Total de visualizações de página

terça-feira, 22 de julho de 2014

2653 - caindo pelas tabelas



------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4903                         Data:  13 de  julho de 2014
--------------------------------------------------------------

SABADOIDO DAS QUEDAS E DESABAMENTOS
2ª PARTE

O surgimento da Gina com o braço na tipoia, manchas roxas no rosto e um fio de sangue coagulado junto aos lábios foi desolador.
-O que aconteceu?
-Caí perto do Infonorte.
-Quando foi isso?
-No dia do jogo do Brasil com a Alemanha por volta do meio-dia.
E, demonstrando que o seu humor afiado não fora abalado, concluiu:
-Eu caí pouco antes do Brasil.
-A mãe foi queda, o Brasil, foi desabamento.
-O Daniel brinca agora, mas, na ambulância, tremia. - comentou a Gina com ironia amarga.
-Perto do Infonorte?...
-Sim, Carlinhos; eu comprei umas quentinhas para o almoço e, na hora de atravessar a rua, assustei-me com uma motocicleta e caí num buraco batendo com a cara no chão.
Notei, então, que havia um inchaço na sua face direita.
-A comida se espalhou pelo chão e pombos de todos os lugares logo apareceram.
-Sim, e você?
-Veio um monte de pessoas me socorrer. Um, que nunca vi, mas preocupadíssimo comigo, dizia para eu não me mexer para nada e eu querendo ir para casa.
-Depender da gentileza de estranhos não é tão dramático como numa peça de Tennessee Williams. A solidariedade nos faz crer no gênero humano.
Após essa divagação, indaguei:
-Fraturou o braço?
-Fraturei.
-Ele estava, então, com razão; você tinha de ficar quieta.
-Chamaram a ambulância do SAMU que demorou porque um motoqueiro e o carona caíram quando foram comprar carvão para o churrasco na hora do jogo do Brasil. Soube disse quando nos reunimos no Salgado Filho.
-Você foi levada para o Hospital Salgado Filho?
Como a minha pergunta era retórica, ela me disse que, lá, puxaram o seu braço com tanta força que parecia que quebrariam os ossos sobreviventes.
-Eles não podem fazer a lambança que houve com a mão fraturada da mamãe, que a impediu de realizar trabalhos manuais, que era uma terapia para ela.- disse-lhe.
-Depois da dor que a Gininha sentiu, tudo tem de dar certo. - manifestou-se meu sobrinho.
-O Daniel tremia tanto na ambulância.
-Não era para menos, Gina. - comentei.
 -E, naquela agitação, perdemos o chaveiro na ambulância do SAMU, mas, depois de avisados, eles acharam e nos entregaram.
-Quanto tempo com o braço na tipoia?
-Até o dia 22.
E acrescentou:
-Espero não sentir as coceiras, na parte engessada, como meu pai sentiu quando quebrou a perna. Ele teve de recorrer a uma varinha longa e fina para se coçar.
-Eu parei de levar escorregões e, até mesmo, de cair, quando descobri que cometia uma autêntica idiotice.
-Que idiotice era essa, Carlão?
-Eu não podia ver uma poça d´água, quando chovia, que passava a sola do meu tênis ou sapato nela, para que saíssem a areia, terra, pedrinhas, enfim, meus calçados ficavam sem aderência, menos abrasivos.
-Sempre que acontece alguma coisa comigo, vem outra logo em seguida.
-A derrota humilhante do Brasil para a Alemanha?!... Às vezes, é necessária uma pancada dessas para o povo cair das nuvens e pôr os pés na realidade. - manifestei-me.
-Mas precisava ser uma pancada dessas? - largou o Claudio o jornal que lia.
-O futebol enlouquece os torcedores, quanto mais dura a vida deles, nos seus países, mas doidos eles ficam.
-Carlinhos, os torcedores ingleses, italianos, alemães, também torcem muito. - impôs-se o espírito polemista do meu irmão.
-Sim, Claudio, mas a loucura de dezena de milhares de argentinos, vindo para cá, sem ingresso, com dinheiro quase nenhum no bolso, só se explica porque a realidade do país deles é triste, ainda mais agora que a Argentina está à beira de um calote.
-Eu tenho pena do pessoal da Comlurb que vai ter de limpar a sujeirada que eles deixarão. - disse a Gina.
Daniel usou a mímica para expressar a sua piada: tapou as narinas.
-Depois de mim, foi a vez do Brasil.
Mal ouviu as palavras da mãe, Daniel sintonizou o seu smartphone no hino da Alemanha.
-Ouço esse hino, e logo me vem à cabeça o Schumacher. - disse a Gina.
-Uma colega minha do trabalho me chamou a atenção para a beleza do hino da Rússia. Eu tentei escutá-lo, mas, com a desclassificação dos russos, na Copa do Mundo, perdi a oportunidade. - lamentei.
-Não seja por isso. - dizendo isso, Gina pegou seu tablet e colocou o hino para eu ouvir.
-É bonito, e tem de ter gogó para cantá-lo, as notas são muito agudas. - comentei, enquanto ela me passava o tablet.
-Beleza! Não bastasse a legenda em português, ainda mostra a letra russa no nosso alfabeto.
E exagerei:
-Até dá para aprender russo.
-É mais comprido do que o nosso hino; é do tamanho da Rússia. - observou a Gina.
-Para quê disputar o terceiro lugar? - interveio o Claudio, em tom crítico, naquele dia em que jogavam Brasil e Holanda.
-Depois de amanhã, começa a abstinência pós-Copa do Mundo, que haja, então, essa disputa. - discordei.
-E a morte do Di Stefano, Carlão?
Claudio se antecipou:
-Os argentinos enaltecem o Maradona, o Messi, mas o maior craque deles é o Di Stefano.
Tomei a palavra:
-O Evaristo de Macedo, que foi ídolo do Real Madri e do Barcelona, quando lhe perguntaram quem jogou mais, Di Stefano ou Pelé, respondeu que, se for considerada uma faixa de campo, o Pelé foi inigualável, mas se a questão é todo o campo, o Di Stefano se sobressai sobre todos. 
-O Di Stefano vinha com a bola desde a defesa e ainda era artilheiro. - ressaltou meu irmão.
-Vim saber, pelo João Máximo, que foi Di Stefano que pediu ao Santiago Bernabeu, presidente do Real Madri, a contratação do Didi no lugar do Kopa.
-E se desentenderam. - acrescentou o Claudio.
-O Di Stefano disse que o Didi não se adaptou ao futebol espanhol. Didi, por mais craque que fosse, esperava a bola no pé; creio que o problema está aí. No Botafogo, o Pampolini corria por ele e pelo Didi.
Nesse instante, Daniel sintonizou o seu smartphone na transmissão dos gols da Alemanha contra o Brasil na locução do José Carlos de Araújo.
-Para com isso, Daniel. - ralhou a Gina.
E o Daniel parou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário