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quinta-feira, 24 de julho de 2014

2655 - Queimando Euros



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4905                        Data:  17 de  julho de 2014
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185 ª CONVERSA COM OS TAXISTAS

Senti que a coisa era séria para o Albino ao não me perguntar pelo metrô, quando entrei no seu táxi. Não me enganei:
-Um ônibus bateu no meu carro particular e, até agora, nada.
E prosseguiu, irritadiço:
-Eu tenho documentação, laudo, o diabo que prova que foi imperícia do motorista do ônibus. O meu prejuízo ficou em mais de 3 mil reais, mas, consegui, com a oficina, que não passasse de 2 mil e quinhentos. Levei a conta para eles, prometeram pagar...
-E, até agora, nada. - previ.
-Meu amigo, isso aconteceu em abril.
-Caramba, três meses atrás.
-Telefono para a empresa e eles dizem que quem trata disso está viajando... na lua, provavelmente. Peço para falar com o substituto e ele está em Marte, tento, então, o substituto do substituto, e ele foi pra Júpiter. Perdi a paciência. (*)
-Não era para menos.
-Xinguei todo o mundo e participei a todos que só tratava do assunto, agora, na Justiça.
-Eu, quando saí da Oi, também me jogaram nesse labirinto torturante. Informaram-me que, para sair da operadora, eu tinha de ligar para o ramal x, liguei, do ramal x, jogaram-me para o ramal y, daí para o ramal z, até eu ir para um ramal que nem musiquinha eu ouvia, era um silêncio de tumba.
-E se você não pagar a mensalidade da operadora, eles ainda põem seu nome no SERASA. - interrompeu-me.
-Para não ser mais joguete deles, recorri à ANATEL, ainda assim, demorou, porque as agências reguladoras se tornaram órgãos de conchavos políticos, perdendo o objetivo visado pelo ministro Bresser Pereira quando elaborou a reforma administrativa no governo FHC.
-O advogado vai levar 30%, mas o mais importante para mim é que esses safados paguem o que devem. - reportou-se ao seu estressante problema.
Um minuto depois, chegávamos ao meu destino.

Agora, era o táxi do Cunhado da Ivete que me levava para casa.
-Seus colegas se queixam que, com a Copa do Mundo, a receita deles caiu. - puxei assunto.
-Não passei por esse problema. Acordo cedo.
-Sim, mas vejo colegas seus às 5h 30min da manhã, quando sigo para o trabalho, no ponto da Rua Van Gogh e eles se queixam do pouco dinheiro que entrou no período da Copa do Mundo.
-Bem, eu fui para a zona sul e, lá, consegui passageiros.
-Mas a expectativa era mais otimista, o Eduardo Paes até cogitou de os taxistas aprenderem inglês.
-A língua do dinheiro todos entendem. - garantiu o Cunhado da Ivete.
-Li que um taxista, ao receber um turista no seu carro, pedia para ele falar no seu smartphone, que tinha um dispositivo que traduzia tudo para o português.
-Não é preciso tanto e você ainda corre o risco de ser roubado, pois deve ser um aparelho caro.
-E essas traduções, via computador, são terríveis, na maioria das vezes, as frases ficam desconexas. É verdade que o contato verbal com os turistas se dá, normalmente, com frases curtas o que facilita. - comentei.
-Veja os camelôs; eles conseguem vender as mercadorias para tudo que é estrangeiro.
-São os poliglotas das ruas. - disse-lhe com um sorriso.
Como ele não retomou a palavra, depois de uma pausa, prossegui:
-Torcedor argentino você não conseguiu pegar no seu táxi, não foi?
-Seria uma façanha, se eu conseguisse. Os argentinos vieram para cá com a cara e a coragem.
-Segundo o ranking da Cielo, foram eles os que menos gastaram no Brasil: média de 127 reais.
-Cielo?!... estranhou.
-É a empresa brasileira líder do setor de pagamentos de crédito e débito com cartões. - expliquei.
-Muita coisa não é paga com cartão. - retrucou.
-Certo; mas não deixa de ser uma fonte que nos dá uma ideia dos gastos dos estrangeiros na Copa do Mundo.
-E quem gastou mais?- quis saber.
-Os holandeses; depois, vieram os suíços, os russos, os alemães, os Estados Unidos, nesta ordem.
-Os russos gastaram mais do que os americanos? - abismou-se.
-Acredito que eles trouxeram mais dinheiro em espécie, assim como os alemães, pois a média de gastos deles foi baixa de acordo com a Cielo.
-Bem, eu não posso garantir quais os gringos que levei no meu táxi, pois todos falavam inglês, e eu só consigo distinguir o sotaque do brasileiro falando essa língua.
E permeou a sua observação com uma gargalhada.
-Se elaborarem um balanço com os ganhos de um lado e as perdas de outro, não restará a menor dúvida que perdemos, não só no campo, com essa Copa do Mundo. - disse-lhe.
-Só os elefantes brancos que ficaram por aqui...
-E as vidas humanas que se perderam na pressa de terminarem as obras a tempo. - acrescentei, enquanto saltava na Rua Modigliani.

Dessa vez, o Albino estava mais tranquilo, tanto que a sua pergunta recorrente me veio quando eu ainda me ajustava no cinto de segurança.
-Como está o metrô?
-Com os passageiros hipnotizados pelos seus respectivos celulares. - respondi.
-Mas isso não é só no metrô; as pessoas ficam absorvidas com os visores do celular como os evangélicos com a Bíblia.
E aditou com um sorriso sardônico:
-Muitos evangélicos já devem ler a Bíblia nos celulares, e os pastores, nostablets.
-Vê-se também passageiros entretidos com seus tablets no metrô. - disse-lhe.
-Não aparecem muitas pessoas, nas ruas, atraídas pelo visor dos celulares porque o risco de serem assaltadas é de 100%. - afirmou.
-Pois é, as conversas que eu ouvia, anos atrás, entre os passageiros do metrô, se tornaram raras. Hoje, no entanto, um casal de namorados, junto a mim, no balaústre próximo da porta, de tanto falar, chamou a minha atenção.
-As pessoas deviam conversar mais. - manifestou-se.
-Em dado momento, eles enveredaram pela história do Brasil. Ele, que era mulato, igual a ela, disse que os escravos que vieram para o Brasil foram vendidos aos portugueses pelos seus próprios irmãos na África.
-Ele não era bobo.
-Mas ela era.
E prossegui:
-Ela disse, então, que, somando os escravos com os índios, os portugueses ficavam em menor número. E concluiu que bastava os negros e os índios se aliarem, numa guerra, que os portugueses faziam a reta.
-Faziam a reta?...- murmurou.
-Fugiam, batiam em retirada de volta para Portugal.
Com uma gargalhada, parou o seu táxi e me deixou na Rua Modigliani.

(*) Pelos conhecimentos demonstrados, esse taxista poderia ser astrônomo.


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