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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

2997 - só lembrei duas horas depois...


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5247                                 Data:  08  de dezembro de 2015

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214ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

 

Desci a primeira rampa de acesso da estação do metrô de Del Castilho e havia apenas um táxi no ponto da Rua Domingo de Magalhães. Perdi a esperança, até eu chegar lá, ele parte com uma chamada pelo rádio ou, então, por um aplicativo do celular. Desci a segunda e a terceira rampas, lá estava ele. Será que chego a tempo?... Ameaçava chuva e aquele banco de espera não nos abriga de todos os pingos d' água. Apressei as passadas. Na quarta rampa, eu fiquei quase certo de que iria para casa naquele táxi. Mas a Lei de Murphy se impôs, mal piso a calçada, ele parte. Cacete!

No entanto, atravessando a rua, vejo o Machado me chamando com um molho de chaves na mão, enquanto apontava para uns carros estacionados na esquina da Rua Conde de Azambuja.

-Vamos lá que o nosso caminho é o mesmo. - disse-me.

E eu o segui.

-É este aqui. - falou enquanto abria a porta de um carro cuja cor nem de longe parecia com o amarelo.

-Você é motorista da Uber, agora?

Claro que se tratava de um chiste, ou de uma “boutade”, como diria a Rosa Grieco, pois o Machado trajava uma bermuda e uma camisa de havaiano.

Já citei o nome do Machado duas vezes, aqui, mas confesso que, na hora, o seu nome se apagou da minha mente. Quatro meses ou mais sem vê-lo, foi tempo suficiente para me causar esse lapso de memória. Impus-me a obrigação de lembrar o seu nome no caminho da Domingo de Magalhães à Modigliani. Eu parecia o personagem do filme argentino “Nove Rainhas”, que tenta, durante toda a fita, se lembrar de uma música da Rita Pavone.

-Eu com Uber?... Nada. Quero descansar.

-E o seu táxi?

-Vendi para ajudar a minha filha a comprar uma casa por aqui no bairro.

-Você me dizia, quando eu pegava o seu táxi, vindo do trabalho,  uma vez por semana em média, que essa viagem que era a boa, pois era a última do seu dia e não o desviava do caminho para a Pavuna. Não mora mais lá?

-Não, moro aqui com a minha filha.

E este carro, que era um seminovo de um valor financeiro razoável?... Como ele o comprou se vendeu o táxi para a compra do apartamento da filha? Será que ele deu uma “pedalada”?... Fiz estas perguntas a mim mesmo, pois não queria me mostrar inconveniente.

Falávamos enquanto eu vagava nos “becos escuros da memória, velha cidade de traições”, como escreveu Machado de Assis, em busca do seu nome. Como ele se chama mesmo?

-Tenho visto muito o seu amigo lá no Méier?

-O Luca?

-Ele mesmo. Uma vez, quando eu trabalhava no Procardil, eu o levei de ambulância, com um rapaz, até a região dos lagos, onde um parente deles se acidentou.

-Você guiava a ambulância que socorreu o meu pai quando ele passou mal na época em que morávamos na Avenida Suburbana perto da barbearia do Fonseca.

-Claro que eu me lembro. Eu estava lá com o Salvador, que era meu compadre.

Não sei como funcionam os mecanismos mnemônicos, mas ele, quando citou o Salvador, eu tive certeza que não me lembraria tão cedo do seu nome. Salvador era o enfermeiro da ambulância, um negão que cresceu muito para cima e para os lados. O meu pai, quando voltou a si, fora de si, como se isso fosse possível, deu-lhe um soco na barriga que a gordura absorveu tranquilamente.

Para que o nosso diálogo não desgarrasse para a tristeza, pois o padrinho da filha dele se foi, pouco tempo depois desse socorro, com uma doença pulmonar, mudei de assunto.

-E o jogo do bicho?

-Tenho feito minha fezinha.

-Você joga lá no Méier e também aqui, em Maria da Graça?

-Jogo lá, apanho o resultado aqui. De qualquer maneira, tenho amigos nos dois bairros.

Amigos que, caso não haja táxis dos pontos da cooperativa, ele recolhe, o que deixa o Bob Esponja, o de número 184, fulo da vida, como me demonstrou algumas vezes. “Saiu da cooperativa? Some daqui!”

-Se ele saiu da nossa cooperativa, por que fica aqui? Só para tirar os nossos passageiros.

-O jogo do bicho é um esporte. - repetiu o que me dissera numa daquelas corridas em que ele dava o seu dia de trabalho como encerrado, deixando-me na Modigliani para rumar para a Pavuna.

De noite, quando me preparava para dormir, lembrei-me, finalmente, do seu nome.

No dia subsequente, entrei no táxi do 017. Inusitadamente, ele não seguiu pela Domingo de Magalhães, dobrou à esquerda e entrou na Fernando Esquerdo, rua evitada pelos taxistas por causa dos sinais de trânsito.

-É melhor irmos por aqui, para evitar esses favelados da Bandeira 2.

E prosseguiu na sua justificativa:

-Ontem, mataram dois PM no Jacarezinho, e a Bandeira 2  é quase a mesma favela.

-Eu evito, agora, na minha ida ao trabalho, o caminho para a estação do metrô de Del Castilho. Era uma boa caminhada, mas aqueles pedintes de dinheiro de lá pareciam mais assaltantes do que outra coisa.

-Levaram o carro do 108 na Domingo de Magalhães.

-Assaltaram?... Que coisa! Não conheço o 108.

-Ele não trabalha no horário em que você aparece. - disse-me.

-Eu, agora, pego um ônibus, por volta das 5h 30min da manhã, salto na Suburbana e vou para a estação do metrô de Maria da Graça. Vejo, no máximo, três pessoas dormindo debaixo das marquises.

-Drogados, certamente, Aqui, os drogados são aos montes.

Eu não me manifestei, e ele prosseguiu com a sua costumeira irritabilidade:

-Esses traficantes têm condições de trazer armas alemãs para cá?

-Há uma logística... - comecei a responder.

-Eles são analfabetos, ou quase isso. Quem traz é gente rica, que não vive em favelas. Um traficante tem possibilidades de trazer do exterior, armas, drogas? Isso é gente que vive em belos apartamentos na zona sul, na Barra da Tijuca.

-Uma boa parte do mundo artístico, para ficarmos nesse segmento da sociedade, consome cocaína; depois, ela, com a cara mais deslavada, ataca a criminalidade. – manifestei-me.

-Você viu o filme “Tropa de Elite”?  Eles consomem drogas e, depois, saem em passeatas contra a violência policial. - bradou.

E investindo contra aqueles que são a razão da existência dos traficantes e seus danos perversos à sociedade, chegamos ao nosso destino.

 

 

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