O BISCOITO MOLHADO
Edição 5312 SX
Data: 13 de julho de 2017
FUNDADOR: CARLOS EDUARDO
NASCIMENTO - ANO: XXXIV
FALTOU DIZER
Deve ser mania de gente metida a cronista. O certo é que não
consigo reler nada que tenha produzido em passado recente ou remoto sem ser
atacado pela compulsão de corrigir, acrescentar informações, explicar melhor, e
por aí vai.
Três assuntos alvo de publicação recente no “Biscoito Molhado”
não saem da minha cabeça. Merecem, a meu ver, considerações adicionais. Faço
isso, ou sei que minha pressão arterial permanecerá alterada. Admito, até, ser
comparado ao genial comediante Walter D´Ávila. Era ele que interpretava um
personagem que queria saber de tudo “muito explicadinho”? Não tenho certeza mas, de qualquer forma, esse também é o meu caso.
Para começar, vamos falar de “Turandot”, a última ópera de
Giacomo Puccini. Ela já foi tema de algumas edições do “Biscoito Molhado”,
algumas delas brilhantemente produzidas pelo fundador do Blog, o saudoso Carlos
Eduardo Nascimento. Vamos falar, especialmente, de Franco Alfano, o compositor
um tanto ou quanto obscuro que ficou famoso ao receber a incumbência de
completar a ópera que Puccini deixou inacabada ao morrer em novembro de 1924.
É sempre bom começar do princípio. A decisão de produzir
“Turandot” foi tomada pelo compositor em março de 1920, depois de uma reunião
mantida com Giuseppe Adami e Renato Simoni, os libretistas da obra.
Somente em janeiro de 1921 começaria efetivamente a compor.
Em março de 1924 a ópera estava quase completa, faltando apenas o dueto final.
Nos meses seguintes Puccini discutiu exaustivamente com seus libretistas os
detalhes do final da ópera. No dia 8 de outubro finalmente aprovou uma quarta
versão de Giuseppe Adami para os versos do dueto.
Dois dias depois, 10 de outubro, Puccini, fumante
inveterado, foi diagnosticado com câncer na garganta. Algumas semanas depois
embarcou para Bruxelas, em busca de tratamento. Foi operado no dia 24 de
novembro, morrendo cinco dias depois, vitimado por complicações decorrentes da
cirurgia.
Puccini deixou 36 folhas com esboços e instruções para o
final da ópera. Queria que Riccardo Zandonai concluísse esse trabalho. Mas
Tonio, filho de Puccini, criou objeções, e escolheu Franco Alfano, discípulo do
mestre, para essa tarefa.
A missão de Alfano foi bastante complicada. Definitivamente,
ele não contava com a simpatia do maestro Arturo Toscanini e do editor Ricordi.
Uma primeira versão do trabalho foi rejeitada pela dupla. Prevaleceu uma
segunda versão, considerada mais de acordo com as anotações de Puccini. Mas o
grande constrangimento aconteceria na noite de 25 de abril de 1926, quando
aconteceu a estréia da ópera, em Milão. No momento em que iria começar o dueto
final, o Maestro Toscanini, numa atitude surpreendente, depositou a batuta e
parou a orquestra. Voltou-se para a plateia para dizer: “Aqui a ópera acaba.
Porque nesse ponto o Maestro morreu”. O trabalho de Franco Alfano não foi
apresentado naquela oportunidade.
Muitos anos mais tarde a música produzida por Alfano
alcançou maior grau de reconhecimento. O musicólogo Konrad Dreyden ressaltou a
dimensão do trabalho por ele desenvolvido, a partir de anotações incompletas e
superficiais do que Puccini cogitava criar para finalizar sua belíssima ópera.
Quis o destino que Alfano viesse a ganhar fama quase que
exclusivamente por ter sido escolhido para completar a partitura de “Turandot”.
Pouca gente tem informações sobre os sólidos ensinamentos de música que ele
recebeu no Conservatório de San Pietro a Magella, em Nápoles, e posteriormente
na cidade de Leipzig, na Alemanha, onde viria a travar conhecimento com seu
grande ídolo, o compositor norueguês Edward Grieg.
O certo é que boa parte da obra de Franco Alfano caiu no
esquecimento. Uma exceção é sua ópera “Risurrezione”, que Placido Domingo
cantou no Metropolitan Opera House. A ópera é de 1904, tendo estreado no Teatro
Vittorio Emannuele. Sua ária “Giunge il Treno” foi esplendidamente gravada pelo
grande soprano Mirella Freni.
Recentemente o “Biscoito Molhado” abriu espaço para abordar
a gloriosa trajetória de George Gershwin, o genial compositor norte-americano
que faleceu prematuramente, aos 38 anos de idade. Sua ópera “Porgy and Bess”,
motivo de grande orgulho para o compositor, foi devidamente mencionada em nossa
crônica. Mas sempre é tempo de acrescentar algumas informações, como segue.
Foi em 1926 que George Gershwin leu o romance “Porgy”, de Du
Bose Heyward, que relata acontecimentos ocorridos em Catfish Row, um cortiço de
negros localizado no Cais de Charleston, na Carolina do Sul.
Gershwin vislumbrou a possibilidade de transpor aquela ação
para um palco de ópera. Imediatamente enviou uma carta a Heyward, propondo-lhe
uma parceria. Este concordou. Os entendimentos iniciais pareciam caminhar bem,
mas Gershwin, muito atarefado, não tinha tempo para se dedicar a escrever a
ópera.
Em colaboração com sua irmã Dorothy, Heyward, cansado de
esperar, escreveu “Porgy”, um texto para o teatro, que estreou em 1927. No
outono de 1932, depois de consultar George Gershwin, Du Bose Heyward vendeu os
direitos do romance para Al Jolson. A ideia do famoso cantor era se associar a
Jerome Kern e Oscar Hammerstein II para produzir um musical. Ele faria o papel
principal, devidamente maquiado para interpretar o aleijado Porgy, apaixonado
por Bess, que se desloca num carrinho puxado por uma cabra.
Mas o entusiasmo de Al Jolson em relação a esse projeto
também arrefeceu. George Gershwin ficou à vontade para concretizar seu
acalentado sonho de produzur uma ópera.
A primeira versão de Porgy and Bess tinha quatro horas de
duração. Ela foi apresentada no Carnegie Hall, numa encenação fechada ao
público, no outono de 1935. Uma versão experimental teve lugar no Colonial
Theatre de Boston, em 30 de setembro de 1935. A estreia na Broadway aconteceu
em 10 de outubro, no Alvin Theatre.
Durante os ensaios em Boston, George Gershwin procedeu
cortes e refinamentos em sua partitura. Ele buscou reduzir o tempo de
encenação, em prol do maior dinamismo da ação dramática. Nessa temporada em
Nova Iorque “Porgy and Bess” alcançou 124 apresentações. A direção do
espetáculo foi confiada ao experiente Rouben Mamoulian e a regência a Alexandre
Smallens. O barítono Todd Duncan e o soprano Annie Brown eram as grandes
estrelas do espetáculo.
O fato é que poucas óperas experimentaram uma trajetória tão
conturbada quanto “Porgy and Bess”. Quando o compositor morreu, em 1937, o trabalho,
que ele considerava ser sua obra prima, não havia ainda obtido o reconhecimento
do público e da crítica.
Algumas controvérsias acompanharam o percurso dessa obra
durante praticamente cinquenta anos. A mais séria delas, possivelmente, a
definição precisa do que viria a ser essa produção brilhante de Gershwin. Ele a
definia como uma ópera folclórica americana. Mas durante décadas ela foi
considerada por muitos um grande musical da Broadway. Por outro lado, os cortes
que o próprio compositor procedera na partitura, com vistas ao maior dinamismo
da representação, parecem ter significado um sinal verde para diversas
mutilações que prejudicaram o trabalho, nos seus primeiros 50 anos de vida.
Poucas vezes ele foi apresentado com suas mais de três horas de duração
originais. Recitativos foram frequentemente suprimidos e cortes absurdos
prejudicaram a brilhante orquestração do autor.
Somente em 1976, a partir de uma grande encenação da ópera em
sua versão integral, na Houston Grand Opera, o público norte-americano
conseguiu avaliar a verdadeira dimensão do extraordinário trabalho de George
Gershwin.
A ópera levaria inacreditáveis cinquenta anos para chegar ao
templo da arte lírica norte-americana, o Metropolitan Opera House. Isso
aconteceu em 1985. Foram 16 encenações com o teatro super lotado, para
prestigiar um elenco em que despontavam Simon Estes, Grace Bumbry, Bruce
Hubbard, Gray Decker e Florence Quivar, sob a regência de James Levine.
Finalmente, completamos nosso ciclo de “revisões” falando de
“Madame Butterfly”. Ela foi tema recente do “Biscoito Molhado”, apontada como
ópera adorada pelo grande público depois de registrar uma estreia absolutamente
desastrosa.
“Madame Butterfly” nasceu sob a forma de uma novela de
autoria de John Luther Long, contando uma história que não trazia grandes
novidades, o drama de uma gueixa ingênua traída por volúveis ocidentais. David
Belasco logo a transformou numa peça de teatro em um ato, assistida em Londres
por Giacomo Puccini no verão de 1900, cidade que o compositor visitava para
acompanhar a montagem de “Tosca” no Covent Garden.
Puccini não entendeu uma palavra do que acontecia no palco
mas se deixou comover. Regressando à sua casa em Torre del Lago, resolveu
consultar David Belasco para saber se ele estaria disposto a vender os direitos
de adaptação da peça. Não foi uma negociação fácil, mas o contrato com Belasco
foi finalmente assinado em setembro de 1901.
Illica e Giacosa, habituais libretistas de Puccini,
começaram o seu trabalho. O compositor buscou informações sobre os hábitos dos
japoneses, seus entretenimentos, música e arquitetura. Contou com a assessoria
da esposa do embaixador japonês, e também de Sada Yacco, uma famosa atriz
japonesa que visitava Milão.
Puccini apaixonou-se por Cio-Cio-San, o personagem principal
de sua nova ópera. Trabalhava com afinco na sua produção. De repente, aconteceu
uma dolorosa interrupção. Puccini, amante dos automóveis, sofreu um sério
acidente em 25 de fevereiro de 1903, quando retornava de Lucca em direção a
Milão. Ele quebrou uma perna e ficou um bom tempo desacordado. Quando voltou a
si, as lágrimas rolavam por seu rosto e ele repetia: “Pobre Butterfly! Pobre
Butterfly!”
Assim que pôde deixar o leito, ele se arrastou até o piano
para retomar o trabalho interrompido. A ópera ficou pronta no final de 1903.
"Quem possua a noção sem a experimentação e conheça o universal ignorando o particular nele contido, enganar-se-á muitas vezes no tratamento." Aristóteles
ResponderExcluirA minha pressão arterial sobe quando passo sem deixar um comentário, que, creia é o meu aplauso.
Esqueci de dizer que Aristóteles escreveu para mim o pensamento acima. rs
ExcluirElvira, adoro seu incentivo! Dizia meu querido amigo e ídolo Artur da Távola que sou um louco lírico militante. Tenho bons motivos... Gosto muito, também, de dividir essas informações com o maior número possível de pessoas. Suponho que estão sendo atraídas para o meu vício... Meus comentários derivam de muitos programas sobre música clássica que apresentei nas Rádios MEC e Roquete Pinto. Entendo que seria um desperdício manter isso guardado a sete chaves.
ResponderExcluirSérgio, muito obrigada.
ResponderExcluirArtur da Távola escreveu uma crônica linda sobre cavalos que se corrompiam e vendiam sua liberdade por açúcar. Linda! eu tirei cópias e mais cópias e as distribui como se fossem de oração. No Serviço Publico a luta é diária. Todos amaram. Não seria egoísmo guardar só para mim? Conhecimentos devem ser compartilhados assim como o talento que é um grande dom do espírito.
Só tenho uma dúvida. Por vezes penso que posso estar sendo inconveniente, simples pardal em meio a canários. Minha presença aqui deve-se a um também vício, o da boa leitura.
Os canários ( que pretensão...) solicitam encarecidamente que a Sra. Pardal permanece a postos! Mais do que o alpiste, não podemos abrir mão dos seus abalizados comentários!
ResponderExcluirTenho dito!
Em tempo : permaneça a postos !
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