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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

2990 - passando fome


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5240                            Data:  27 de novembro  de 2015

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129ª VISITA À MINHA CASA

 

-Haydn!... Parece que, distraído, fui trazido de volta à realidade, ao vê-lo, como acontece na sua Sinfonia “A Surpresa”.

-A de número 94?... Eu expliquei que aquelas súbitas notas fortíssimas da orquestra eram para acordar as pessoas da plateia que dormiam.

-Mais uma das suas piadas, pois as frases melódicas que antecedem aquelas repentinas notas fortíssimas dos instrumentos de percussão nos encantam pela beleza.

-Não gosto de perder uma piada ainda mais compondo.

-Uma das suas melhores brincadeiras se dá na Sinfonia nº 45, “A Despedida”. Paulatinamente os músicos fecham a partitura, param de tocar e se retiram da sala, até restarem apenas dois, na orquestra.

-Aquilo não foi brincadeira; era uma maneira sutil de mostrar ao príncipe...

-Seu patrão. - cortei o fluxo da sua frase.

-Uma maneira de mostrar a ele que os músicos não mereciam ser tratados como meros serviçais.

-Ele entendeu, Haydn?

-Era perspicaz, tratou-nos como artistas que éramos.

-Mas você, um dos maiores compositores da história da música, vestia libré, a farda de lacaios e cocheiros quando foi trabalhar para a família Eszterházy, como mestre de capela.

-Sim; meu querido amigo Mozart, lá em Salzburg, se rebelou e partiu para Viena. Eu fui mais conformado.

-Apesar da sua vida difícil, desde a idade mais tenra, você não perdeu, como se viu, o senso de humor.

-Sim; vivi com meus pais até os seis anos e idade, apenas.

-Por que isso?

-Eu nasci numa vila austríaca perto da fronteira com a Hungria; meus pais não eram ligados à musica, mas eu me entusiasmava com os serões de canto que havia nas proximidades. Eles, percebendo a minha vocação, me enviaram para Hainburg, onde um nosso parente, chamado Johann Matthias Franck, que era mestre de capela, se propôs a me dar aulas.

E como foi?

-Se muitas vezes os pais não tratam bem os filhos, imagine aqueles que não o são; fui humilhado, fiquei algumas vezes sem comer, mas não vou cuspir no prato em que não comi...

Parou para rir, junto comigo, e prosseguiu:

-Mas aprendi, com ele, a tocar cravo e violino; Tio Franck descortinou um novo mundo para mim.

-Tocar cravo e piano não era o seu único talento quando menino.

-Eu possuía uma voz que arrancava muitos elogios. Meu mentor, então, me levou para cantar na seção dos sopranos no coro da igreja.

-Isso foi quando, Haydn?

-Em 1740; eu contava oito anos de idade.

E continuou:

-Georg von Reutter, diretor de música na catedral de Santo Estêvão, corria, pela Áustria, recrutando meninos com dons canoros; impressionou-se com a minha voz e com a do meu irmão mais novo, Michael, e nós fomos para Viena.

-”Os Meninos Cantores de Viena” são lendários, o coro existe até hoje, e surgiu antes de 1500.- comentei.

-Com 17 anos, expulsaram-me do coro.

-Por que?

-Porque eu recusei a castração, ora essa! Preferi perder a minha voz de soprano do que a minha anatomia mais íntima.

-Concordo, mas como você enfrentou a vida depois que a sua voz engrossou?

-Fiquei sem trabalho e caí na pobreza; até nas ruas eu dormi.

-Foram sete anos de vacas magras?

-Dez, mas não foi uma década perdida, como vocês dizem no Brasil. Lancei-me na boemia vienense, como músico ambulante, e me introduzi nos meios intelectuais;  aprimorei-me, assim, em várias atividades relacionadas à música.

-Uma delas?-  pedi.

-Fui secretário do Nicola Porpora, excelente compositor napolitano; ele, sozinho, valia por toda uma escola. Com ele, aprendi o verdadeiro fundamento da composição.

-Ele dava, também, aulas de canto?

-Sim, o requisitado Farinelli, porque se submeteu à castração, foi seu aluno.

E voltou ao seu mestre:

-Com o passar dos anos, o estilo floreado do Nicola Porpora deixou de agradar as plateias e ele, injustamente, morreu na pobreza.

-Muita coisa você aprendeu sozinho, foi um autodidata.

-Estudei, sozinho, exaustivamente, o tratado de contraponto Gradus ad Parnassum do compositor da corte, na época, Johann Fux. Sem o domínio completo do contraponto não se é um grande compositor.

-Quem mais o influenciou na sua formação musical, Haydn?

-Carl Philipp Emanuel Bach, o segundo filho de Johann Sebastian Bach. - respondeu-me.

-Este teve, além do sangue, o maior de todos os mestres da história da música. - salientei.

-Mas ele não falava muito do pai; não me mostrava nada dele. - lastimou.

-Os filhos de Bach foram extremamente ingratos com o pai, um deles o chamou de “A Velha Peruca”.

-Ele disse isso porque Bach gostava das músicas antigas.

-Mas a grande  música é atemporal.- completou.

-Depois de tantos estudos, Haydn, quando você compôs as suas primeiras obras?

-Em 1750; eu estava com 18 anos. Eu escrevi missas e uma ópera.

-Sete anos depois, o barão von Fürnberg me chamou para participar dos serões de música de câmera em Weinzer.

-Foi lá que você concebeu a formação do quarteto de cordas, dois violinos, uma viola e um violoncelo, que foi explorado pelos grandes compositores principalmente Beethoven. - manifestei-me.

-Eu tive uma boa ideia e muitos a puseram em prática, além de mim, é claro.

-Mas a sua vida profissional de músico era ainda incerta.

-Só me firmei em 1759 quando me tornei mestre de capela do conde Karl von Morzin. Nesse cargo, escrevi as minhas primeiras sinfonias; a orquestra, na época, era formada por dezesseis músicos.

-Você viria a ser o Pai da Sinfonia. Como se não bastasse o quarteto de cordas, você concebia, agora, a sinfonia. Você era extremamente inovador.

 .

 

 

 


 

 

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