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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

2944 - tricolores e tricolotices


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5244                             Data:  01 de dezembro de 2015

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SABADOIDO

2ª PARTE

 

-Daniel, você vem do dentista ou de um baile de carnaval?

-De um baile de carnaval. - respondeu a Gina por ele.

-Carlão, o dentista disse que ia usar a broca na minha boca, sem anestesia, eu tremi nas bases como costumo tremer quando sai a escalação do Fluminense com o Gum e não doeu nada.

-Há vezes é o Gum quem decide, com um gol de cabeça, a vitória do Fluminense.

-Essa, no consultório do dentista, Carlão, foi uma das vezes. Gol do Gum.

Gina saiu da cozinha, mas o Daniel permaneceu comigo e com o Claudio.

-Eu imaginei, quando aqui cheguei e não ouvi sua voz, que era um daqueles sábados que você tem de ir à Casa da Moeda fazer a manutenção dos computadores, mas o Claudio me disse que não.

-Mas, daqui a pouco, telefonam de lá pedindo instruções ao Daniel. - manifestou-se o Claudio.

-Espero ficar muitos sábados e domingos sem ir lá, Carlão.

-Como eu chego ao meu trabalho muito cedo, costumo ligar o computador de uma colega, assim, quando ela chega, basta bater o ponto sem perda de tempo.

-Computador é como jogador de futebol: precisa de aquecimento antes de entrar em atividade. Aliás, Carlão, a seleção húngara de 54 entrava em campo arrasadora, fazendo dois, três gols nos primeiros minutos, porque foi a primeira equipe de futebol a se aquecer nos vestiários.

-Por que você não bate o ponto dessa colega? - voltou-se o Claudio para mim. 

-Quem bate o ponto do outro, se descoberto, é denunciado à Corregedoria, em Brasília, e corre o risco de sofrer um Processo Administrativo Disciplinar.

-O Sérgio Porto dizia: “Ou nos locupletemos todos ou restauremos a moralidade”. - lembrou meu irmão.

-No Facebook, algumas pessoas que eu conheço bem, convivi um tempo com elas, bradam insistentemente pela restauração da moralidade porque não estão se locupletando.

-O Facebook é uma nojeira. - gritou a Gina, que ouviu a minha voz, sem aparecer fisicamente.

-Dizem que essa frase não é bem do Sérgio Porto. - falou meu irmão.

-Li, há muito tempo, Claudio, uma crônica do Otto Lara Rezende em que ele escreveu que o Sérgio Porto se baseou no “Serafim Ponte Grande” do Oswald de Andrade.

-A Gininha esculhamba o Facebook, mas sempre navega nela.

-Fala baixo, Daniel, se não, ela escuta.

-Eu estou falando, velho.

-Como eu dizia, chego e ligo o computador dessa minha colega, mas, nesta semana, veio a mensagem de atualização. Passaram uns quarenta minutos e o diabo do computador ainda atualizava não sei o quê. Pensei comigo: ela vai chegar e perder minutos preciosos no ponto eletrônico.

-Essa sua colega chega tarde.

-Não, Claudio, eu é que chego muito cedo.

E prossegui:

-Aproveitei que o maior conhecedor de informática do recinto chegara e lhe pedi ajuda. Ele premiu o botão de desligar um tempo e soltou, assim tudo se acertou e o ponto eletrônico apareceu na tela.

-Ele deu o boot. - explicou o Daniel.

-Então, no dia seguinte, o computador voltou a se atualizar. O tempo passando e ele se atualizando.

-Ele estava lendo o Extra, a Hora do Povo, o New York Times, o Washington Post... - pilheriou meu irmão.

-O que fiz eu? Em vez de recorrer de novo ao tal colega, resolvi dar o boot de que falou o Daniel. Resultado: a tela enegreceu completamente, depois congelou com uns dizeres.

-Fez a maior lambança, Carlão.

-Agi como aprendiz de feiticeiro. Você viu esse desenho, Daniel, do filme “Fantasia” em que o Mickey é o aprendiz de feiticeiro?

-Muitos consideram o maior desenho de todos os tempos. - interveio o Claudio antes de o Daniel responder.

-Claro que vi, Carlão, o Mickey coloca as vassouras para carregar os baldes d' água por ele, depois de ter visto o feiticeiro usar os seus sortilégios. Mickey perdeu o controle das vassouras e o lugar estava virando um mar.

-Corri até o feiticeiro, esse colega especialista em informática e ele colocou tudo em ordem.

-Ele, Carlão, lhe deu, depois, uma vassourada na bunda?

Em vez da resposta ao meu sobrinho, disse outra coisa.

-Vocês sabiam que “O Aprendiz de Feiticeiro” é um poema do Goethe. Vou falar em alemão, se a minha língua cair, devolvam-me, por favor.

-Fala, Carlão.

-Der Zauberlehrling.

-Já ouvi pronúncias melhores. - brincou meu irmão.

-A letra da “Sabiá”, do Chico Buarque, é inspirada na “Canção do Exílio”, do Gonçalves Dias que, por sua vez, se inspirou na balada de Mignon, um romance de Goethe.

-Goethe está em todas.

-Ele é um dos maiores portentos da literatura universal, Daniel.

-Vou tocar teclado para relaxar depois dessa hora no dentista. - soergueu-se da cadeira e foi para o seu quarto.

-Claudio, você viu essa última listagem com os melhores filmes brasileiros de todos os tempos?

-São todos uma porcaria. - gritou mais uma vez a minha cunhada

-Eu sei que “Limite” foi o primeiro, e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, o segundo. - disse ele.

-”Limite”, eu vi numa fita VHS que me foi emprestada. O Mário Peixoto, o diretor, forjou uma carta em que o Eisenstein enaltecia o filme.

-Pelo visto, não precisava forjar.

-De alguns filmes desse rol eu me lembro.

-”Vidas Secas” está?

-Se não estivesse, Claudio, essa relação não poderia ser levada a sério.

E prossegui:

“Cidade de Deus”, de que eu gosto muito, está, mas não na colocação em que puseram, eu colocaria entre os três primeiros. “Terra em Transe” está também.

-Carlinhos, eu achei esse filme tão chato.

-Lá estava também “Rio, Zona Norte”. Lembro-me quando assisti a esse filme no Cine Cachambi com a mamãe e a Dona Maria, a nossa vizinha espanhola. Na volta para casa, as duas falaram mal do filme o tempo todo. Nunca tinham visto nada pior.

-Nesse filme, o Grande Otelo cai do trem e morre quando batucava um samba, se não me engano, do Zé Keti.

-Eu me recordo dessa cena, Claudio, não do samba que ele batucava.

-O Orson Welles considerava o Grande Otelo o maior ator brasileiro.

-Você falou nisso, Claudio e me veio à mente uma crônica do Ruy Castro. Ele escreveu que o Grande Otelo se queixava de o Orson Welles nunca o chamar para um filme seu depois de tal elogio. O Ruy Castro, então, faz umas especulações sobre os filmes dirigidos pelo Orson Welles que poderiam ter o Grande Otelo como ator. Disse que o Grande Otelo poderia ser uma das bruxas do “Macbeth”...

-Para quem fez Macunaíma... - interferiu meu irmão.

-Depois, o Ruy Castro veio com uma ideia doida: o Grande Otelo poderia atuar como “Otello”, mas, devido à sua megalomania, Orson Welles preferiu ser pintado de preto e atuar como protagonista.

-Acho errado um branco fazer o papel de um negro.

-Concordo, Claudio, mas o Grande Otelo era muito baixinho para atuar como o mouro de Veneza, o vencedor de grandes batalhas contra os muçulmanos, casado com bela e loura Desdêmona.

-Carlão, prepara-te para sair que eu vou pegar o carro. - era o Daniel, que parara de tocar há algum tempo, com a Gina, que reaparecia na cozinha.

 

 

 

 

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