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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

2995 - Dicionário Biográfico Eleitoral


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5245                              Data:  03 de dezembro de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO - PARTE IL

 

ELEIÇÃO – Eu contava 12 anos de idade quando vivi a minha primeira eleição. A mídia não era tão massacrante como é hoje (havia mais televizinhos do que televisão), mas, a proximidade das eleições de outubro não deixava ninguém indiferente, mesmo as crianças.

Na Rua Rocha Pita, na casa do Seu Alcyr, o professor que preparava uma turma de adolescentes para os concursos de admissão aos colégios públicos, destacava-se, colado na porta de entrada, um cartaz com três nomes em letras garrafais abaixo de três figuras imponentes: Jânio Quadros, Milton Campos e Carlos Lacerda; o primeiro era candidato ao cargo do Juscelino Kubitschek, o segundo, a permanecer onde estava, e o terceiro, a Governador do Estado da Guanabara.

O meu interesse foi despertado quando, na pequena televisão de 14 polegadas lá de casa, meu pai sintonizou a TV Tupi e nós assistimos a convenção da UDN, quando o Carlos Lacerda discursou defendendo a candidatura do Jânio, como candidato do partido, pondo por terra a pretensão do Juracy Magalhães.

-O desgraçado matou o Getúlio, mas é muito inteligente. – foi o comentário do meu pai sobre o Lacerda, que não se apagou da minha retentiva.

No meio dos livros e cadernos, meus colegas, ecoando as palavras que ouviam dos pais, falavam em Jânio, Jânio e Jânio para presidente. A minha mãe dizia que votaria até num chimpanzé, caso o PTB o lançasse como candidato, enquanto o meu pai só falava no Getúlio, como se ele ainda não tivesse entrado na história.

Minha mãe dizia que o seu candidato era o Marechal Lott, amor platônico da sua irmã mais velha, enquanto o meu tio, acostumado com as maluquices da mulher, não expressava resquício algum de ciúme, pelo contrário. Que o Lott a levasse. Quanto a mim, impressionado com o tal cartaz e contagiado pelos colegas de livros e cadernos, fiz-me adepto da candidatura Jânio Quadros e, com isso, até uma vassoura em forma de broche, que me foi dada, espetei na lapela da minha camisa.

A minha tia, apareceu lá em casa, uma vez e distribuiu espadas, que eram broches que se antepunham às vassouras. Gostei da espada que ela me deu, pensei até em usar os dois símbolos, um em cada lapela das minhas camisas, mas não combinavam como não combinam as cores de uma peça de roupa, então, optei pela vassoura.

“Varre, varre vassourinha,

Varre, varre a bandalheira.”

Sim, eu ouvia meu pai comentar que, com a construção de Brasília, a Judite (sua sogra), quando foi receber a pensão do meu bisavô, que lutara na Guerra do Paraguai, voltara com as mãos vazias – o Juscelino já havia raspado o tacho.

-Isso nunca aconteceu com presidente algum! – bradou meu pai que, ainda assim, não dizia que o Jânio Quadros arrumaria a casa.

Eu, com o entusiasmo dos pré-adolescentes, gritava pelos quatro quantos cantos da casa, que todos deveriam usar o crânio e votar no Jânio.

Porém, vendo pela televisão os discursos no palanque do PTB, na reta final para a eleição, fiquei dubitativo. Aquela multidão avassaladora gritando “É Lott, É Jango, É Sérgio Magalhães” anulou, por momentos, a minha personalidade e me amoldou a ela. Passada a embriaguez, no dia seguinte, retornei à vassoura, ao meu proselitismo de janista.

No dia 3 de outubro de 1960, deu-se a eleição. Meu pai votou na Escola 9-10 Manoel Bomfim, que eu deixara no ano anterior, depois de lá estudar desde 1955. Eram 4 horas da tarde, faltavam apenas 60 minutos para o fechamento das urnas, quando o meu pai resolveu exercer o seu direito de cidadão e me carregou com ele. Da nossa casa da Rua Cachambi até a Rua Braque, em Del Castilho, perfaziam uns 500 metros de distância mais ou menos.  Eu estaria fabulando se dissesse que lhe pedi para votar no “varre, varre, vassourinha” durante o percurso. Talvez não, talvez sim, não me recordo.

Naquela hora, a maioria dos eleitores já havia votado, o que não quer dizer que a seção eleitoral estivesse tranquila, como a da crônica de Machado de Assis em que ele atuou como mesário.  Não aparecendo os eleitores – conta Machado de Assis – os membros da mesa, para gastar o tempo, passaram a falar dos mais diversos assuntos, até mesmo do enigma “Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?”. Há quem garanta, baseado no evolucionismo de Charles Darwin, que foi o ovo, pois os dinossauros, que eram ovíparos, surgiram neste planeta antes das galinhas. Mas quem disse que o ovo do enigma é de outro animal?- diria um polemista feroz.

Bem, naquela seção eleitoral do Manoel Bomfim, enfrentamos uma fila pequena. Do lado do meu pai, estranhei a presença agitada de uma pessoa com uma braçadeira da UDN e pedi explicações ao meu pai; ele me disse que se tratava de um fiscal do partido, que o PTB tinha também o seu.

Diferentemente dos pais que levam os filhos com ele para dentro da cabine, meu pai me pediu para esperar e seguiu com a cédula de votação até ela.

No retorno para casa – isso eu lembro perfeitamente – perguntei por diversas vezes se ele votou no Jânio Quadros. Não me respondeu, nem mesmo o seu voto para vice-presidente e governador ele me revelou. Com o passar dos anos, tentei descobrir. Bem, 4 anos depois, quando morávamos numa vila da rua São Gabriel, descobri, depois de vê-lo xingar os vizinhos lacerdistas que comemoravam a Revolução Militar, que votara no João Goulart e no Sérgio Magalhães para Governador, sim no Sérgio Magalhães, pois o Tenório Cavalcanti, apesar de ser jornalista como ele, nunca lhe fez a cabeça com aquela capa preta e a metralhadora Lurdinha, cognome que os pracinhas deram à MG 42.

E para presidente da República em quem o meu pai votou? Não descobri. Será que ele votou no Jânio Quadros, como eu pedi, mas, envergonhado com o fiasco, nada revelou? Se assim, fosse, por que ficou silencioso de outubro de 1960 a agosto de1961? Ou votou no Lott, candidato do Juscelino Kubitschek que raspou o Tesouro para fazer, como meu pai dizia, uma cidade no meio do mato?

Nunca descobri; foi um segredo mais bem guardado por ele do que o de Fátima pela Igreja.

 

 

 

 

 

 

 

 

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