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quarta-feira, 9 de julho de 2014

2646 - Marlene 2



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4896                        Data:  03 de  julho de 2014
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É A MAIOR NO RÁDIO MEMÓRIA
2ª PARTE

E o empresário Georges Barrene, representante das Pastilhas Valda, prosseguiu com entusiasmo:
-Na Rádio Nacional, conheci Marlene, Emilinha e outros artistas. Travei amizade com Marlene e estava na viagem que ela fez a Paris e foi chamada pela Edith Piaf para cantarem juntas no Olimpya. A chamada do César de Alencar era: “Marlene, ela que canta e dança diferente”.
Jonas Vieira fez referência à sua lealdade e o seu interlocutor, nesse telefonema,  à sua inteligência.
Jonas Vieira insistiu na fidelidade dela aos amigos, rememorando que ela foi uma das poucas pessoas que não abandonou o César de Alencar quando ele foi acusado de dedo-duro do regime militar.
-Ela foi amiga dele até o fim e sofreu certo isolamento que direi provocado. - corroborou o Georges Barrene.
Atitude essa – frisamos nós, do Biscoito Molhado – que engrandece ainda mais a Marlene, pois, se o convite para ela trabalhar na Rádio Nacional partiu do César de Alencar, foi porque atendeu a um pedido do diretor-geral da emissora, Vitor Costa, que a vira se apresentando na boate Copa. Assim, ela trocou um público endinheirado pelo povão que ouvia a Rádio Nacional, com os mais fanáticos lotando o auditório de 600 lugares, que era transformado em autêntico caldeirão.
Mas voltemos ao Georges Barrene:
-Ela se foi e estamos tristes. Morreu com 91 anos de idade e deve ser lembrada eternamente. Faz parte da história do rádio brasileiro.
-E do teatro brasileiro. - aditou o Jonas Vieira.
-Claro; foi atriz de teatro, de cinema.
Jonas Vieira retomou a palavra:
-Você é testemunha que fui redator do Programa César de Alencar em que crônicas escritas por mim eram lidas. Em uma delas, parodiei a definição “nunca houve uma mulher como Gilda”, escrevendo: “nunca houve uma mulher como Marlene”. Ela ficou encantada.
Em seguida, ele se autocriticou por não ter guardado os seus textos:
-Infelizmente, sou um boquirroto.
-Sei que o rádio é dinâmico e encerro aqui meu depoimento.
E antes de desligar, o empresário assinalou que ela deve ser sempre exaltada.
Rouco de tanto ouvir, como se isso fosse possível, Simon Khoury pediu música.
E o convidado do programa, César Sepúlveda, indicou “Gaby Morena”, de Luiz Bandeira, uma gravação de 1954, da Continental.
-Que orquestra! Como era rico o rádio brasileiro!- exultou o Jonas Vieira.
-Eu ficava impressionado – disse o convidado – porque as duas primeiras horas do programa eram uma orquestra com o maestro X, digamos, o Chiquinho, duas horas depois era outra orquestra; e ainda havia o encerramento com a orquestra do Radamés Gnatalli. E os músicos também eram trocados.
Não deixou de citar também o maestro Lyrio Panicale que, por ser tricolor, melhorou o hino do Fluminense composto pelo Lamartine Babo, mas isso é outra história.
Um pouco calado, talvez por ser mais operístico como nós, do Biscoito Molhado, Sérgio Fortes interveio:
-A história da Marlene para chegar onde chegou... É muito trabalho, Saiu do interior de São Paulo para o Rio de Janeiro; foi para o Cassino Icaraí, depois o Cassino da Urca, proíbem o jogo, o que desempregou os artistas. É muita história. Hoje, surgem energúmenos sem história alguma.
E provocou o Simon Khoury:
-Você é capaz de escrever a história desses energúmenos?
-Seria uma página em branco.
E a escassez de tempo não deixou o Sérgio se reportar ao fato de, filha de imigrantes italianos, não ter conhecido o pai, que faleceu antes de ela nascer e de ser submetida a uma educação rígida de uma mãe evangélica, o que a levou, com 19 anos de idade, a pegar um trem e rumar para a Capital Federal sem avisar à família. Caso fosse americana – temos de recorrer ao clichê – sua vida se transformaria em filme.
César Sepúlveda fez questão de sublinhar que ele não era um biógrafo da Marlene e sim um pesquisador, que gostava muito de uma definição dele pelo Simon Khoury: memorialista.
-A biógrafa da Marlene é a Diana Aragão. Eu puxei tudo o que tinha da Marlene nos meus arquivos desde o início da sua carreira até agora.
E concluiu:
-Como disse o Sérgio, nós temos de testemunhar a dimensão dessa artista.
 Simon Khoury falou que a Marlene perdeu para a Fernanda Montenegro e isso foi o mote para seu memorialista narrar que, em 1952, quando estava casada com Luiz Delfino, foi para o teatro e, sendo considerada pela crítica uma  grande aquisição, concorreu ao prêmio de melhor atriz revelação com Fernanda Montenegro, perdendo por apenas 1 voto.
Simon Khoury, por sua vez, evocou a sua atuação na peça “Botequim”, de Gianfrancesco Guarnieri, sob a direção do Antônio Pedro.
 -Compreendo que a Marlene morreu no dia seguinte à abertura da Copa do Mundo, mas fiquei surpreso que revistas e jornais não dessem o merecido destaque. - lamentou o memorialista.
-Ela merecia chamada de primeira página, todo um segundo caderno. - revoltou-se o Jonas Vieira.
 César Sepúlveda citou, então, duas exceções no meio jornalístico, Arthur Xexéo e Ruy Castro, que escreveram “pequenos comentários, mas de um peso imenso”.
-“Marlene dizia que o palco era a sua vida, que a sua existência estava no palco.”
E procurou o Simon Khory citar textualmente suas palavras:
-”No palco, posso aguentar tudo, até o ostracismo”,
E veio mais uma atração musical na sua voz: o samba de Ary Barroso “Grand Monde do Crioléu”.
-Arranjo do Radamés Gnatalli. Que preciosidade! - vibrou o Jonas Vieira.
César Sepúlveda acentuou a versatilidade do seu ídolo, que se dizia mais identificada com a interpretação, que não gostava de ser chamada de cantora. E concluiu com uma frase que atribuiu a José Messias: “Marlene é a artista das artistas do Brasil”. Definição que ele considerou perfeita.
Simon Khoury entrou com um caso que envolvia culinária, o convidado do programa também falou em comida, até que o Jonas Vieira pediu uma nova música, e foi prontamente atendido pelo seu convidado:
-Da fase da Marlene na Odeon, quando Aloysio de Oliveira era o diretor artístico, “Show de Amor”, do Hianto de Almeida e Chico Anísio.
Depois, explicou que, ao ser convidado para o Rádio Memória, fez um roteiro musical em que retirou os clássicos, aproveitando apenas o que seria o lado B da Marlene.
Foi evocado pelo Sérgio Fortes o episódio da eleição da Rainha do Rádio em que “ela atropelou e venceu Ademilde Fonseca e Emilinha Borba no fotochart”
Seu memorialista esmiuçou o caso:
-Foi uma grande jogada comercial. A Marlene, ainda crooner do Copacabana, não era conhecida. O grupo de uma companhia de cerveja (Antarctica), pretendia lançar um guaranazinho, o Caçula. Eles não queriam uma pessoa famosa porque iria ofuscar o lançamento do produto. A chamada era “A nova Rainha do Rádio e um novo Rei dos Refrigerantes”. Eles bancaram tudo, a Emilinha nem ficou em segundo, foi a terceira, perdeu para a Ademilde Fonseca que era apoiada pelos Diários Associados do Assis Chateaubriand.
E Sérgio Fortes aproveitou o momento para lançar sua pergunta:
-César, você diria que isso foi o início da suposta rivalidade?
-Foi; criou-se o clima de que eram inimigas; não, não eram. Elas tinham aborrecimentos que todos os amigos têm. Elas se falavam durante horas no telefone (a tarifa era barata, registro da redação). Um dia, antes da morte da Emilinha, Marlene ligou para ela e ficaram muito tempo conversando.
Jonas Vieira interveio para testemunhar que Marlene lhe dissera que ela e Emilinha nutriam excelente amizade, que a cizânia entre as duas era coisa de fã-clube.
Bem, Mário Filho dizia que Marlene x Emilinha era o Fla x Flu dos que não gostavam de futebol.
-Eu acho que essa história de rivalidade prejudicou a Marlene, que tinha um horizonte maior.
-O que nós vamos escutar agora? - indagou o anfitrião do seu convidado.
E César Sepúlveda informou que daria um salto no tempo, assim, passou para 1998, quando Marlene entrou num estúdio pela última vez para gravar um CD com suas interpretações de 1969, ano em que reestruturou a sua carreira, para cá.
-”Olha”, do Roberto e do Erasmo Carlos. - disse.
Após mais uma história do Simon Khoury, envolvendo José Lewgoy e Carlos Kroeber, poliglotas e trogloditas, foi solicitada mais uma atração musical.
-Do LP “Marlene Explosiva”, de 1959, uma das minhas prediletas: “Erro de Gramática”, de Carlos Lyra e Marino Pinto.
E antes da primeira nota musical soar, César pediu atenção ao arranjo do maestro Gaya.
-Essa sua ideia de mostrar o lado B da Marlene ficou muito bom. - elogiou-o o Sérgio Fortes.
-Vamos terminar com um samba que eu adoro do Élton Medeiros...
O convidado interrompeu o anfitrião:
-Não; antes vamos ouvir “Gimba, que é da peça do Gianfrancesco Guarnieri; estrelada por Maria Della Costa. Um samba maravilhoso, de Jorge Kaszas e Guarnieri.
Nos minutos finais, Jonas Vieira congratulou-se com todos, dizendo que o programa fora um doce de ponta a ponta, enquanto o Sérgio Fortes dizia que Simon Khoury batera um bolão.
-Andar com o Simon Khoury é certeza de chegar. - repetiu o seu bordão.
O clássico do carnaval “Se é pecado sambar”, do Élton Medeiros e Floriano Faissal foi ao ar, mas o implacável tempo interrompeu a música como interrompeu a jornada da Marlene.

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