Total de visualizações de página

quinta-feira, 24 de julho de 2014

2656 - a quadrilha do Eça


--------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4906                        Data:  19 de  julho de 2014
----------------------------------------------------------
                                           
186 ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

Quando percebi que o 017 ponteava a fila de táxis, procurei esconder minha expressão de desagrado, mas, nesse dia, a sua gesticulação nervosa, as suas observações permeadas de amargura não se impuseram.
-Junho já se foi; daqui a pouco termina o mês de julho. - quebrou o silêncio.
-Já estamos na segunda quinzena.
-Não se veem mais festas juninas. - frisou.
-No nordeste...
-Lá, eu sei que há, mas aqui, nada.
Pensei em lhe falar da festa da Dona Zita, da Rua Chaves Pinheiro, que perdura por mais de vinte anos, mas ele já viajava pelo seu paraíso perdido.
-Como dancei quadrilha! Chegava a ir a lugares distantes, dançar quadrilha, com fogueira, batata doce, casamento, festa do arraial, mesmo.
-Eu dancei, vestido de caipira, quando cursava o primário no Manoel Bomfim.
-Festa junina, na escola, era uma maravilha!
E seus olhos faiscaram quando lembrou que dançara a quadrilha no Maracanãzinho em 1965.
-Era o ano do quarto centenário da cidade do Rio de Janeiro. - salientou.
-As danças juninas eram lá, depois passaram para o Pavilhão de São Cristóvão. - interrompi.
-Meu colégio ganhou o concurso de quadrilhas no ano do quarto centenário do Rio de Janeiro em pleno Maracanãzinho. - vibrou.
E as suas lembranças não arrefeciam.
-Eram picolés à vontade para a gente. E não era sorvete vagabundo. Tudo da Kibon.
-Qual era o seu colégio?
-Eça de Queirós; ficava em Copacabana, na Cardeal Arcoverde.
De Eça de Queirós só se pode esperar coisa boa. - pensei sem me manifestar.
-Dona Isa era a nossa professora. Ela conseguia uma verba, não sei de onde, e custeava as nossas roupas de caipira para a dança da quadrilha.
E fez uma ressalva:
-Não precisava, porque nós podíamos pagar.
Sua vivacidade nostálgica o levou a entoar uma das canções daquele tempo em que fervilhavam, para ele, as festas de arraial.
Depois de franzir a testa, concluiu num tom melancólico:
-Isso não existe mais.
Desci do seu táxi, meio triste, lembrando um poema de Manuel Bandeira, “Profundamente”, cujos versos se apagaram da minha memória, restaram apenas estes:
“... No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes.”

-Você já viu uma equipe de futebol levar quatro gols em seis minutos? - provoquei o Gaguinho.
-Nem em jogo de pelada.
A indignação o curava, por momentos da gagueira.
-A seleção brasileira de futebol, pelo que eu soube, surgiu em 1914. Nesta Copa do Mundo, no Brasil, ano do centenário, deveria haver o coroamento dos feitos épicos de Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Leônidas da Silva e muitos outros craques, e acontece a nossa mais humilhante derrota: 7 a 1 para a Alemanha.
-Sabe o que é isso?
-Era uma pergunta retórica, mas, ainda assim, respondi:
-Empáfia.
-Também empáfia, mas a desarrumação do time. David Luiz era um peladeiro em campo, Tiago Silva também.
-Se o David Luiz partisse para o ataque irresponsavelmente, o técnico doChelsea o tiraria do time; o mesmo com o Thiago Silva no Paris Saint Germain.
-Só o Felipão não via isso.
Enquanto ele criticava o nosso técnico, retirei uma revista da minha mochila e lhe disse com ela nas mãos.
-Poucos dias antes do início da Copa do Mundo, o Felipão concedeu uma entrevista. Perguntaram-lhe o que ele achava do comentário do Pelé em que dizia que a Alemanha era um dos países favoritos para vencer a Copa de 2014. Resposta do técnico da seleção brasileira.
E li:
-”Se o Pelé falou que a Alemanha é a favorita, eu mantenho mais ainda o que eu falei sobre o Brasil, porque quando o Pelé fala, dá errado. Pode ser que a Alemanha nem chegue às finais. Você já tem o histórico, nem precisa me perguntar.”
-Esse Felipão é uma besta. - irritou-se ainda mais.
-Os alemães trabalharam para vencer, o que os brasileiros não fizeram. - afirmei.
-A imprensa, a TV Globo, principalmente, tem culpa em endeusar o técnico e os jogadores do Brasil. - assinalou.
-O objetivo principal era os ganhos comerciais; mais caro a TV Globo cobra dos anunciantes.
-Você viu que até os camelôs ficaram com as mercadorias encalhadas?
Balancei afirmativamente a cabeça, e ele continuou:
-Era para o Brasil ter perdido do Chile; o encalhe ia ser maior.
-Vamos ver se aprenderam. - disse-lhe enquanto saltava do seu táxi.

Há quase cinco anos que sou passageiro da Metrô Táxi, mas apenas um deles quis saber o meu nome: o 184.  Ele é político, ou melhor, candidatou-se à vereação da cidade do Rio de Janeiro e, segundo seus colegas, só consegue promessas que não se transformam em voto. Ele, no entanto, tem o espírito de um político.
Todas as vezes que desço, por volta das 5h 30min da manhã, a Rua Van Gogh, rumo à estação do metrô de Del Castilho e ele lá está, com seu táxi, ouço a sua vibrante voz:
-Bom dia, Carlos.
Quando calha de ele trabalhar de tarde e de eu ir de volta para casa no seu táxi, o assunto é, inevitavelmente, política.
-Você viu a Cristina Kirchner recebendo os jogadores da seleção da Argentina na Casa Rosada?
-O Fernando Henrique Cardoso já havia feito isso quando o Brasil foi vice-campeão na Copa do Mundo da França. - respondeu-me.
-Eu quero dizer que ela parecia estar bem de saúde. Se a Argentina tivesse ganhado, estaria serelepe.
-Ela não veio assistir à final no Maracanã...
-Com medo de ser vaiada e xingada pelos argentinos. - interrompi para não perder o tempo da piada.
-Apesar de ela ser pior do que a Dilma, não acredito que seria vaiada.
-Ela não veio, a meu ver, porque a Argentina não pertence ao BRICS, que estava com todos seus representantes aqui.
-Com o país delas dando calote, ela queria o quê? - bradou.
-Eles não souberam gerir a sua dívida externa. A Argentina não teve um Pedro Malan, que soube renegociar e, no momento certo, comprar os títulos da nossa dívida, sem dar chance aos fundos abutres.
E acrescentei:
-Agora, com esses incompetentes ditando a nossa política econômica, não sei onde a coisa vai parar, se os fundos abutres já visam o Brasil.
Mas o 184 gosta de falar mesmo é da política da nossa cidade, do nosso estado. E assim foi. Quando me referi à folha corrida dos candidatos a governador, ele atalhou:
-Todos ladrões.
-Para mim, o segundo turno será entre o Pezão e Mãozão. - disse-lhe, saltando na Rua Modigliani.

Nenhum comentário:

Postar um comentário