.
Até que tive acesso ao acervo do meu amigo. A evolução tecnológica daqueles
artefatos e, especialmente, do seu design, estavam ali presentes a justificar a
mania do nosso Editor.
Meu amigo Chicô Gouveia, o famoso decorador, coleciona tudo
que diz respeito a "Tintin," personagem famoso de Hergé, o grande
desenhista nascido na Bélgica. O médico Henri Braunstein coleciona bicicletas.
Não são muitas. Quarenta, talvez. Nada comparável à coleção de latas de cerveja
do Ronaldinho. São mais de dez mil. Todas vazias. O conteúdo, ele bebeu faz
tempo.
Além desses, costumo relatar mais dois casos com o intuito
de provar que não sou tão maluco quanto alguns pretendem insinuar. Em certa
ocasião, frequentador da loja Hobby Center na galeria do Cine Bruni Copacabana,
conheci um sujeito que disse colecionar "kits" da Revell. Alguém se
lembra deles? Eram aviões, automóveis e navios acondicionados em lindas caixas,
repletas de partes plásticas que, montadas por pessoas habilidosas, resultavam
em verdadeiras obras de arte. Nunca fui um especialista no assunto. Mas a
conversa fluiu, até o momento em que não pude disfarçar um certo espanto quando
o cidadão me disse que era o feliz possuidor de dez kits do turbo-hélice
"Electra," da Varig, há tempos lançado pela Revell. Mesmo inapetente
em relação à matéria, eu sabia que aquele era um item raríssimo, disputado a
golpes de sabre pelos especialistas. Devo ter feito uma senhora cara de
espanto. O certo é que fui prontamente desafiado pelo meu oponente: "Quer
ver? Moro aqui mesmo nesse prédio, no quinto andar".
Não tinha nada a perder, aceitei o desafio. Pude constatar
que a informação do sujeito não estava completamente certa. Impossível alguém
"morar" no tal apartamento. Ele estava abarrotado de kits da Revell.
Quantos? Dez mil? Quinze mil? Não sei precisar. Sei que não se podia andar ali
dentro. Havia caixas do chão até o teto. Não se via janelas, paredes ou portas.
Caminhar entre os cômodos? Chance zero. Dez kits do Electra da Varig?
Bobagem... Eu estava diante de um maluco recatado. Devia ter muito mais que
isso.
Falta um detalhe para finalizar esse capítulo da crônica.
Pois lá vai: todas as caixas dos Revell daquele alucinado estavam ainda
envoltas em papel celofane. Jamais haviam sido abertas! O cara nunca havia
montado um avião, um navio ou um automóvel! Esse sujeito sim, devia ser
acorrentado ao pé da cama...
Outra visita, bem mais recente, também veio atestar minha
sanidade mental. Fui convidado a conhecer um gigantesco apartamento em
Copacabana, de um senhor interessado, como eu, em miniaturas de automóveis e
trens elétricos Lionel. Milhares de trens e carrinhos, amontoados sem o menor
critério. A título de brinde, havia, também, uma montanha de equipamentos de
som. De altíssima qualidade, notadamente dezenas de gravadores Revox, sonho de
consumo dos audiófilos. Completamente destruídos pela maresia. Além disso, o
sujeito também mantinha prateleiras e mais prateleiras cheias de aparelhos
destinados a testar válvulas. Qual o sentido de colecionar isso? Essa,
sinceramente, eu não entendi. Para fechar o capítulo, vale mais um registro.
Esse cidadão devia ter, na minha estimativa, uns 90 anos de idade. Ele revelou
a necessidade de comprar mais um apartamento, para acomodar suas futuras
aquisições.
Sou, portanto, um cara normal. Ou quase...
Bom dia,
ResponderExcluirLindo texto!
Nem tudo na vida precisa ter sentido. Costumamos valorizar o consciente e o fazemos durante toda a vida. Um tempero do lúdico faz muita falta. O sentido deve ser o prazer que dá.
Jamais joguei uma doce palavra escrita no lixo. As amargas também não. Um cartão, um agradecimento, um caderno de meus filhos. Imagine o tamanho da "bagunça". Preciso me desfazer dela. Em cada tentativa meu coração começa a dançar um samba puladinho e fica cada vez mais difícil.
Benditos sótãos e porões que guardavam a história de uma família!
Assino o que Elvira escreveu. Faço promessas de me livrar de um monte
ResponderExcluirde tralhas e, definitivamente, não consigo cumprir. Pelo contrário, o
"acervo" só aumenta. Vamos pensar positivamente: talvez seja essa a causa de ter tanta história para contar...