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terça-feira, 2 de maio de 2017

3030 - SX No cabelo, só ROLEX




O  BISCOITO  MOLHADO
Edição 5279 SX                           Data: 02 de maio de 2017

FUNDADOR: CARLOS EDUARDO NASCIMENTO - ANO: XXXIV

CELSO LARA BARBERIS

Comparecer nos sábados à feira de antiguidades da Praça XV qualifica o visitante a disputar o troféu "Cocar de Ouro". Programa de índio da mais alta categoria. A feira perdeu qualidade, tornou-se gigantesca no tamanho e proibitiva nos preços. Foi-se o tempo em que os membros da ACCCDPBS(Associação dos Compradores Compulsivos de Coisas Desprezadas pelas Pessoas de Bom Senso) para lá acorriam na expectativa de encontrar raridades irresistíveis, a preços convidativos. Ninguém mais faz referência à lenda urbana, propagada em tempos remotos, de que ali alguém teria comprado um belíssimo quadro de Di Cavalcanti pelo preço de um Eski-Bon. 
Durante muito tempo integrei a associação dos compradores compulsivos, mesmo ciente de que estava perdendo tempo e contrariando a lógica. Achava que iria encontrar mais uma Parker 51, estalando de nova. Possivelmente na cor verde musgo, difícil de encontrar. Ou um punhado de Dinky Toys novos em folha, acondicionados em caixas originais. Uma coleção completa e encadernada da "Revista de Automóveis"...Tudo barato. Muito barato.
Pessoas com juízo sabem que nada mais disso acontece. Nos bons tempos, em que um número menor de barracas sofisticadas ficavam dispostas em volta do restaurante Albamar, fui agraciado com algumas compras realmente interessantes. A começar por um programa oficial do Circuito da Gávea de 1954, último realizado, vencido pelo Barão de Graffenried. Novinho. Um achado.
Destaque, também, para um Rolex Submariner. Alguém imagina encontrar hoje uma preciosidade dessas na Praça XV ? Pois eu encontrei. Na barraca de um senhor muito simpático e a um preço convidativo. Tomei coragem e perguntei se poderia pagar em três parcelas. O vendedor disse que sim. Me dei conta, no entanto, que só um maluco entregaria um Rolex em troca de três cheques assinados por um sujeito desconhecido.
Me antecipei às preocupações do vendedor e sugeri que levasse o relógio na segunda-feira seguinte ao meu trabalho, na Rua do Ouvidor. Isso foi feito. No dia aprazado, um terno azul marinho e uma porção de Gumex conferiram-me a devida credibilidade para concretizar o negócio.
Bem depois, descobri que a compra do relógio havia sido um negócio ainda mais proveitoso do que eu havia suposto. Meu Rolex era um "Red Submariner". Alguns dizeres que constam do seu mostrador estão gravados em letras vermelhas, ao invés das brancas usuais. Trata-se de uma raríssima variação, que mexe com a libido dos apreciadores da marca.
O ponto alto de minhas incursões à Praça XV ainda estava por acontecer. Anos mais tarde, num sábado nublado, estávamos eu e minha mulher empenhados em nossa pesquisa quando ela se aproximou de uma barraca a ser, a meu juízo, solenemente ignorada. Dezenas de xicrinhas, perinhas de prata, tacinhas de cristal, e por aí vai. "Coisa de viado...", diriam certamente meus amigos. Indócil para afastar a Beth daquele valhacouto de inutilidades, deparei-me com um prato bonitão, de prata, com algo incrustado no meio da peça.
O "algo dourado" era uma baratinha dos anos 50, semelhante a uma Maserati 250 F. Uma beleza.
Nervoso, peguei o prato e li o que estava nele gravado: "III 500 Quilômetros de Interlagos. Patrocínio da Metal Leve e Folha de São Paulo. 7 de setembro de 1960. Campeão".
Definitivamente tenso, dei-me conta de que havia encontrado, em plena Praça XV, o troféu ganho pelo vencedor da mais importante prova automobilística disputada no Brasil no ano de 1960. Quem seria ele? Camilo Christófaro? Chico Landi? Roberto Galucci? Celso Lara Barberis? Ciro Cayres? Caí na real e concluí que aquela era uma dúvida a ser esclarecida em casa. Importante, naquele momento, era comprar o troféu. O que faria se o dono da barraca me pedisse um preço absurdo, sabedor da preciosidade que tinha em mãos? "Quanto? 250 reais? Tô achando o preço um pouco pesado. Não dá para fazer por 150? 200? O.K., eu fico com ele". Negócio fechado, prato embrulhado, só aí me dei conta do olhar de impaciência da Beth, ávida por encontrar mais xicrinhas.
Cheguei em casa exultante. Procura daqui, pesquisa dali, mato a charada no excelente livro "Chico Landi de ponta a ponta", do meu amigo Paulo Scali. No capítulo que trata das proezas do grande Chico Landi no ano de 1960 consta: "Vice-campeão dos 500 Km de Interlagos"
O vencedor? Celso Lara Barberis.
Dúvida esclarecida, dediquei-me a pesquisar a carreira de Barberis. Recorri à "Revista Brasileira de Automóveis" e à Internet, especialmente o site do Jan Balder.
Celso nasceu em São Manuel, nas proximidades de Botucatu, em 28 de fevereiro de 1916. Filho do médico e fazendeiro de café Joaquim Orestes Barberis, italiano que chegou ao Brasil em 1914, e de Dona Maria Augusta Lara. Grande desportista, nadou e remou no Clube de Regatas Tietê e no Floresta. Campeão brasileiro no single skiff, foi convocado para representar o país nos jogos olímpicos de 1936. Uma intoxicação levou-o ao hospital e ele não pôde viajar. 
Foi, também, um destemido lutador de boxe. Em 1949, julgando-se "velho" para remar, iniciou suas atividades automobilísticas. Primeiro, com um Alfa Romeo Sport. Depois, com um Cisitalia 1300, que comprou para disputar o campeonato paulista de 1952. Com esse carro venceu o Circuito da Quinta da Boa Vista na categoria "Sport-Adaptados até 1500 cc".
Destacou-se numa série de provas em Interlagos, guiando inicialmente uma Ferrari de 2 litros e, posteriormente, uma de 3000 cc. Venceu as "Duas Horas de Velocidade de São Paulo", chegando em segundo lugar na prova que comemorou o IV Centenário da cidade. Em 1957, disputou o "Triângulo Sul Americano", enfrentando de igual para igual adversários do porte de José Froilan Gonzalez. Participou em três ocasiões dos "1000 Kilômetros de Buenos Aires". Seu melhor resultado aconteceu em 1960. Um quarto lugar, conduzindo uma Maserati 300 S em dupla com Christian Heins. Vale registrar a concorrência: a prova foi vencida por Phil Hill e Cliff Allison. Em segundo lugar, chegaram Richie Ginther e Wolfgang von Trips. Em terceiro, Jo Bonnier e Graham Hill. Nada mal, não é mesmo?
Em 1957 o Automóvel Club de São Paulo resolveu comemorar os primeiros passos da indústria automobilística nacional e ao mesmo tempo saudar o 7 de setembro. Para isso promoveu os "500 Kilômetros de Interlagos", disputados nos 3.460 metros do anel externo do antigo e saudoso autódromo. Celso Lara Barberis venceu esta primeira edição, com Maserati - Corvette, depois da quebra de Ciro Cayres. Voltou a vencer os "500 Kilômetros" em 1960 e 1961, com Maserati 300 S e Maserati - Corvette, respectivamente.
Em 1963, seu projeto era correr essa prova em dupla com Chico Landi. O carro era um monoposto construído por Toni Bianco e Landi, equipado com motor JK 2000. A confiança na vitória era grande. Tanto assim que chegaram a combinar que Barberis daria a largada e Landi, possivelmente como vencedor, receberia a bandeira quadriculada.
Mas ainda na primeira volta, Barberis foi abalroado pela Maserati- Corvette de Amaral Junior, na curva que antecede o retão de Interlagos. Seu carro foi de encontro a um barranco, capotando várias vezes. O piloto foi projetado à distância, teve fratura de crânio e esmagamento de tórax. Ninguém teve dúvidas sobre a culpa de Amaral Junior no episódio. Ele nunca mais foi visto sequer nas proximidades de uma pista de corridas.
Estou sempre limpando e dando polimento no troféu do grande campeão. Faço mil conjecturas, mas não consigo imaginar de que maneira ele veio parar no Rio de Janeiro, na feira de antiguidades da Praça XV. Mariozinho de Oliveira, grande amigo de Barberis, vibrou com a minha aquisição. mas não teve como colaborar para a elucidação desse mistério.

Um comentário:

  1. Que maravilha!
    Ler crônicas antigas aqui é semelhante aos passeios na Praça XV antigamente

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